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Em 1975, o Brasil possuía a mais extensa área endêmica no continente, perfazendo 36% do território do país, em torno de 3,5 milhões de km² (MONCAYO; SILVEIRA, 2009). Essa área incluía 18 estados (do Maranhão ao Rio Grande do Sul) com mais de 2.450 municípios, nos quais se comprovou a presença de triatomíneos domiciliados e destes, 711 com presença de T. infestans, principal vetor estritamente domiciliar no Brasil. Até então, a Região Amazônica estava excluída dessa área de risco por ausência de vetores domiciliados (BRASIL, 2009b). Em 1980, estimava-se que a prevalência da doença de Chagas no Brasil era de 4,2% (inquérito nacional), correspondendo a 6,5 milhões de indivíduos (CAMARGO et al., 1984; SILVEIRA; SILVA; PRATA, 2011).

Na década de 1970, o Ministério da Saúde tomou a iniciativa de controlar a transmissão vetorial da doença de Chagas. As ações de controle foram basicamente no combate a T. infestans (Figura 12), principal vetor da doença no país, por meio da aplicação de inseticidas e captura de triatomíneos em domicilio (RAMOS Jr.; CARVALHO, 2001). Outra iniciativa para o controle da endemia chagásica foi a criação da Iniciativa do Cone Sul, em 1991, onde foi estabelecido, em paralelo ao combate intensivo ao T. infestans, a eliminação da transmissão sanguínea mediante o fortalecimento da rede de serviços de hemoterapia e a triagem efetiva dos doadores de sangue contaminados (DIAS; SILVEIRA; SCHOFIELD, 2002; MONCAYO; SILVEIRA, 2009).

Figura 12 - Área de distribuição de T. infestans no Brasil: (A) 1983, (B) 1989 a 1992 e (C) áreas de resíduos de T. infestans-2008 (BRASIL, 2009c).

Com a redução significativa da transmissão vetorial e por transfusão sanguínea, o número de pacientes na forma aguda da doença foi drasticamente reduzido na maioria das áreas endêmicas. Estimativas mais recentes ajustam para cerca de 2 a 3 milhões, o número de pessoas infectadas (DA COSTA PINTO et al., 2001; WHO, 2002; DIAS, 2006), 600 mil com complicações cardíacas ou digestivas que levam a óbito cinco mil pessoas por ano (GADELHA; ARAÚJO-JORGE, 2009).

A prevalência da infeção por T. cruzi no grupo de 7 a 14 anos em 1999 foi de 0,04%, ante 18,5% em 1980, representando uma redução de 99,8% na incidência nesta faixa etária. Em 2011, os resultados de 104.954 testes sorológicos em uma amostra de população no grupo de 0 a 5 anos (inquérito nacional de soroprevalência de avaliação do controle da doença de Chagas no Brasil 2001 a 2008), indicaram que a soroprevalência nesta faixa etária é de 0,03%, o que pode ser interpretado como uma prova da interrupção da transmissão vetorial (T. infestans) no Brasil (OSTERMAYER et al., 2011).

Em 2006, baseado em dados epidemiológicos e entomológicos, o Brasil recebeu da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) e Organização Mundial da Saúde (OMS), a

A B

Certificação Internacional de Interrupção da Transmissão da Doença de Chagas pelo T. infestans (FERREIRA; SILVA, 2006; MONCAYO; SILVEIRA, 2009).

Estudos para avaliar a relação custo-benefício e custo-efetividade do Programa de Controle da Doença de Chagas no Brasil, mostraram que entre 1975 e 1995 teriam sido prevenidas 2.339.000 novas infecções e 337 mil óbitos por doença de Chagas. Isso se traduziu na prevenção da perda de 11.486.000 DALYs. Esses números indicam ganho na ordem de US$ 17,00 para cada US$ 1,00 aplicado nas atividades de controle. Isso indica que o programa e suas atividades são custo-efetivas e com bom retorno para os investimentos realizados (AKHAVAN, 2000; MONCAYO; SILVEIRA, 2009).

Embora novos casos de doença de Chagas tenham sido reduzidos nos últimos 30 anos, em virtude da sistemática de vigilância e controle em áreas endêmicas no Brasil, surtos da doença de Chagas aguda (DCA) relacionadas à ingestão de alimentos contaminados (caldo de cana, açaí, bacaba, entre outros) e casos isolados por transmissão vetorial extradomiciliar têm sido frequentemente relatados em diversos estados brasileiros (Figura 13) (GAZIN et al., 2004), principalmente em áreas até pouco consideradas não indenes, com maior frequência na região da Amazônia Legal (OPAS, 2009). No período de 1997 a 2008, mais de 600 casos agudos foram notificados na região, a maioria deles provenientes de focos microepidêmicos, relacionados à transmissão oral por ingestão de sucos de frutas da região como, por exemplo, o açaí (DIAS; PRATA; CORREIA, 2008; OPAS, 2009; BARBOSA-FERREIRA et al., 2010).

