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Mapa 4: Áreas territoriais pertencentes aos indígenas – meados do séc XIX

3.1. No Ceará, tensão, tramas e embates na transição do Brasil colônia para o Brasil

Em 1822, a independência do Brasil abriu um novo horizonte e expectativas para seus habitantes, principalmente para as elites, que viram aí uma oportunidade de se fortificar ainda mais na rija hierarquia social herdada do período colonial. Porém, em várias regiões, a busca para firmar poder levou as próprias classes dominantes a se digladiarem entre si. No Ceará, foi forte o antagonismo entre as forças em favor da permanência da dominação portuguesa e os que agiam movidos por um sentimento antilusitano. Assim, atentando para a participação indígena nesse processo, faz-se necessário falar, também, dos antagonismos envolvendo as facções políticas da província, da disputa pelo controle do Governo cearense na época da transição do Brasil colônia para o Brasil Império.

Para Pedro Théberge, em novembro de 1821, aos “gritos de Vivam as Côrtes Portuguezas”, a força militar de Fortaleza e revoltosos doutros segmentos obrigaram o governador Francisco Alberto Rubim a abdicar do cargo. Para administrar o Ceará, foi formada rapidamente uma Junta Provisória, sendo eleitos para ela: o tenente coronel Francisco Xavier Torres, o ouvidor Adriano José Leal, o vigário Antônio José Moreira, José Antônio Machado, Mariano Gomes da Silva, Marcos Antônio Brício, Lourenço da Costa Dourado e Henrique José Leal. De acordo com o autor, no “geral composto de portuguezes”, “este governo” não atendia os “interesses do Brazil”, dos “patriotas”/brasileiros. Sem demora, enviando “uma proclamação” para as câmaras municipais de todas as regiões cearenses, “convidando os povos a manter o socego e a boa ordem”, buscou soterrar aquilo que definiu como “a anarchia eminente”4 que

se projetava na província. Noutros palavras, a ideia era elidir as possibilidades de fortalecimento de movimentos nativistas, sobretudo frear a ação de uma elite de antilusitana que, também, visava o controle do Governo provincial.

Segundo Pedro Théberge, a Junta que substituiu Francisco Alberto Rubim governou o Ceará de novembro de 1821 a fevereiro de 1822, quando cedeu espaço para outra. Aliás, certos membros da referida Junta foram inclusive mantidos nessa outra que lhe substituiu, políticos que melhor atendiam suas expectativas de dominação. No intento de fortificar ainda mais as forças políticas no poder, para

4THÉBERGE, Pedro. Esboço histórico sobre a província do Ceará. Tomo II. Fortaleza/CE: Fundação

compor o Governo provincial foram escolhidos, de novo por votação envolvendo os edis da câmara da capital: o “desembargador José Raymundo dos Passos Porbem Barbosa, padre Francisco Gonçalves Ferreira Magalhães, Marianno Gomes da Silva, José Agrella Jardim, José de Castro e Silva e Francisco Xavier Torres, commandante das armas”. Substituindo a antecessora sem atrito algum, a nova Junta Provisória não satisfazia, também, “aos patriotas”, e sim, parafraseando aquele autor oitocentista, “á causa da Metropole”5.

Favoráveis mais aos lusos no Ceará, e tendo suas ações fundamentadas preferencialmente nas decisões tomadas pelas autoridades que se reuniram nas Cortes de Lisboa, os dirigentes provinciais ora citados atuaram no sentido de inibir quaisquer movimentos em favor da emancipação do Brasil, pois, consequentemente, denotavam uma ameaça aos seus próprios planos de consolidação no poder. Naturalmente, sob a justificativa de garantir tranquilidade para a população da província, além de forte perseguição às elites contrárias, buscaram intimidar e controlar, também, os segmentos desfavorecidos. No caso dos indígenas habitantes nas diferentes regiões cearenses, essa Junta Provisória manteve uma relação bastante conflituosa com os mesmos – sobretudo com os de Vila Viçosa, e, mormente, com os da Serra de Maranguape, no entorno da Capital Fortaleza. Elucidativa quanto a isso é a ordem que a mesma emitiu ao coronel da vila de Granja, Francisco de Carvalho Mota, a 30 de setembro de 1822:

Ao Coronel da Granja sobre os Indios de Maranguape que consta terem hido p.ª Villa V.ça dos Indios fugidos.

