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2.2 Quintupla-hélice

2.2.2 Cenário Brasil

I. Universidades

A universidade deve potencializar e inspirar o empreendedorismo e a capacidade de inovar dos seus alunos, a fim de gerar desenvolvimento econômico e social na comunidade.

Porém, as instituições não estão atendendo às necessidades dos alunos: de acordo com uma pesquisa do SEBRAE [47] enquanto cerca de 65% dos professores estão satisfeitos com iniciativas de empreendedorismo dentro das universidades, a média de satisfação entre alunos é de 36%. Há sinais para explicar o descompasso. Entre os principais problemas e dificuldades estão:

(i) As universidades não têm uma estrutura que apoie a jornada completa do empreendedor;

(ii) A universidade está desconectada do mercado;

(iii) A atuação da universidade não estimula a inovação e o sonho grande nos alunos;

As universidades precisam conectar os seus alunos com o mercado e com a comunidade.

É preciso interligar suas iniciativas a uma visão estratégica de médio e longo prazo, visando a uma gama de atividades e espaços que acompanham a jornada do empreendedor em um pro-grama robusto de empreendedorismo.

Porém, a universidade não demonstra ser ativa no mercado e na comunidade, já que poucos professores são empreendedores ativos e se atualizam por meio do contato com empreendedores externos à instituição de ensino, além de haver poucas iniciativas abertas ao público ou que envolvam agentes empreendedores da comunidade.

Há uma relação direta entre cursar uma disciplina de empreendedorismo e o seu perfil empreendedor. Quanto maior o envolvimento com a temática empreendedora, maior a proporção de alunos que realizaram disciplinas do tipo. Cerca de 46% de alunos empreendedores já cursaram as disciplinas, número superior ao de potenciais empreendedores

(38,8%), por sua vez superior ao de alunos que não pensam em ter um negócio (24%). Entre os alunos, observou-se:

(i) O grupo que cursou disciplinas de empreendedorismo é o mesmo que pretende empreender nos próximos três anos;

(ii) Cursar disciplinas de empreendedorismo diminui as dúvidas e os desafios entre alunos empreendedores;

(ii) O aluno valoriza iniciativas empreendedoras em sua universidade;

Porém, ao mesmo tempo que os números gerais mostram o descompasso das universidades com a cultura de empreendedorismo e startups, existem algumas exceções que revelam o potencial das instituições na formação de bons empreendedores.

Assim como o animal mitológico, que é considerado raríssimo, as startups que são avaliadas em US$ 1 bilhão ou mais são chamada de "unicórnios". Ainda assim, essas empresas já fazem mais parte da realidade do que o belo cavalo de um chifre só — são 416 delas no mundo todo de acordo com a plataforma CB Insights [48]. Dos unicórnios espalhados pelo mundo, 9 deles estão no Brasil: arco, Gympass, iFood, Loggi, movile, 99, Nubank, Stone e, mais recentemente, o Ebanx.

Na liderança de unicórnios brasileiros, há egressos de instituições tradicionais como a Universidade de São Paulo (USP) e a Fundação Getulio Vargas (FGV). Saíram da USP dois fundadores da Gympass (Cesar Carvalho e João Thayro); todos os fundadores do iFood (Eduardo Baer, Felipe Ramos, Patrick Sigrist e Guilherme Bonifácio); os três criadores da 99 (Ariel Lambrecht, o já mencionado Renato Freitas e Paulo Veras), além de Cristina Junqueira, do Nubank.

Assim, vemos que há potencial de gerar inovação e impacto socioeconômico em saltos significativos, mas tem se mostrado imprescindível para universidades se manterem mais conectadas com problemas da sociedade civil que representam, ao mesmo tempo, boas oportunidades de mercado. Basta conectá-los e fornecer as ferramentas e incentivos corretos, como tem feito a USP com a criação de disciplinas focadas em marketing, finanças, recursos humanos, pensadas diretamente para empreendedores [49].

II. Mercado

Os sinais da crise econômica foram evidenciados no crescimento pouco expressivo do Produto Interno Bruto (PIB) e do número de empresas exportadoras, decorrente do ritmo fraco de diversos setores no período analisado - com desempenho regular apenas do setor de serviços – e do número de empresas que decretaram falência ou que sofreram aquisições e fusões nos últimos anos [50].

Adicionalmente, o Brasil segue como um dos países mais fechados em termos de comércio internacional, sendo o que menos exporta entre as 20 principais economias do mundo.

Um estudo do Banco Mundial [51] identificou que os custos para empreender e se internacionalizar no país continuam altos, sendo necessários investimentos para desenvolver o ambiente de negócios e atrair mais empresas capazes de exportar e aumentar a competitividade do país.

Após a pior crise de sua história, o Brasil mostra sinais de lenta recuperação econômica.

Entretanto, várias cidades foram afetadas, seja pelo desaquecimento dos setores econômicos ou pela queda da renda da população. De toda forma, vale ter em mente que, quando se trata dos dados do PIB, as informações divulgadas pelo IBGE são defasadas em alguns anos. Ou seja, não é possível analisar e detalhar as dinâmicas econômicas dos municípios no contexto atual.

