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Pero Vaz de Caminha, Fernão Cardim, Hans Staden

2. BRASIL COLÔNIA: UM CAMINHO A SER PERCORRIDO

2.2. Uma leitura geográfica

2.2.1. Pero Vaz de Caminha, Fernão Cardim, Hans Staden

São poucos os relatos encontrados na literatura, no início da colonização, com exceção do primeiro documento enviado à metrópole, representado pela carta do escrivão Pero Vaz de Caminha, que veio na armada de Pedro Álvares Cabral. Houve também os relatos dos padres da Companhia de Jesus, José de Anchieta, Manuel da Nóbrega e Fernão Cardim.

As primeiras impressões dos portugueses sobre a natureza e o clima do Brasil, em abril de 1500, foram colocadas na célebre carta de Pero Vaz de Caminha enviada ao Rei de Portugal, Dom Manuel, na qual o escrivão da armada de Pedro Álvares Cabral, descrevendo os nativos do litoral baiano, conclui:

Por quê os corpos seus são tão limpos e tão gordos e tão formosos, que não se pode mais ser. Isto me faz presumir que não tem casas nem moradas em que se acolhem, e o ar, a que se criam, os faz tais (CAMINHA, 1981:53).

Quando Caminha se refere a “ar”, significa o que hoje se pode definir como clima. Mesmo considerando que, ao contrário de suas palavras, os indígenas viviam em malocas de madeira e palha, e não ao relento, como afirmara, descreve o clima como muito salutar e temperado e, a seguir, comenta:

... até agora não pudemos saber que há ouro, nem prata, nem nenhuma cousa de metal, nem de ferro, nem lho vimos. Porém, a terra em si é de muitos bons ares, assim frios e temperados, como os de Entre-Douro-e-Minho, porque neste tempo de agora os achamos como os de lá (CAMINHA, 1981:87).

Cardim descreve, de forma mais aprofundada, as características do clima do Brasil. O fato de ser dirigente da Companhia de Jesus por várias décadas obrigava-o a visitar as paróquias e capelas distribuídas em todo o território, com a função de cuidar do andamento dos serviços religiosos aos cristãos e da catequese dos indígenas. Desta maneira, teve acesso e conhecimento mais de perto sobre a nova terra e sua gente. Antes de morrer, em 1625, deixou excelentes relatos, condensados na obra “Tratado da Terra e Gente do Brasil”(1978), preparada por Capistrano de Abreu e publicada, pela primeira vez, em 1939, fazendo parte da série Brasiliana.

Os escritos de Fernão Cardim tinham a função de oferecer à Companhia de Jesus uma visão geral da empresa jesuítica. Ele organizou um conjunto de informações sobre a natureza (fauna e flora) e, particularmente, em seu primeiro capítulo, descreve as características do clima e oferece uma visão geral dos climas da porção litorânea do Brasil. O autor relata:

O clima do Brasil geralmente he de bons, delicados e salutíferos ares, donde homens vivem até noventa, cento e mais annos; geralmente não tem frios, nem calores, ainda que no Rio de Janeiro até São Vicente há frios e calores, mas não muito grandes. Os céus são muito puros e claros, principalmente à noite. O inverno começa em março e acaba em agosto, o verão começa em setembro e acaba em fevereiro (CARDIM, 1978:25).

As condições do clima do Brasil são comparadas com as de Portugal, naquela época. Cardim destaca as características da Capitania do Rio de Janeiro e da Vila de Piratininga (atual São Paulo). Sobre o Rio de Janeiro, escreve que o clima é bastante

temperado, o que, em seu modo de dizer, significa que não há calor nem frio exagerado, e o ar “ ... é muito sadio e de muita boa água” (CARDIM, 1978, p.209). Uma outra observação interessante se refere a São Paulo. O autor relata que o clima é muito sadio e informa também que, no inverno, é bastante frio, com a ocorrência de geadas e dias muito límpidos. Informa que as terras são muito férteis, existem grandes pinheiros, cujas pinhas são maiores do que as de Portugal e enfatiza que há em abundância, e os habitantes nativos (os índios) se alimentam quase exclusivamente dessas pinhas. Outra informação que merece ser registrada é que se planta muito trigo e cevada. Os relatos de Cardim contribuiram bastante para o entendimento sobre a Colônia Portuguesa no Brasil (1978: 213-214).

Segue-se outro relato bastante esclarecedor de Cardim (1583) sobre a Capitania de Pernambuco:

A terra é toda chã; o serviço das fazendas é por terra e em carros; a fertilidade dos canaviais não se pode contar; tem 66 engenhos, que cada um é uma boa povoação; lavram-se alguns anos 200 mil arrobas de açúcar, e os engenhos não podem esgotar a cana, porque em um ano se faz de vez para moer, e por esta causa a podem vencer, pelo o que moe cana de três, quatro anos; e com virem cada ano quarenta navios ou mais a Pernambuco, não podem levar todo o açúcar: é terra de muitas criações de vacas, porcos, galinhas, etc. (....) A vila está bem situada em lugar eminente de grande vista para o mar, e para a terra; tem boa casaria de pedra e cal, tijolo e telha. Temos aqui colégio aonde reside vinte e um dos nossos; sustentam-se bem, ainda que tudo vale três dobro que Portugal. O edificio é velho, mal acomodado, a igreja pequena. Os padres lêem uma lição de casos, outra de latim, e escola de ler e escrever, pregam, confessam, e com os índios, e negros de Guiné se faz muito fruto; dos portugueses são mui amados e todos lhes têm respeito. Nesta terra estão bem empregados, e por seu meio faz Nosso Senhor muito, louvado seja ele por tudo (CARDIM apud CARVALHO, 1978: 24-25)