A Junta Provisoria do Governo manda participar a V. S.a que tendo havido hum levante d’ Indios na Serra de Maranguape consta que

muitos fugirão, e vão em marcha para a V.ª Viçosa6 por isso encarrega a V. S.ª de dar todas as providencias para que se não percão de vista a fim de que pertendendo elles tentar algua nova facção sejaõ logo presos. Ordena mais q’ V. S.ª passando a averiguar quaes forão os autores da conspiração feita na d.ª Villa contra o Vigario Felipe Benicio Mariz, os faça logo prender e remeter com toda segurança para esta Capital com parte circunstanciada dos justos fundamentos das suas prizões. Poderá V. S.ª para esta deligencia pedir auxilio os Capitaens de Cavallaria Meliciana que lhe

5THÉBERGE, Pedro. Esboço histórico sobre a província do Ceará. Op. cit. p.47-50. Observação: o

historiador João Brígido afirmou que essa Junta Provisória foi instalada em janeiro de 1822, e não em fevereiro, como falou Théberge. Ver: BRÍGIDO, João. Ceará (Homens e Fatos). Fortaleza/CE: Edições Demócrito Rocha, 2001. p.73.

6Ver Mapa 1, em anexo 1, apresentando a localização de Maranguape e da Vila Viçosa, com base na

ficarem mais proximas e a Ordenança montada da sobredita Villa;...7 (grifos meus)

Como os índios haviam fugido para Vila Viçosa, era preciso mobilizar a força militar desse lugar e de vilas vizinhas, como Granja. Francisco Carvalho foi, então, um dos primeiros a ser acionado. A ordem era para que “sejam logo presos”. Mas, afinal, porque fugir justamente para Vila Viçosa? Atento ao trecho supra, afora a prisão dos índios de Maranguape, a Junta Provisória ordenou ao coronel que identificasse “os autores” duma “conspiração feita” em Viçosa contra o vigário Felipe Benício, e que fossem presos e levados a Fortaleza. Os tais “conspiradores” não eram outros senão índios da vila, que, insatisfeitos com a conduta de abuso de poder desse padre, o expulsaram dali. Esse acontecimento repercutiu bastante no curso dos anos, sendo interpretado de várias formas.

Em trabalho intitulado “As phases de minha vida – Genealogia”, o professor Manoel Ximenes Aragão (tinha 14 anos quando o vigário Felipe Benício foi expulso da Vila Viçosa), retrata os índios pela lógica da selvageria, sendo que ao padre só “perdoaram-lhe a morte”8. Em 1884, no seu “Notas de Viagem”, Antônio Bezerra segue essa mesma linha de raciocínio, afirmando que o religioso sofreu “as mais revoltantes afrontas”9, e de modo humilhante foi retirado da vila. Porém, não há somente discursos apontando o clérigo como vítima indefesa. No último quartel do século XX, o escritor Luís Barros lança outro olhar para o episódio em questão. No seu entendimento, na verdade aquele é que aparece como perseguidor, e teria sido expulso por “muito maltratar”10 os nativos.

Enfim, independente das discrepâncias nas versões expostas, a expulsão do vigário da Vila Viçosa (em 1822) é um fato, e os índios do “levante” de Maranguape resolveram fugir justamente para esse lugar bastante tumultuado na época, onde talvez esperassem contar com a cumplicidade de seus pares habitantes naquela

7Arquivo Público do Estado do Ceará – APEC. Fundo: Governo da capitania do Ceará. Série:

Correspondência do Secretário do Governo. Ofício da Junta Provisória do Governo do Ceará, emitido para Francisco Carvalho Mota, coronel da vila de Granja. 30/09/1822. Cx. 31, Livro n.º 98 (1822). fls. 125-125v.

8ARAGÃO, Manoel Ximenes. “Memórias do professor Manoel Ximenes de Aragão – As fases de

minha vida – Genealogia”. Fortaleza/CE: RIC. t.XXVII, 1913. p.72

9BEZERRA, Antônio. Notas de Viagem. Fortaleza/CE: Imprensa Universitária do Ceará. 1965[1884].

p.117

10BARROS, Luís. História de Viçosa do Ceará. Fortaleza/CE: Secretaria de Cultura e Desporto do

circunscrição, na região da Ibiapaba. Mas, não demorou muito para aqueles serem presos, acusados, também, de praticar “furtos”. Em 2 de outubro de 1822, em ofício a Jacinto Fernandes, Ouvidor de Fortaleza, a Junta Provisória do Governo

...manda participar a V M.ce, que os Indios de Maranguape a que forão achados varios furtos de importancia, e se conservão prezos naquella Povoação não estando pronunciados na devaça devem ser sumariados e recolhidos á Cadeia desta Capital; o que participo a V. M.ce para sua inteligencia11.