De qualquer maneira, as previsões mais atuais são previsões de melhorias, apesar de lentas. Segundo o relatório do Banco Central (BC), a expectativa de crescimento da economia em 2019 passou de 0,88% para 0,91%, conforme o Relatório de Mercado Focus. Há quatro semanas, a estimativa de alta era de 0,87%. Para 2020, o mercado financeiro manteve a previsão de expansão do Produto Interno Bruto (PIB), em 2,00% [52].

III. Meio ambiente

O Brasil é um dos principais atores nas discussões internacionais sobre o meio ambiente.

As características naturais do país o tornam uma referência no tema: o Brasil conta com a maior biodiversidade do mundo; a maior extensão de floresta tropical e 12% das reservas de água doce do planeta.

Como país em desenvolvimento, o Brasil defende também a necessária conciliação entre a conservação do meio ambiente, a erradicação da pobreza e o desenvolvimento econômico. Essa visão, consolidada no conceito de desenvolvimento sustentável, tem levado

a resultados expressivos no Brasil, como a queda nas taxas de desmatamento florestal, a expansão das matrizes energéticas limpas e o aumento da produção e da produtividade agrícola.

Porém a sustentabilidade é um fator importante e nada trivial. As práticas sustentáveis envolvem custos não incorridos pelas práticas tradicionais mas ao mesmo tempo podem oferecer vantagens competitivas e reduções em custos advindos da reutilização dos resíduos ou dos custos do descarte, etc. Portanto a sustentabilidade também é complexa. E é claro que a combinação de sustentabilidade com inovação é mais complexa ainda. Finalmente, inovação (especialmente inovação tecnológica) e startups frequentemente ocorrem juntos acarretando complexidade geometricamente maior se também maior valor e impacto potencial.

As empresas devem ter um bom desempenho simultâneo em todos os quatro quadrantes do modelo, e em uma base contínua, caso queiram maximizar o valor ao acionista ao longo do tempo. A atuação em um ou dois quadrantes é sinal de um desempenho inferior e até mesmo de fracasso [53].

Existem algumas diretrizes do governo para avaliar negócios e suas políticas de sustentabilidade:

(i) NBR ISO 26000: norma que sugere práticas de responsabilidade social empresarial, com foco em accountability; transparência; comportamento ético;respeito aos interesses dos stakeholders; respeito ao Estado de Direito; respeito às normas internacionais de comportamento; e direitos humanos.

(ii) Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE) da B3: iniciativa da B3, antiga BM&FBOVESPA, mensura o retorno de uma carteira composta das ações mais líquidas da bolsa que passam por uma avaliação voluntária em relação à sustentabilidade. A base para essa avaliação são as respostas a um questionário que trata de sete dimensões: geral, natureza do produto, ambiental, social, econômica, governança e mudança do clima. Ao sugerir boas práticas, o questionário também serve como guia para empresas que almejam avançar nessas dimensões.

(iii) Indicadores Ethos para Negócios Sustentáveis: ferramenta que permite diagnosticar o estágio organizacional em relação à responsabilidade social corporativa. Também em formato de questionário, o guia é organizado em quatro grandes dimensões – (i) Visão e Estratégia; (ii) Governança e Gestão; (iii) Dimensão Social; e (iv) Dimensão Ambiental.

O grande ponto sobre sustentabilidade é que apesar de existirem diretrizes e incentivos, precisamos entender que negócios são partes integrantes da sociedade e devem estar de acordo com as boas práticas que promovem a preservação do meio ambiente, para que o impacto causado seja positivo e de longo prazo, gerando mais valor social e permitindo que a sociedade evolua como um todo, sem prejudicar o ecossistema natural.

IV. Sociedade

Olhar para o pilar de sociedade, na relação de quíntupla hélice, leva-nos a olhar para tudo aquilo que constitui as relações humanas, os anseios sociais, a evolução de grupos de indivíduos. Sendo as startups entidades criadas por pessoas e refletindo aspectos culturais locais, podemos perceber que as startups possuem uma relação muito próxima com as principais necessidades das pessoas, seja num ambiente urbano ou rural. Elas são uma forma de expressão.

O papel do empreendedor, ao criar um negócio que visa o crescimento, é dar sentido ao negócio e se integrar como um objetivo social em essência. Ou seja, startups são tanto um meio de expressão de uma determinada construção social, quanto um agente modificador que se relacionada diretamente com a sociedade, mudando hábitos, culturas e se misturando no dia a dia das pessoas.

Quando observamos para o cenário brasileiro, é natural vermos todo impacto, já citado no capítulo 1, sobre aspectos como saúde, educação, mercado financeiro. Várias startups vêm cumprindo o quesito de preencher as lacunas deixadas por instituições como o governo e outros mercados, por exemplo. Se olharmos para os últimos anos, houve um aumento significativo de empresas atuando em setores básicos e mudando diversas realidades.

Temos startups como o Dr. Consulta, fundada em 2011, responsável por providenciar atendimento médico de qualidade, voltado para diagnósticos, a um preço acessível. Desta forma, a população que não tem acesso a planos de saúde e precisa de um diagnóstico rápido, sem passar pela fila do Sistema Único de Saúde (SUS), pode utilizar um serviço de baixo custo.

