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6.4 O ABSENTEÍSMO NA PERSPECTIVA DOS PROFISSIONAIS DE SAÚDE

6.4.2 As causas do absenteísmo na perspectiva dos profissionais

6.4.2.3 Causas relacionadas à informação

A dimensão da informação é essencial para compreender as demais dimensões do acesso, pois pode preencher uma lacuna entre a oportunidade de utilização e a real necessidade de utilizar os serviços de saúde, uma vez que potencializa as pessoas para que possam realizar escolhas acerca dos cuidados de saúde. A falta de informação sobre a percepção individual de saúde e doença e sobre os critérios de escolha das opções disponíveis para a efetivação do cuidado, pode afetar o acesso (THIEDE; McINTYRE, 2008; SANCHEZ; CICONELLI, 2012) e representar significativos fatores geradores de absenteísmo.

A informação se caracteriza pelo grau de assimetria entre o conhecimento do paciente e do profissional de saúde, e envolve aspectos como escolaridade, letramento em saúde ou conhecimento sobre a própria situação de saúde, além de ser considerada como uma variável que garante um empoderamento sobre decisões relacionadas à saúde (THIEDE; McINTYRE, 2008) e componente importante na eliminação das disparidades em saúde (SANCHEZ; CICONELLI, 2012).

Na dimensão da informação, pode-se relacionar que, dependendo da qualidade da informação prestada pelos profissionais e do grau de compreensão dessa informação por parte dos usuários, estes não serão totalmente capazes de compreender os fluxos estabelecidos, dificultando o empoderamento sobre suas decisões e sua capacidade de fazer uso do sistema da forma mais adequada para atender às suas reais necessidades.

Acho que os profissionais fazem um pouco a vontade do paciente. [...] O paciente não tem conhecimento da real necessidade. Porque alguém fez, porque o vizinho fez neh... aí ele acha que também tem que fazer. Chega aqui com um quadro que não tem nada a ver com o assunto mas ele quer fazer um Raio-x, mas não tem nada que justifique que seja feito aquilo. Ou porque o vizinho fez, ou porque alguém fez ou porque ele realmente ele quer. [...] Aí é complicado tirar isso da cabeça do paciente, fazer ele entender que ele não precisa daquilo, nessa região aqui. (GU3).

Então você explica, explica, explica, e mesmo assim acontece (GU4). [...] existem muitas pessoas que chegam à unidade e dizem “eu quero um médico pra isso, ou pra aquilo...” então já diz para o médico aquilo que quer. Então isso atrapalha, porque às vezes o médico dá encaminhamento sem necessidade (GU5).

[...] porque muito paciente quer ir ao cardiologista por ir, então demora muito. Mas alguns precisam muito de um cardiologista, mas demora porque

tem uma fila grande de espera (MU5).

[...] e também dessas baixas qualificações dos encaminhamentos. O usuário melhor investigado, melhor apurado, evitaria um encaminhamento indevido aonde o paciente que chega com uma cefaleia é encaminhado ao neurologista sem uma maior investigação, onde tem grandes chances de acontecer a falta desse paciente no dia da consulta (PR3).

Eu sempre tenho por mim como um primeiro momento não culpar o usuário. A gente não pode culpar o usuário porque ele não sabe do fluxo (PR4).

Essas afirmativas revelam as disputas de força que ocorrem na relação entre usuários e profissionais, indicando que, dependendo da maneira como a pressão é exercida sobre o outro, pode ser gerada a frustração das expectativas de um dos lados em decorrência da disparidade do grau de informação, associada à dimensão da aceitabilidade. Isso expõe as limitações dos profissionais no sentido de construir e manter um vínculo de confiança com os usuários, considerando a existência de fatores socioeconômicos, educacionais e culturais da população adscrita como fatores potencialmente comprometedores da qualidade deste relacionamento.

Apesar da compreensão da informação acerca da utilização dos serviços, a maioria dos profissionais identifica que os motivos das faltas têm sua raiz na dificuldade de comunicação entre os serviços e os usuários. Também ficou evidente que muitos profissionais identificam problemas relacionados à dimensão da informação, mas não no sentido em que esta dimensão traz em sua compreensão, referindo-se ao grau de escolaridade, conhecimento e fontes de informação capazes de trazer empoderamento para as tomadas de decisão, mas no que diz respeito à comunicação entre o serviço e o usuário, no ato de realizar um contato de natureza simples, seja ela pessoalmente, seja por telefone ou qualquer outro meio comunicativo. Esse fator é agravado pela existência de “usuários flutuantes” nas áreas de abrangência das UBS.