O curto intervalo entre o ofício enviado ao coronel de Granja, antes citado, e esse emitido ao Ouvidor de Fortaleza, indica que os índios foram logo interceptados pelas tropas oficiais. Dois dias após fazer o relato acima, a 4 de outubro de 1822, a Junta Provisória produziu outro que reforça essa afirmação. Foi enviado ao Sargento Vitorino A. de Souza, identificado como comandante da “Expedição do Destacam.to

de Maranguape”, organizada para prender os nativos envolvidos no “levante”. No documento, exige-se do militar que tome as

...acertadas providencias para conservar a tranquilidade publica

dessa Povoação da forma que milhor lhe parecer. Remeta V. M.ce para a Cadeia desta Villa os 7 presos de que está entregue pedindo

para sua condução auxilio das Ordenanças, e Milicias, e Indios que julgar necessarios;12 (grifos meus)

Sobre “os corpos auxiliares das Milícias e Ordenanças”, referidos na citação acima, Jeanne Berrance de Castro diz que, no Brasil, foram extintos em 1831, “com a criação da Guarda Nacional”, que, a partir de então, passou a “efetuar” o indispensável “serviço de manutenção da ordem interna”13. Enquanto estiveram em atividade, representaram um forte instrumento de coerção. Essenciais no processo de ocupação lusitano e para firmar o poder das elites no Ceará colonial14, pelo visto as tais Milícias e Ordenanças ainda formavam uma importante força militar nos anos

11APEC. Fundo: Governo da capitania do Ceará. Ofício da Junta Provisória do Governo do Ceará,

enviado para Jacinto Fernandes de Araújo, Ouvidor Interino da Comarca de Fortaleza. 02/10/1822 Cx. 31, L 98 (1822). fls. 127v/128.

12APEC. Fundo: Governo da Capitania do Ceará. Ofício da Junta Provisória do Governo do Ceará,

enviado para o Sargento Comandante do Destacamento de Maranguape, Vitorino A. de Souza. Cx.31, L 98 (1822). 04/10/1822. fls. 127-127v.

13CASTRO, Jeanne Berrance. A milícia cidadã: a Guarda Nacional de 1831 a 1850. São Paulo: Ed.

Nacional; Brasília: Instituto Nacional do Livro – INL. 1977. p.23

14Sobre o assunto, ver: GOMES, José Eudes A. Barroso. As Milícias d’El Rey: tropas militares e poder

no Ceará setecentista. Niterói/RJ: Dissertação de Mestrado em História, Universidade Federal

iniciais do século XIX. Tanto é que, a qualquer instante, poderiam ser acionadas para perseguir os que se configuravam como ameaça à ordem vigente, como foi o caso, em 1822, dos índios de Maranguape.

No geral, essas tropas eram constituídas pelos senhores locais, proprietários, sendo reforçadas, também, pelo elemento indígena – os que faziam alianças com as autoridades. Foram fundamentais nas guerras da Coroa lusa contra invasores estrangeiros “e escaramuças travadas entre os colonizadores e tribos que se manifestavam hostis”15. Historicamente, posto que as relações sociais não se dão de modo homogêneo, os indígenas sempre se dividiram nos conflitos com os brancos, como acontecia naquele momento. Enquanto que índios de Maranguape se revoltaram, atitude que incomodou bastante os dirigentes provinciais em Fortaleza, outros chegaram até mesmo a auxiliar as autoridades a aprisioná-los, integrando-se às tropas de Milícias e Ordenanças que lhes perseguiram.

Ao que tudo indica, viviam em Arronches os índios que ajudaram a capturar os índios envolvidos no “levante” de Maranguape. Ora, no dia 11 de outubro de 1822, em ofício a Amaro Joaquim Moraes e Castro, “Vigr.º de Arronches”, a Junta Provisória do Governo agradeceu “o quanto se prestou aos Indios e ordenanças na ocasião do tumulto” ocorrido naquela povoação16. Historicamente, no complexo jogo de negociação com os brancos, várias vezes os grupos indígenas foram colocados uns contra os outros, como nesse caso. Todavia, seja rebelando-se ou aliando-se aos governantes, sempre visavam, primeiramente, seus particulares interesses.

Desse modo, o que levou índios de Maranguape ao “levante” que culminou com sua prisão? Contra quem e porque se revoltaram? O que fez com que a Junta Provisória do Governo mobilizasse autoridades de vilas e povoações para prendê- los rapidamente? As informações produzidas por essa Junta, contidas nos ofícios ora citados e analisados, não são suficientes para elucidar essas questões lançadas.