Diante dessas constatações, é importante lembrar que, neste período, século XV a XIX, a Europa experimentava um rigor climático muito mais intenso do que hoje, período este denominado de Pequena Idade do Gelo (ou Glacial), invernos muito rigorosos que castigavam as populações urbanas e comprometiam as safras agrícolas. Assim, o que Cardim considerava como clima temperado, na verdade significa mais a ausência de inverno do que verões brandos. A este respeito, afirma: “O inverno se

parece com a primavera de Portugal: tem uns dias formosíssimos tão aprazíveis e salutíferos que parece os corpos bebendo vida” (CARDIM, 1978, p. 209).

Fantástico são alguns episódios calamitosos comentados por Cardim, que já naquela época provocavam flagelos e eram reconhecidos como fatos excepcionais. Num destes relatos, se refere a uma grande seca no Nordeste, especificamente na Capitania de Pernambuco, ocorrida em 1583, que atingiu inclusive o litoral, onde se encontravam os engenhos de açúcar, e tece o seguinte comentário:

Houve tão grande seca (em 1583) que os engenhos d‟agua não moeram muito tempo. Houve grande fome, principalmente no sertão de Pernambuco, pelo que desceram do sertão apertados pela fome socorrendo-se aos brancos, quatro ou cinco mil índios. Porém passado aquele trabalho da fome, os que poderam se tornaram ao sertão, excepto os que ficaram em casa dos brancos ou por sua, ou sem sua vontade (CARDIM, 1978:199).

Observa-se, nesse relato, que já ocorria, naquela época, a problemática da seca nordestina, bem como o movimento migratório das populações locais entre o Sertão e o litoral, mesmo antes de uma ocupação mais intensiva. Este fato, de certa forma, confirma a existência deste problema crônico (de ordem genética do clima) sobre as anomalias da distribuição das chuvas da região.

Hans Staden também contribuiu com os seus relatos, deixando valiosas impressões sobre as características gerais do Brasil. Em 1974 foi publicada sua obra, escrita em 1557, “Duas Viagens ao Brasil” em que, referindo-se ao território Atlântico, escreveu:

“O país do Brasil está em parte entre os dois trópicos... a gente anda nua e em estação nenhuma do ano faz tanto frio como aqui em Michaelis, mas a parte da terra mais ao sul do Capricórnio é um pouco mais fria” (STADEN, 1974:12 ).

Um outro grande cronista foi Gabriel Soares de Souza, que fez registros bastante interessantes sobre o clima da Bahia, em 1587:

Os dias em todo o ano são quase iguais com as noites e a diferença que tem os dias de verão e os do inverno é uma hora até hora e meia. Começa-se o inverno desta província no mês de abril e acaba-se por todo o julho, em o qual tempo não faz frio que obrigue aos homens se chegarem ao fogo, senão

o gentio, por que andam despidos. Nesta comarca da Bahia, em rompendo a luz da manhã, nasce com ela juntamente o Sol, assim no inverno como no verão. E em se recolhendo o Sol à tarde, escurece juntamente o dia e cerra-se a noite. Começa o verão em agosto, durando até o mês de março, no qual tempo reinam os ventos nordeste e leste-nordeste e correm as águas na costa ao som dos ventos da parte norte para o sul, pela qual razão se não navega ao longo desta costa senão com as monções ordinárias (SOUZA, 1587, apud AB‟SABER, 1979, p.126)

Percebe-se, nesta passagem, o estranhamento dos europeus quanto ao fato de que não havia crepúsculos como os que ocorrem nas latitudes médias da Europa. O autor assinala que o dia nasce com o sol e se encerra com o por-do-sol, tendo os dias e as noites quase igual duração, diferentemente da Europa.

Na opinião de Soares de Sousa, cuja obra foi republicada em 2000, são muitos os locais onde é viável a construção de engenhos, não só pela fertilidade da terra para a cultura dos canaviais, mas ainda pela imensa quantidade de ribeiras que lhe passam perto, fundamentais como força motriz para mover os engenhos e para o transporte das caixas de açúcar dos locais de produção para os portos do litoral. Aponta duas razões fundamentais para o fato de estas terras não estarem ainda aproveitadas com prósperos engenhos. Os impedimentos devem-se sobretudo aos constantes ataques do gentio, bem como às frequentes contendas entre colonos pela posse das águas de algumas ribeiras.

De modo geral, o que se pode concluir sobre as impressões desses cronistas sobre os “ares” do Brasil, ou seja, “os climas” do território brasileiro, é que eram positivos, o que proporcionaria uma adaptação dos europeus ao clima da nova terra. Portanto, este Brasil descrito pelos cronistas portugueses indica o potencial de uma terra rica para a agricultura e um clima ameno para a sobrevivência desses novos habitantes.