Outros exemplos de startups como o Nubank vêm revolucionando a relação dos consumidores com instituições financeiras, ao oferecer produtos de crédito a custo zero, permitindo que mais pessoas consigam abrir contas no banco, sem pagar tarifas e sem enfrentar filas. Ou ainda empresas como a Geekie, que atua diretamente na preparação de jovens estudantes para o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), auxiliando com sugestões de estudo, conteúdos complementares e ocupando uma brecha que existia na formação daquele aluno, que não consegue acesso direto ao professor ou aos pais durante o processo de estudo e aprendizado.

Pensar em necessidades sociais e na forma dessa necessidade emergir como problema ou oportunidade de mercado, faz com que startups sejam criadas em torno delas e provoquem uma mudança positiva na sociedade, dado que existe um mercado rentável e um problema real que, ao ser resolvido, tem como consequência a melhoria do bem estar social. O Brasil tem evoluído bastante em formatar problemas reais como oportunidades para startups, o que também é uma consequência natural do tempo e aprendizado dos negócios e empreendedores, além de termos exemplos espalhados ao redor do mundo que servem como modelos de inspiração no nosso ambiente.

V. Governo

Pensar na relação entre governo e startups exige pensar em toda relação entre política e empresas na história do Brasil. Novos perfis de negócios começaram a integrar o mercado, porém existe um arcabouço de leis, programas e adaptações muito extenso na evolução dessa relação. Por isso vamos nos limitar a uma linha temporal mais recente, suprimindo algumas etapas da evolução das políticas governamentais com as empresas de alto crescimento, as startups.

Como mostramos até aqui, startups são empresas com características muito particulares e é esperado que apresentem necessidades diferentes. O governo, como uma instituição que busca promover o desenvolvimento econômico e o bem estar social, pode encarar startups como um meio de deste desenvolvimento. Assim, faz-se necessário se aproximar e entender as principais necessidades. No modelo de hélice quíntupla, negócios só são viabilizados e geram impacto positivo quando bem conectados com outras hélices, como o governo e a sociedade.

Logo, temos um governo que buscou desenvolver diversas iniciativas que pudessem servir de auxílio e incentivo às startups. Na sequência vamos falar um pouco desses programas e da participação do governo na construção de uma comunidade mais madura e bem contextualizada com as necessidades sociais.

Entre os anos 2012 e 2014, três iniciativas que incentivam startups foram lançadas pelo governo federal. Apesar de lançadas e executadas em curto espaço de tempo, foram elaboradas por ministérios diferentes e de forma independente entre si. Embora as três experiências se voltem para o setor de startups e empresas nascentes e busquem incentivar esse ecossistema, cada uma tem seu objetivo e estratégia de atuação específica. A análise do desenho e instrumentos de cada programa foi realizada com base no estudo e tipologias propostas por Rammer e Müller [54]. É preciso destacar que cada iniciativa surgiu sob a influência dos valores

e objetivos próprios de seus órgãos responsáveis. Ainda que tivessem atribuições próximas, os Ministérios apresentavam ênfases e focos distintos em suas atribuições formais, que se refletiram e influenciaram as estratégias implementadas em cada programa e também serviram de justificativa para a criação de programas diferentes, com instrumentos e metodologias diferentes.

O Startup Brasil foi criado e implementado pelo Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTI) e seu objetivo se vinculava à promoção do desenvolvimento tecnológico e da inovação e à política de desenvolvimento de informática e automação. O Inovativa Brasil, por sua vez, foi formulado e gerido pelo Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MDIC), relacionando-se à sua atribuição de executar políticas públicas para a promoção da competitividade e da inovação nas empresas. Já o Inovapps foi desenhado e lançado pelo Minicom, com a preocupação de promover o acesso aos serviços de comunicações, contribuindo para o desenvolvimento econômico e tecnológico e a inclusão social no Brasil.

Quanto aos objetivos estratégicos, percebe-se que o Startup Brasil e o Inovapps explicitam a busca por desenvolvimento tecnológico. O Inovapps traz de forma subjacente a ideia de aumento da competição e da eficiência do mercado, enquanto o Inovativa volta-se com mais ênfase à criação de novas oportunidades de trabalho e promoção de mudanças no setor industrial. Esses objetivos se relacionam com as missões formais de seus órgãos executores e se traduzem também nos instrumentos e serviços oferecidos por cada programa.

Segundos os números do próprio StartupBrasil, 5 turmas já foram realizadas e mais de 200 startups apoiadas, fazendo parceria com 17 aceleradoras do país. Já o InovAtiva apoiou mais de 900 startups, conectando-as com mentores e investidores.

Iniciativas desta natureza mostram o amadurecimento do Governo como instituição apoiadora do empreendedorismo. Criação de programas a partir do governo, ligado a instituições de ponta, como aceleradoras, com mentores locais e externos; investidores buscando novas oportunidades de negócios; empreendedores gerando novos postos de trabalho e devolvendo valor para o governo.

3. Recife e o Porto Digital como ecossistemas de

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