Porém, relatos da Junta Temporária do Governo do Ceará, instalada a 23 de janeiro de 1823 em substituição à Junta Provisória que governava a província desde o início de 1822, trazem outro olhar sobre esse episódio, permitindo reflexões em

15PUNTONI, Pedro. A guerra dos Bárbaros: Povos Indígenas e a Colonização do Sertão Nordeste do

Brasil, 1650-1720. São Paulo: Hucitec: FAPESP, 2002.

16APEC. Fundo: Governo da capitania do Ceará. Ofício da Junta Provisória do Governo do Ceará,

enviado para Amaro Joaquim de Moraes e Castro, vigário de Arronches. 11/10/1822. Cx. 31, L 98 (1822). fl. 141.

outras perspectivas. Formada por José Pereira Filgueiras, padre José Joaquim Xavier Sobreira, Joaquim Felício Pinto de Almeida e Castro, Francisco Fernandes Vieira e padre Antônio Manoel de Sousa S., a dita Junta Temporária17 não demorou

muito para tomar decisões a respeito da questão e comunicar isso, em fevereiro de 1823, a José Bonifácio de Andrada e Silva (então ministro dos Negócios do Império). Na época, quando essa instituição de Governo provincial enviou para aquele documentos que tratavam do assunto, eles foram transcritos num dos livros ministeriais. O autor da transcrição anexou àquelas fontes, no começo, o seguinte comentário:

O actual Gov.º da Provincia do Ceará, conhecendo a injustiça, com q’ foraõ presos, e até cruelm.e açoitados os Indios da Serra de Maranguape, tudo p.r cabala de Europeos, e Brasileiros degenerados a q.m quis satisfazer o passado Gov.º daquella Provincia, os restituio á sua liberd.e, como haviao requerido na representaçaõ inclusa, em Honra da Augusta Acclamaçaõ, Coroaçaõ e Sagraçaõ do S.M.I. o governo, se commetteo algum erro neste passo, aconselhado pela equid.e, pede a S.M.I desculpa p.r q a sua mente foi desopprimir a innocencia, e tornar p.r acto remarcavel naquella Provincia a [rasurado] prosperid.e18.

No Rio de Janeiro, pelas notícias repassadas pela Junta Temporária do Governo do Ceará, em fevereiro de 1823, sabia-se que os índios de Maranguape, presos e castigados no final de 1822, tinham sido vítimas de perseguição por parte daqueles que foram qualificados como europeus e brasileiros degenerados, homens que mantinham uma relação de cumplicidade com os ex-administradores da província – isto é, com José Raimundo do P. P. Barbosa, padre Francisco G. P. de Magalhães, Mariano Gomes da Silva, José de Agrella Jardim e José de Castro Silva. Por libertá-los sem ordem prévia da Corte, os novos dirigentes buscaram justificar bem tal atitude, enfatizando que não tiveram nenhuma intenção de passar por cima do poder supremo do imperador D. Pedro I.

Para a Junta Temporária de fevereiro de 1823, o que motivou a decisão foi o fato dos “miseros prezos de Marang” serem “inocentes” “Victimas Brasileiras”19.

17Informações extraídas de: BRÍGIDO, João. Ceará (Homens e Fatos). Op., cit. p.73-74

18Arquivo Nacional do Rio de Janeiro – ANRJ. Fundo: Série Justiça. Códice IJ1719. Relato anexado,

inicialmente, a uma representação da Junta Temporária do Governo do Ceará, enviada para José Bonifácio de Andrada e Silva, ministro dos Negócios do Império, por requisição e em favor dos índios da Serra de Maranguape, fevereiro de 1823.

Logo, aqui, é como brasileiros que os índios são tratados. Destarte, em meio aos conflitos das facções políticas para ocupar espaço no aparato administrativo que se formava na província do Ceará após a independência do Brasil, o indígena podia ou não ser visto como brasileiro, dependendo dos interesses em jogo. Em âmbito geral, a indefinição quanto ao lugar social do índio fica clara, como se viu nos debates da Assembleia Constituinte. Para Durham, “do ponto de vista do Estado”, ou melhor, dos seus representantes, “o índio ocupou sempre uma posição muito ambígua”20.