Mas tem aquele paciente que deixa o encaminhamento aqui e some... às vezes quando a gente vai ligar, ou o ACS não encontra ou ele já mudou de casa. Então a gente conta com o telefone, entendeu...? A gente liga pra casa, liga uma, liga duas, liga três vezes... não conseguiu a gente não liga mais. Porque a gente não tem pernas também pra ficar ligando. A gente não acha o paciente, o paciente não vem pra buscar a consulta e aí como é que a gente faz...? Quando a gente não consegue falar com o paciente, a gente tenta três vezes, se não conseguiu a gente não tenta mais, aí ele perde a consulta (GU1).

E também acontece muito da gente não conseguir falar com a pessoa. Aqui, como a população é muito complicada, tem muito tráfico e etc, eles mudam muito de telefone. Então é muito complicado de conseguir falar. [...] tem

muita gente também que a gente não consegue falar (GU2).

Outra coisa que também é muito complicada é a questão do contato telefônico. Você liga para o paciente e nem sempre consegue. Tem 3 ou 4 ou 5 telefones mas nem sempre você consegue falar. Na grande maioria, como eu te falei, às vezes não tem crédito ou troca de telefone muito rápido. Eles trocam de telefone numa facilidade que Deus me livre! (GU3).

Muitas vezes o telefone está fora de área. E outras vezes, muitas vezes, os telefones não batem. Cai muito em caixa postal... número não existe... (GU4).

Quando eu pego meus encaminhamentos, pego sempre com dois números de telefone, e às vezes não consigo entrar em contato com os dois números. É difícil! Acontece que muita gente muda de telefone (GU5). Às vezes o encaminhamento chega hoje e o telefone já não é o mesmo, o endereço já não é o mesmo... aí eles vêm um mês depois e falam “ah eu troquei meu telefone...” e quando vai ver, já perdeu a consulta. Na verdade não tem muito o que fazer, porque a gente só tem como entrar em contato com o paciente pelo telefone. E se ele passou o telefone errado, se tiver fora de área... A gente ainda olha no sistema aqui da unidade, que é o CPQD. Que lá também tem telefone cadastrado e às vezes mais de um e a gente liga. Às vezes a gente vê nome de parente... sempre procura nome de parente, e sempre pede pra eles colocarem um telefone de recado, de outra pessoa, pra avisar (RU).

Às vezes não consegue entrar em contato porque não consegue falar no telefone. Às vezes também dá o telefone do vizinho, que tem que avisar e falar o dia da consulta e às vezes não avisa. Ou às vezes o telefone é atendido por criança e depois ela não fala... O pessoal da marcação já reclamou disso. Elas ligam e às vezes o paciente dá o telefone errado. Às vezes o telefone nem existe mais (MU5).

Muito telefone desatualizado, porque tem muitos pacientes que dão o telefone errado. Não consigo mesmo falar com eles por telefone errado. [...] Porque Vila Velha, eu não sei se acontece em outros municípios, pega muito paciente de fora. Por exemplo: vem muita gente da Bahia, Minas Gerais, aí passa mal, vai ser atendido... e devido ao tipo de consulta que demorar mais um pouco, aí você vai ligar e já não encontra mais o paciente (PR2).

A questão da maior dificuldade que nós entendemos pra ele não alcançar isso, é a questão da comunicação telefônica (PR3).

Falta de comunicação. Comunicação da Unidade como paciente... da unidade com a secretaria de saúde. Então, essa falta de comunicação é o que leva às vezes o paciente estar com a consulta agendada e não conseguir se passar a data da consulta ao paciente. A grande parte mesmo do absenteísmo está baseado na falta de comunicação, na falta de contato, para poder avisar que está marcado em tempo hábil (PR4).

Estes relatos reforçam a potência que a dimensão da informação representa na construção do vínculo entre os profissionais e a comunidade. Sem a compreensão da necessidade de manter a equipe informada sobre sua localização, os usuários correm o risco de contribuir para os fatores que limitam sua possibilidade de

comparecer à consulta agendada e, assim, comprometer a integralidade da atenção sem a continuidade do cuidado.