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2. BRASIL COLÔNIA: UM CAMINHO A SER PERCORRIDO

2.1. Cenário do contexto histórico

A tomada de posse do território hoje brasileiro, pelos portugueses, se deu aos 22 de abril de 1500. Algumas expedições foram realizadas em 1501, 1503, 1516 e 1519 (VAINFAS et al., 2000), mas, durante 32 anos, a ocupação no Brasil se limitou a poucas feitorias espalhadas pela costa.

Verificou-se que as feitorias, apesar de constituirem o primeiro registro de ocupação do território, desapareceram por completo e nem mesmo deram origem a vilas ou cidades. Hoje são localizadas apenas através de escavações arqueológicas, como foi o caso da feitoria de Pernambuco, estabelecida em 1516 e abandonada a partir de 1535 (MOTA MENEZES, 1998).

A Coroa Portuguesa, durante os primeiros 30 anos, nada fez para tomar posse dos territórios da América Portuguesa, pois sua prioridade era conquistar e explorar o Oriente, enquanto atraía a cobiça da França e de outros países da Europa para o Brasil Colônia. Navios destas nações frequentavam a costa brasileira, desenvolvendo o comércio de pau-brasil com os índios (FERLINE, 2003). O fato é que, na visão dessas nações, as terras brasileiras só poderiam ser consideradas de propriedade territorial dos portugueses se devidamente ocupadas pelos mesmos. A Coroa Portuguesa, diante desta situação de ameaça de perder a sua nova Colônia, resolveu ocupar efetivamente o território brasileiro. Por outro lado, a ocupação era dispendiosa e a Coroa Portuguesa

não queria prejudicar o Império Colonial das Índias em detrimento do território americano. A solução foi dividí-lo em capitanias, e enviar um grande contingente de colonos que garantissem a guarda da costa.

Em 1532, o sistema de capitanias hereditárias, já utilizado nas ilhas da Madeira e Açores desde o século XV (VIEIRA, 1992; VAINFAS et al., 2000), é decidido para o Brasil, por Dom João III, que buscava uma solução para a ocupação das terras brasileiras, constantemente assediadas por corsários e piratas, principalmente franceses. Dom João III, em 1534, inicia a doação das capitanias, tendo “ ... como modelo, o antigo senhorio português de fins da Idade Média”.

Os portugueses, ao contrário dos espanhóis, não encontraram logo de início as minas de metais preciosos. Para não perder a posse das terras americanas, a solução foi implantar a produção agrícola açucareira. Por meio da cultura da cana, seria possível organizar o cultivo permanente do solo, iniciando o povoamento sistemático da colônia. A cultura açucareira já era praticada nas suas ilhas Atlânticas, cuja distribuição na Europa foi concedida à Holanda, quebrando o monopólio veneziano. Descreve Lippman (1941, p. 33): “O Governo português cuidou sempre em atrair esses ricos empresários e afastá-los de Veneza”. Segundo Azevedo (1948: 97): “A cana-de-açúcar (Saccharum Officinarum) é um desses numerosos empréstimos agrícolas tomados do Oriente pelos países mediterrâneos”.

De acordo com a literatura, a cana-de-açúcar provavelmente seria originária da Indochina, cultivada em tempos imemoráveis no Extremo Oriente, transportada à Pérsia, segundo reza a tradição, por Alexandre Magno. Foi levada pelos árabes às margens do Mediterrâneo e às suas ilhas, donde chegou afinal às ilhas do Atlântico. A cana, que foi introduzida em 1502 e aclimada no Brasil pelos portugueses, desde o primeiro século de nossa colonização, proveio das ilhas do Atlântico e, especialmente, da ilha da Madeira (Lima, 1984).

O Rei D. Manoel, em 1516, desejava introduzir o cultivo de cana e a tecnologia de produção do açúcar no Brasil. Cordeiro (1949:13) escreve que, naquele mesmo ano, o Rei D. Manoel enviou à colônia, além de machados, enxadas e outras ferramentas, um

homem prático e capaz, devidamente instruído para instalar um engenho de açúcar, mandando fornecer-lhe ferro, cobre e mais todo o material necessário para a construção.

Segundo Azevedo (1990:24), “ ... a liberdade de produção, estímulo e a proteção oficial da Coroa portuguesa favoreceram a implantação e desenvolvimento da agroindústria açucareira no século XVI”. Entretanto, a iniciativa privada teve sua responsabilidade pela introdução da tecnologia dos engenhos, como também da mão de obra escrava.

O açúcar era um produto raro na Europa, no século XVI. Sua produção em grande quantidade, com o objetivo de ser comercializado, foi iniciada pelos portugueses, no Brasil, que, no entanto, só o podiam enviar para Portugal, que depois se encarregava de revendê-lo para o restante da Europa.

Sem dúvida, o açúcar foi um fator determinante para o estabelecimento da colônia. Tornou-se o principal produto de comércio na Europa, gerando lucro superior a todas as outras atividades na colônia. A introdução do açúcar implicou em grande desenvolvimento e transformações. Segundo Castro (1976:54), com a cultura da cana- de-açúcar, veio também a tecnologia dos engenhos, com características avançadas para aquele tempo.

Para Furtado (1979:16), o sucesso da produção açucareira, nesse primeiro século, está ligado a uma série de fatos. O primeiro deles é o monopólio de Portugal sobre a produção e comercialização de produtos tropicais no mercado europeu, viabilizado pela associação a capitais holandeses especializados no comércio intra- europeu. Além disso, as condições naturais eram favoráveis ao desenvolvimento da lavoura canavieira: clima quente, quantidade adequada de chuvas, solo massapê no litoral do Nordeste. De outro lado, havia a experiência anterior portuguesa com o cultivo bem sucedido de cana-de açúcar na ilha da Madeira e no arquipélago dos Açores.

