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O CENÁRIO E O SENÁRIO DE PERSA E ESTICO

O enredo de Persa, que apresentaremos de forma resumida no início do Capítulo 5, não guarda muitas similaridades com o da peça Estico, acima apresentado. No entanto, seus aspectos estruturais deram ensejo a comparações. “Não poderíamos ver em Persa uma verdadeira reprise, ampliada e enriquecida, do brilhante ‘esquete’ que fecha a farsa de Estico?”63 (TALADOIRE, 1957, p. 155). Quem propõe a questão é o

57 Cf. Questa, 1985, p. 64, 67; Questa e Raffaelli, 1990, p. 139-215; Manuwald, 2011, p. 124.

58 No XIX Congresso da Sociedade Brasileira de Estudos Clássicas, em 2013, tive a oportunidade de

apresentar a comunicação intitulada “Aulo Gélio e a inculcação de elementos mímicos na comédia romana”, em que discuti a crítica de Gélio acerca do teatro de Plauto, com vistas a demonstrar que a análise de Gélio se baseava numa perspectiva teórica que, de certa forma, ignorava os elementos cênicos e, portanto, os efeitos da qualidade métrica do texto plautino.

63 “Ne pourrait-on pas voir dans le Persa, une véritable reprise, amplifiée et enrichée, du “sketch”

estudioso francês Barthélémy-Antonin Taladoire, que analisa a estrutura musical das peças plautinas e, partindo da estrutura métrico-musical, designa “movimentos” musicais nos textos.64 Já quanto à comparação entre as duas referidas comédias Taladoire, embora não vá muito além de uma aproximação em termos de analogia de intrigas, chama-nos a atenção para alguma semelhança entre Persa e Estico.65

Lejay (1925, p. 32), ao sugerir um critério de classificação das comédias de Plauto (que o próprio estudioso declara arbitrário), categoriza Persa e Estico no mesmo grupo, o de comédias líricas.

De fato, Persa e Estico apresentam certas características formais que as aproximam: Persa começa com acompanhamento musical, o que é algo pouco comum na comédia romana, uma vez que só ocorre em outras três peças plautinas que nos restaram: Cistelária (Cistellaria), Epídico (Epidicus) e Estico.66 Persa também termina com música, o que é comum na comédia romana remanescente, contudo, junto apenas com Psêudolo (Pseudolus) e, mais uma vez, Estico, seus metros finais não são trocaicos longos (septenários e octonários), o que sugeriria uma musicalidade ainda maior.67

Além disso, junto com Poenulus, Persa e Estico são as peças cujos textos foram os mais bem conservados.68

Contudo, sobre Persa, esse alto “lirismo” em especial tem levado, a meu ver, a crítica a desvalorizar as passagens em senários iâmbicos da peça. Por exemplo, Moore (2001) faz, até certo ponto, uma detalhada análise de Persa, aplicando seus conceitos de enquadramento e paralelismo69 e destacando a função das alternâncias entre metros acompanhados e não acompanhados na caracterização de personagens e destaque de tons emocionais, porém confere às cenas não acompanhadas uma tímida caracterização de “mais sobriedade e menos emoção” (“greater sobriety and less emotion”, p. 256).

64 Taladoire (1957) apresenta um esquema da estrutura métrica de Persa à p. 231 e de Estico à p. 242.

Quanto à última peça, cf. Petersmann (1973); Cardoso, 2006.

65 A associação entre os enredos é apontada também por Moore 1998, p. 65. Duckworth (1952, p. 162)

indica que Persa é um exemplo “more suggestive of comic opera or burlesque than of straight farce” (“mais sugestivo de ópera cômica ou burlesca do que farsa pura”) e que possui “much in common with the Stichus” (“muito em comum com Stichus”).

66 Anotam essa característica Moore (1998) e Lowe (2007, p. 92).

67 Diversos autores chamam tais versos de “líricos” e associam maior “movimento” musical à sua

execução. Cf. Moore, 1998, p. 248 n. 19.