Sendo assim, a fala da Junta Temporária do Governo do Ceará, em relação aos índios de Maranguape, representa uma antítese a ideia de que os indígenas não eram brasileiros. Nesse contexto de tensão e disputas políticas, satisfazia seus interesses, também, denunciar que tinham sido perseguidos por uma “cabala de europeus e brasileiros degenerados”. Salientavam os representantes da referida Junta que não haviam constatado isso à toa, vendo “tudo com pleno conhecimento de causa”. Só após “maduro exame, e escrupulosa indagação”21, é que tiveram

...a indubitavel certesa de que prevalicia a cabala e imperava o antigo rancor da prepotencia de alguns inimigos da causa do Brasil contra os miseraveis queixosos, e que quando fosse real o crime de que falsamente erão arguidos a titulo de amotinação, bem expiado estava com a crueldade dos açoites, que sofrerão mandados dar pelo barbaro Cap.m de 1ª linha Marcos Antonio Bricio, magoa foi esta Augusto Senhor, que não podendo caber em nossos corações sensibilisados com a horribilidade de semelhante tirania, e despotismo, logo mandamos por em liberdade aos infelises capturados,...22

Ao falar em favor dos indígenas a Junta Temporária dispara contra os dirigentes anteriores a grave acusação de que seriam “inimigos da causa do Brasil”. Os índios representavam, então, o oposto. Diante disso, nota-se que muitas vezes os nativos estiveram, de forma ativa, no centro da arena das disputas políticas pelo Governo do Ceará, seja antes ou após a independência do Brasil. Homens que buscavam sempre tirar algum proveito nas difíceis negociações com os brancos, na

20DURHAM, Euníce Ribeiro. O lugar do índio. In: O índio e a cidadania. COMISSÃO PRÓ-ÍNDIO.

São Paulo: Brasilense. 1983. p.14

21ANRJ. Fundo: Série Justiça. Códice IJ1719. Representação da Junta Temporária do Governo do

Ceará, enviada para José Bonifácio de Andrada e Silva, ministro dos Negócios do Império, por requisição e em favor dos índios da Serra de Maranguape, fevereiro de 1823.

fala oficial os índios ora aparecem como aliados, ora como algozes, dependendo da situação.

Se no fim de 1822 índios de Maranguape são presos e açoitados a mando da Junta Provisória de Governo, vistos como malfeitores, na fala da Junta Temporária, primeira formada no Ceará após a independência, aparecem como prejudicados, “inocentes”. Mas, pelo tom das acusações aos dirigentes anteriores, definidos como “inimigos da causa do Brasil”, quiçá o Governo Temporário intuísse mais combater e denegrir a imagem do antecedente do que sair em defesa dos nativos. Obviamente não se objetiva aqui invalidar suas acusações, negar ou suavizar a ação violenta contra aqueles nativos. Entretanto, é preciso não perder de vista, também, esses conflitos políticos, os interesses das diferentes partes envolvidas nesse processo, inclusive a dos indígenas.

Sobre Marcos Antônio Brício, indicado no trecho ora citado como responsável pela “crueldade dos açoites” dados aos índios, no curso dos anos não faltou quem o retratasse de fato como um sujeito que perseguia fortemente aqueles com os quais tinha rixa. A título de exemplo, no início do século XX, o padre e escritor Vicente Martins o qualifica como “homem turbulento, soberbo e cruel”23, corroborando, então, a versão apresentada pela Junta Temporária do Governo cearense, em 1823.

Tirânico, cruel, essa é a imagem atribuída àquele nos relatos que essa Junta emitiu para José Bonifácio de Andrada e Silva no mês de fevereiro daquele ano. Aliás, cabe informar que, para dar consistência aos documentos enviados ao ministro, foi encaminhado, também, um “abaixo assinado” dos indígenas da Serra de Maranguape, contendo mais de 20 nomes. Um detalhe interessante nesse documento e noutros produzidos no século XIX, é que os que não sabiam assinar faziam uma cruz ao lado de seus nomes que, neste caso, eram escritos por outros que tinham domínio da escrita.

23MARTINS, P.e Vicente. Pessoa Anta (BIOGRAFIA). Fortaleza: Revista do Instituto Histórico –

Tabela 1

Nomes cristãos de índios da Serra de Maranguape, contidos no abaixo-assinado de 1823.

Joze Roiz de Souza Manoel (não entedido) Crus de Claudiano + da Silva Joaõ de Andr.e de Aguiar Joaõ de Barros do Nacim.to Joaõ (não entendido) Joaõ An.to de Sz.a Manoel Francisco Luis Crus de M.el Per.ª + Gomes Crus de Marcos Per.ª + Barboza Crus de Fran.co X.er + Junior Crus de M.el + Corr.a de Farias Crus de An.to + Suares

Crus de Luis + Marques

Crus de Joze + (não entendido) Crus de Alex.e + Alz Barboza Crus de Alberto + de Jezus