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CAPÍTULO 1 DA GLOBALIZAÇÃO DO SISTEMA AGROALIMENTAR À

1.2 As mudanças na produção, distribuição e consumo dos alimentos desde o fim da Segunda

1.2.1 O Regime Alimentar Fordista

a) A industrialização da agricultura

Após a Segunda Guerra Mundial, mudanças políticas e econômicas que afetaram a sociedade de uma forma geral determinaram um novo ritmo ao desenvolvimento agrícola. Como argumenta Lara Flores (1997), a aplicação das estratégias fordistas da indústria na agricultura foi vista, tanto pelos países desenvolvidos quanto pelos países de Terceiro Mundo, como o elemento-chave da modernização. Segundo ela, foi neste momento que surgiu uma remessa de empresas transnacionais dedicadas à produção de inseticidas, fertilizantes e maquinaria utilizada para executar múltiplas tarefas. Essas empresas desempenharam um papel fundamental no desenvolvimento do novo modelo de produção que resultou na chamada Revolução Verde. Este modelo, de caráter massivo e homogeneizador, baseava-se tanto na promoção do uso de sementes mais produtivas, de fertilizantes, pesticidas e maquinaria moderna, quanto na concessão de crédito aos agricultores que o adotasse. Segundo Lara Flores (1997), a adoção de métodos utilizados para reduzir as incertezas do mercado e do trabalho na agricultura teve como conseqüência imediata a diminuição do número de pequenas propriedades e do número de trabalhadores necessários em algumas áreas, principalmente onde prevaleciam a criação de gado e o cultivo de cereais para ração6. Esse processo de

6 A criação de gado bovino juntamente com a cultura de cereais para ração constituíam a base do “modelo

alimentício americano” difundido como modo de consumo dominante (Friedmann, 2000)

apropriação da agricultura pela indústria, visando à implementação de um sistema de produção massiva através da redução dos imponderáveis da natureza e do incremento da produtividade do solo, das plantas e do trabalho, fica também claro na fala de Renard (1999, p.53),

“Os fertilizantes químicos têm substituído os adubos orgânicos, as sementes híbridas têm feito com que as sementes autóctones sejam desprezadas (apropriação industrial do processo natural), as máquinas substituem a tração animal e a parte do trabalho humano (apropriação industrial do processo de trabalho)”.

Em contraposição à dependência da agricultura em relação à natureza, verificou- se um processo caracterizado pelo paulatino desaparecimento dos componentes agrícolas dos alimentos.

“As inovações nas técnicas de separação e fabricação dos alimentos, a conservação, a refrigeração, a desidratação, possibilitam a criação de novos produtos com um elevado valor agregado: as conservas, os alimentos congelados, os alimentos lights, etc. Essas inovações se vêem reforçadas pelo melhoramento das técnicas de transportes e de distribuição. Da mesma forma, os produtos da indústria química destinados à alimentação (conservantes, aditivos, corantes, aromatizantes e demais reforçadores de sabor) contribuem para que a definição do produto alimentar e do sabor seja mais industrial que agrícola” (Renard, 1999, p.55).

Neste sentido, as “gigantes do processamento de alimentos”, como a Kraft, a Unilever e a Nestlé, começaram a ganhar força na produção de alimentos duráveis (Friedmann, 2000).

Por outro lado, não podemos negar que, como nos alerta Lara Flores (1997, p.62) “os mecanismos de produção massiva não só se desenvolveram mais lentamente na agricultura que na indústria, como também seguiram uma via sui generis na qual a

mecanização se combinou com tarefas manuais que aproveitavam o conhecimento tradicional dos camponeses acerca da natureza e dos processos produtivos artesanais”.

b) O comércio internacional de alimentos regulado pelos Estados-nação

O que é de fato importante pontuar acerca do Regime Alimentar Fordista é que todas as mudanças citadas acima ocorreram em um contexto baseado “numa agricultura e numa distribuição intensamente reguladas em nível nacional e pelo Estado, organizadas por um comércio implicitamente gerenciado dos excedentes assim produzidos” (Friedmann, 2000, p.7). Isso se deu porque a produção e distribuição de alimentos, principalmente dos gêneros que cruzavam as fronteiras americanas, foram estruturadas não enquanto ‘comércio’, mas enquanto ‘ajuda’ (Friedmann, 2005).

“Sob a bandeira da ‘ajuda alimentar’ as exportações subsidiadas se tornaram o aspecto definidor do emergente regime alimentar. Isto transformou os Estados Unidos, de um entre muitos países exportadores no primeiro regime, no exportador dominante. Isso transformou o Japão, as colônias e as novas nações do Terceiro Mundo, de auto-suficientes, em países importadores” (Friedmann, 2005, p.240).

Tratando especificamente dos países subdesenvolvidos, ressaltamos que esse processo foi determinado, por um lado, pela substituição de produtos tropicais, como o algodão e a cana-de-açúcar, por componentes não agrícolas, e por outro, pelas novas formas de atuação envolvendo um grande número de agências de auxílio ao desenvolvimento de base norte americana, tais como o FMI e o Banco Mundial7 (Friedman, 2000). De acordo com Moreira (2001), do fim da Segunda Guerra até meados dos anos 80, as ações de apoio ao desenvolvimento dos países de Terceiro

7 A influência dos países europeus nessas áreas foi relativamente pequena durante este período devido aos

problemas internos que a maioria deles enfrentaram desde a guerra.

Mundo tiveram como objetivo afastar o “fantasma do comunismo” dessas áreas através do suporte aos Estados capazes de combater possíveis subversões, e também através do auxílio alimentar visando remediar as carências locais. Mas, como bem expressa esse autor, o que à primeira vista parecia uma atitude altruísta, conservava, na realidade, fins utilitários, afinal, sabe-se que o escoamento do excedente de alimentos para os países pobres foi o meio mais fácil encontrado pelos Estados Unidos para proteger seus próprios agricultores contra os decréscimos de preços que se seguiam à superprodução e para substituir os mercados europeus, então protegidos, por aqueles do mundo pós- colonial. Além disso, Moreira (2001) aponta como mais um dos efeitos perversos do Regime Alimentar Fordista sobre o panorama agrícola dos países do Terceiro Mundo a substituição dos produtos tradicionalmente consumidos pelos produtos vindos de fora e a conseqüente decadência do mercado de produtos tradicionais que levou muitos agricultores a mudar para outros cultivos ou a migrar para as cidades. Este seria um bom exemplo daquilo que Friedmann (2005) considera como “o caráter implícito do Regime”, ou seja, aquele que somente é nomeado quando o Regime entra em crise. Sobre o caso das ajudas alimentares americanas, a autora ressalta a resistência americana em nomear suas ajudas, primeiro como exportações subsidiadas, e depois como dumping, durou até o momento em que este país conseguiu desfazer-se da sua produção de alimentos básicos. Ainda de acordo com Friedmann (2005), somente quando as ajudas se tornaram competitivas a estrutura passou a ser questionada. E este questionamento tornou-se evidente nos embates comerciais entre os Estados Unidos e a União Européia:

“Uma das metas das negociações comerciais que começaram em 1986 era a reestruturação da agricultura como um comércio. Isso aconteceu em 1995, quando um acordo sobre a agricultura se tornou parte da Organização Mundial de Comércio (OMC). Desde então o termo ‘ajuda’

passou a significar algo emergencial, geralmente assumido como um presente” (Friedmann, 2005, p.233).

1.2.2 O Regime Alimentar Pós-fordista: produção e distribuição orientadas pela