Figura 13 - Casos de Doença de Chagas Aguda (DCA) notificadas no Brasil, (A) 2005-2008 e (B) 2009* (até 21/09/2009) (BRASIL, 2009c).

No período de 2000 a 2010 (até 02 de outubro de 2010), foram registrados no Brasil 1007 casos de doença de Chagas aguda. Destes, 73% (736/1007) foram por transmissão

oral, 1,8% por transmissão vetorial (18/1007) e em 25% (252/1007) não se definiu a forma de transmissão (Tabelas 2 e 3) (BRASIL, 2010b).

Tabela 2 - Casos de doença de Chagas aguda (DCA) por tipo de transmissão no Brasil, 2005 a 2010*.

Ano Oral Vetorial Ignorada Total

N % N % N % 2005 27 82 0 0 6 18 33 2006 107 91 3 3 8 7 118 2007 119 74 3 2 39 24 161 2008 74 56 4 3 53 40 131 2009 165 64 6 2 85 33 256 2010* 21 75 1 4 6 21 28 Total 513 71 17 2 197 27 727

Fonte: BRASIL, 2010a. *Até 30/05/2010

Tabela 3 - Casos de doença de Chagas aguda (DCA) notificados com sua respectiva letalidade, segundo Unidade da Federação (UF), Brasil, 2005 a 2010*.

UF 2005 2006 2007 2008 2009 2010* Total Óbitos Letalidade (%)

AC - - - - 01 - 01 - - AM - - 28 - 03 18 49 01 2,0 AP - 05 19 20 15 - 59 - - CE - 08 - 01 - - 09 - - BA - 13 - - - - 13 02 15,4 MA 02 02 02 05 01 - 12 01 MT - 01 01 - - - 02 - - PA 07 85 109 99 236 10 546 11 8,3 PI - 01 01 01 - - 03 - - SC 24 - - - 24 03 12,5 SP - 03 - - - - 03 01 33,3 TO - - 01 05 - - 06 - - Total 33 118 161 131 256 28 727 19 2,6

Fonte: BRASIL, 2010a. *Até 30/05/2010

Hoje, o perfil epidemiológico da doença apresenta um novo cenário com a ocorrência de casos e surtos na Amazônia Legal por transmissão oral e vetorial (sem colonização e extradomiciliar). Com isso, evidenciam-se duas áreas geográficas onde os padrões de transmissão são diferenciados:

vigilância epidemiológica, entomológica e ambiental devem ser concentradas, com vistas à manutenção e sustentabilidade da interrupção da transmissão da doença por T. infestans e por outros vetores passíveis de domiciliação;

b) a região da Amazônia Legal, onde a doença de Chagas não era reconhecida como problema de saúde pública, as ações de vigilância devem ser estruturadas e executadas de forma extensiva e regular na região por meio de: detecção e investigação de surtos de casos febris agudos, apoiada na vigilância da malária; identificação e mapeamento de marcadores ambientais, a partir do reconhecimento dos ecótopos preferenciais das diferentes espécies de vetores mais frequentes e na investigação de situações em que há evidências ou suspeita de domiciliação de alguns vetores (BRASIL, 2010b).

A preocupação com a doença de Chagas nos próximos anos leva em conta os processos políticos e científicos, já que a sustentabilidade dos esforços de controle depende de vontade política (DIAS, 2009; SILVEIRA, 2011b). Nas áreas em que o controle foi eficaz, eventualmente, o sucesso obtido pode levar à negligência ou desativação dos programas, principalmente quando outras prioridades de saúde (como o dengue) aparecem (SALVATELA, 2007; DIAS, 2009). Haverá uma redução progressiva dos níveis de infecção em áreas sobre controle, mas alguns focos permanecerão, provavelmente dentro de bolsões de pobreza, isolados politicamente e com infraestrutura sanitária precária. Novas situações epidemiológicas apareceram de forma aleatória e inesperada, como a transmissão oral e a invasão doméstica de triatomíneos silvestres (SALVATELLA, 2007).

A prevenção de nível secundário está assumindo importância pela grande massa de pessoas com doença de Chagas crônica existente. O desafio nesse caso está em sistematizar procedimentos e estabelecer referências e contrareferências para atenção a esse paciente, principalmente para aqueles que sofrem de cardiopatia crônica (SILVEIRA et al., 2002).

Como consequência da redução da morbimortalidade por doença de Chagas, a visibilidade social e política da doença irão diminuir, assim como as prioridades para o seu controle e pesquisa (DIAS, 2007). A diminuição do interesse em investigar a doença de Chagas se configura como uma problemática em toda a região (DIAS, 2009).