68 Sobre problemas quanto a unidade, coesão e coerência em Estico, ver Cardoso, 2006. 69 Cf. Moore (1998).

Em maior ou menor grau de comprometimento, diversos outros estudiosos dão mais importância, em termos estruturais e valorativos, às cenas musicais ou líricas, como, por exemplo, Taladoire (1957, p. 231-2) ao tratar de Persa, Moore (2012, p. 175) ao descrever o ritmo dos senários, Lejay (1925, p. 23) ao discutir a maestria do poeta em subordinar o ritmo ao conteúdo da cena, e Melo (2011, p. 448) ao destacar características de composição da peça em sua edição.

Em um dos trabalhos mais recentes dedicados à comédia em questão,70 Lefèvre (2001, p. 14-16) apresenta um levantamento da crítica até então sobre Persa, em que relembra que a peça não gozava da mesma estima que a maioria das comédias de Plauto entre os estudiosos do passado. O estudioso afirma que uma nova abordagem surge apenas a partir de obras italianas, como as de Paratore (1992 [1976]), Chiarini (1979) e Bettini (1991), que interpretam a peça a partir das raízes da farsa italiana.

Mesmo esta característica frequentemente destacada de Persa e, em certa medida, de Estico, sua vocação para a farsa,71 colateralmente aponta para uma menor

valorização de elementos literários e poéticos.72 Segundo Chiarini (1979, p. 17), Persa

teria chamado menos a atenção de estudiosos do que outras peças por apresentar mais características farsescas do que as demais obras de Plauto. Ernout categoricamente aproxima Persa do mimo e da fabula Atellana, por ele como sub-gêneros menores (2003 [1938], p. 96). Assim, Paratore (1992, p. 7-8) destaca a influência da farsa itálica em Persa:

“Independentemente de qual seja o enredo do original, Plauto aproveitou a oportunidade que lhe apareceu para potencializar o tom de comédia com a ajuda do tom de bufonaria da farsa popular itálica, que, de acordo com a tese que seguimos, era o principal repositório das estruturas rítmico-musicais pelo que o teatro de Plauto se distingue da métrica dramática grega. Consequentemente, dado o ambiente em que a comédia ocorre, a tendência plautina do discurso picante, dinâmico, aberto, celebrou em Persa um de seus festivais mais vistosos”.73

70 Studien zu Plautus’ Persa (FALLER, 2001). Outra obra recente dedicada ao Persa é o volume XIV da

coleção das Lecturae Plautinae Sarsinates, editado por Questa e Raffaelli (2011).

71 Cf. n. 61.

72 Sobre farsa em Estico, ver Cardoso (2006, p. 44-48).

73 “Indipendentemente cioé dalla trama del modello, Plauto ha colto l'occasione da essa offertagli per

potenziarne gli spunti comici con l'apporto dei toni buffoneschi della farsa popolare italica che, secondo la tesi da noi seguita, era la principale depositaria anche delle strutture ritmico-musicali per cui il teatro plautino si distingue dalla metrica drammatica greca. Per conseguenza, dato l'ambiente in cui la commedia si svolge, la tendenza plautina dall'eloquio sapido, scoppiettante, scollacciato ha celebrato nel Persa una delle sue sagre più vistose.”

A hipótese a que Ernout e Paratore fazem menção – i.e., da herança itálica nas peças plautinas e sua relação com a métrica típica de nosso autor, é compartilhada por diversos estudiosos posteriores. Mais recentemente, diversos deles, como lembra Cardoso (2005, p. 17) passam a ver de modo positivo tal influência da farsa oral.74 Mas, para nós é relevante notar que, não fica claro na obra de Paratore se os momentos puramente falados das peças também seriam ou não caracterizados por essas estruturas rítmico-musicais do teatro itálico. Contudo, nenhum outro indício há tampouco de que os senários iâmbicos não teriam sido também retrabalhados e potencializados nesse sentido.