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CAPÍTULO 4 OS IMPACTOS DO AVANÇO DAS GRANDES REDES VAREJISTAS E

4.2 A atual situação do Centro de Abastecimento Alimentar de Pernambuco

4.2.1 O CEASA e a qualidade dos produtos

Ao estudar a economia de bazar em um mercado camponês que funcionava numa cidade marroquina aos pés do monte Atlas em meados da década de 60, Geertz (1998) apontou como uma de suas principais características o elevado nível de ignorância sobre tudo o que dizia respeito à qualidade dos produtos e a formação de preços. Dizia ele que no bazar as informações são pobres, mal distribuídas, ineficientemente comunicadas e intensamente valorizadas. A assimetria informacional notada por Geertz (1998) é apontada por muitos autores como um dos principais problemas das centrais de abastecimento brasileiras.

De acordo com Flexor (2005, p.4), as incertezas informacionais dependem de dois fatores: “do grau de variabilidade das características dos bens e dos possíveis - 113 -

erros de medição, sejam eles voluntários ou não”. Assim sendo, para esta autor, “a presença e a intensidade das incertezas informacionais estão vinculadas a possíveis comportamentos oportunistas que podem surgir em razão das características dos produtos e da capacidade, ou não, de avaliá-las” (Flexor, 2005, p.4). Tomando como exemplo o CEASA-PE, podemos verificar o que significa na prática a assimetria informacional.

Segundo Zylberzstajn et al (1997), a logística da distribuição de alimentos possui três funções básicas: (1) a função econômica e financeira de negociação de preços, condições de troca e pagamentos; (2) a função física de transporte, manipulação, reagrupamento e expedição dos produtos, e, por fim; (3) a função de informação ou orientação dos fluxos dos produtos. Algo que deve ser levado em consideração neste ponto é que, com a falta de padronização e normatização dos produtos dos CEASA’s, a função econômica e de informação não se separam e “tal característica eleva os custos da transação, uma vez que a cada transação realizada corresponde uma negociação das condições de compra e venda, a troca física propriamente dita e o pagamento correspondente” (Zylberzstajn et al, 1997, p.5). Lucci (2007) reafirma esta lógica ao dizer que a falta de padrão de qualidade previamente definido para os produtos comercializados nos CEASA’s faz com que a maior parte das transações comerciais se baseiem na chamada dupla mensuração, onde os agentes devem avaliar diretamente as características dos alimentos para definir o preço de venda para o elo posterior, mas também para verificar o preço ao comprar do elo anterior. Segundo a autora, essa relação, além de aumentar os custos da transação, deixa inevitavelmente margens de renda em domínio público, a mercê do esforço de captura dos agentes. Por exemplo, um comerciante com alto grau de conhecimento a respeito das variáveis que interferem na qualidade de um produto pode levar vantagem no momento da negociação caso consiga - 114 -

adquiri-lo de um fornecedor que detém menor conhecimento sobre essas mesmas variáveis de qualidade. Para Zylberzstajn et al (1997), nos CEASA’s os permissionários aparentam deter mais poder que os produtores rurais no momento de determinar o preço dos produtos simplesmente quando alegam que estes chegaram danificados ao entreposto e que por isso serão comprados por um preço inferior ao negociado.

No CEASA-PE, as evidências empíricas nos mostram que boa parte dos permissionários qualificam seus produtos a partir de critérios de tamanho, grau de maturidade e de durabilidade. A aparência externa ou, como colocam os próprios permissionários, a “beleza”, por mais subjetivo que possa parecer, também é um critério considerado válido. Tanto o critério de beleza quanto o de tamanho, grau de maturidade e de durabilidade, porém, são definidos de maneira pouco clara e passível de variações. Ou seja, nada impede que um produto hoje considerado médio seja amanhã considerado grande.

Esse problema já havia sido salientado por Vilela (2007, p.4), que diz que “o sistema de classificação de frutas e verduras dos CEASA’s é subjetivo, ou seja, um produto que hoje é classificado como de primeira ou AA, poderá cair para extra só pelo simples fato do surgimento de um produto melhor na praça”.

Além disso, no CEASA-PE não faltam exemplos de comportamentos que visam tirar vantagens da falta de padrões. Uma prática comum no CEASA consiste na imprecisão em relação à quantidade de produtos. Ao investigar os motivos da resistência a implantação de balanças em estabelecimentos comerciais do CEASA, um de nossos informantes deparou-se com uma prática bastante oportunista. Segundo ele, é recorrente no CEASA a compra e venda de mercadoria a partir de critérios diferentes de mensuração. Por exemplo, geralmente os produtos são comprados no quilo, e vendidos

à unidade em caixa fechada. É comum, portanto, que se venda uma caixa com capacidade para 100 unidades de determinado tipo de produto (capacidade esta que só seria devidamente respeitada em caso de uniformidade dos produtos em relação a tamanho e a peso) quando na verdade só há 90 ou menos.

“Nós seguimos tudo isso porque precisava ter claro porque tinha tanta resistência (a implantação das balanças), a gente não entendia a resistência, e tinha uma resistência enorme. Porque as coisas iam ficar claras, os preços... por exemplo, você compra no peso e vende na unidade, ai tem sempre uma diferença, não bate, a gente pesava uma laranja e não batia, tinha alguma coisa errada. Então é claro que alguém vende mais e alguém vende menos, tem algum problema desse tipo. Até que a gente conseguiu seguir e viu que era isso mesmo, o cara tirava daqui e dizia que tinha tirado 10, depois dizia pra o cara “olha, eu vendi pra ele 100 mas ele só levou 90”. Então pronto, ai já começa as trocas entre eles. Já por ai era uma dificuldade pra quebrar essa cadeia...” (P.A.F)

A assimetria informacional é apontada por Zylberzstajn et al (1997) como principal motivo para a integração vertical de produtores e varejistas via Centrais de Compra e Centrais de Distribuição. Acredita-se que essa nova modalidade de negociação seja capaz de prevenir tais práticas uma vez que nela a padronização dos produtos se torna essencial já que, em geral, compradores e vendedores discutem sobre preços e qualidades relativos a uma mercadoria virtual, com características físicas preestabelecidas (Belik, 2000).

4.2.2 Explicando as dificuldades da comercialização: entre supermercados, mini-