O açúcar alcançou larga escala em sua comercialização e consumo, sendo responsável, portanto, pelo impulso no desenvolvimento do Brasil nos séculos XVI e XVII. O aumento da produção do açúcar no Brasil, no final do século XVI, veio

acompanhado de um grande aumento da importação de escravos africanos. A escravidão não era um fenômeno novo. Os portugueses tinham experiência, tanto na ilha da Madeira como em São Tomé.

Efetivamente, a agroindústria requeria um grande contingente de mão de obra, o que incluía mão de obra qualificada que atendesse as empresas produtoras de açúcar, e aqueles menos abastados que, não podendo ter um engenho, exerciam a atividade de plantar a cana processada nos engenhos.

Em todo o Brasil, os engenhos trabalhavam noite e dia, sete dias por semana. As terríveis condições de trabalho e a constante falta de segurança eram descritas por muitos cronistas viajantes.

Segundo narra Antonil (1976:89): “Os escravos são as mãos e os pés do senhor do engenho, porque sem eles no Brasil não é possível fazer, conservar e aumentar fazendo, nem ter engenho corrente”.

Antonil (1976:112) ainda relata o constante perigo a que o escravo estava exposto ao trabalhar na moenda :

O lugar de maior perigo que há é o da moenda porque, se por desgraça, a escrava que mete a cana entre os eixos, ou por força de sono, ou por cansada, ou por qualquer outro descuido, meteu desatentamente a mão mais adiante do que devia, arrisca-se a passar moída entre os eixos, se lhe não cortarem logo a mão ou o braço apanhado [...]. E este perigo é ainda maior no tempo da noite, em que se mói igualmente como de dia.

De acordo com Pero de Magalhães Gandavo (1980), escrevendo possivelmente na sexta década do século XVI, já haviam sido implantados sessenta e dois engenhos de açúcar, estando cinco ou seis em construção. Os engenhos existentes nesta época no Brasil, estavam assim distribuídos:

Itamaracá - um engenho e dois em construção

Pernambuco – vinte e três engenhos, dos quais três ou quatro em construção Bahia de Todos os Santos – dezoito engenhos

Ilhéus – oito engenhos

Porto Seguro – cinco engenhos Espírito Santo – um engenho São Vicente – quatro engenhos

A Capitania de Pernambuco se destacou dentre todas as demais, durante o primeiro século, na instalação de engenhos e na produção do açúcar. Segundo a literatura, Pernambuco possuía 23 engenhos em 1570 (Gandavo), 66 em 1583 (Cardim) e 77 em 1608 (Campos Moreno). O preço da arroba do açúcar branco, em Lisboa, passou de 1$400, em 1570, para 2$020, em 1610 (Simonsen). Tal riqueza já fora observada por Gabriel Soares de Sousa (1540-1591), em seu “Tratado Descritivo do Brasil” (1587), no qual relata possuir Pernambuco " ... mais de cem homens que têm até cinco mil cruzados de renda, e alguns até oito, dez mil cruzados".

Desta terra saíram muitos homens ricos para estes reinos que foram a ela muito pobres, com os quais entram cada ano desta capitania quarenta e cinqüenta navios carregados de açúcar e pau-brasil, o qual é o mais fino que se acha em toda costa ; e importa tanto este pau a Sua Majestade que o tem agora novamente arrendado por tempo de dez anos por vinte mil cruzados cada ano. E parece que será tão rica e tão poderosa, de onde saem tantos provimentos para estes reinos que se devia ter mais em conta a fortificação dela, e não consentir que esteja arriscada a um corsário a saquear e destruir, o que se pode atalhar com pouca despesa e m enos trabalho.

Diferentemente do século anterior, no século XVII os portugueses enfrentaram alguns períodos de crise, entre eles o ano de 1630, quando os holandeses ocuparam Olinda, capital da Capitania de Pernambuco, a maior produtora de açúcar. A luta prosseguiu até 1637, com grande destruição de canaviais e engenhos. “Acrescentou-se a essas perdas o confisco, pelos holandeses, de 66 engenhos abandonados por proprietários portugueses”, cita Schwartz (1988:74).

A primeira grande inovação tecnológica na indústria brasileira do açúcar só iria ocorrer nos primeiros anos do século XVII. Nos melhores engenhos, a cana era até então espremida entre dois cilindros horizontais de madeira, movidos a tração animal ou por roda-d‟água. Para uma segunda espremedura, com a qual se obtinha mais caldo, usavam-se também pilões, nós e monjolos. O novo tipo adotado de engenho compunha-

se de três cilindros verticais muito justos, cabendo ao primeiro, movido por roda-d‟água ou almanjarra, fazer girar os outros dois. Em caldeiras e tachos, o caldo era a seguir fervido, para engrossar, posto em formas de barro e levado à casa de purgar, para ser alvejado. A nova técnica se difundiu por todo o Brasil, com os engenhos mais eficientes substituindo os antigos.

A indústria açucareira nordestina constituiu-se, durante o período colonial, mais precisamente até fins do século XVII, na principal fonte de divisas do antigo sistema colonial. A concorrência açucareira antilhana colocou em cheque a economia colonial brasileira, salva pela descoberta de ouro em Minas Gerais, no fim do século XVII.

Durante todo o período colonial o açúcar foi o principal produto de exportação, situação que perdurou até o século XIX. A exploração do açúcar no Brasil constituiu o verdadeiro motivo da colonização da Coroa Portuguesa nas Américas.