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Longe de pretender caracterizar-se como um manual sobre métrica plautina, o presente capítulo visa apontar, dentre as principais discussões envolvidas no estudo desta complexa matéria, os pressupostos que adoto como ponto de partida para a apreciação do senário iâmbico em nosso autor. Antes disso, apresento um panorama do estado da questão concernente à métrica da comédia latina arcaica. 75

Hoje os mais importantes tratamentos dados à prosódia e à métrica de Plauto e Terêncio são definitivamente La Metrica di Plauto e di Terenzio (2007),76 de Cesare Questa, e Essai sur la Versification Dramatique des Romains (1988),77 de Jean Soubiran.78 Questa descreve minuciosamente as variadas possibilidades de escansão de

75 Para um detalhamento consistente da bibliografia sobre o tema, consultei Ceccarelli (1991, p. 227-400),

com bibliografia específica sobre prosódia e métrica arcaica; Cupaiuolo (1995), muito completo guia sobre a bibliografia de toda métrica latina (arcaica e clássica) e de questões prosódicas específicas; Fogazza (1976, p. 198-202), primeira rassegna geral sobre Plauto da nova série do Lustrum; Segal (1981, p. 414-22), apanhado da produção sobre Plauto em geral, com seção dedicada ao metro plautino; e, por fim, Harsh (1958, p. 215-50), primeira bibliografia específica sobre métrica e prosódia do latim arcaico do Lustrum.

76 Cf. Brown, P.G. McC. Plautine and Terentian Metrics. The Classical Review, Vol. 59, No. 2 (October

2009), pp. 448-450: “Q[uesta] now writes with unsurpassed authority, and this will be the standard account of the subject for the foreseeable future.”

77 Cf. Willcock, M. M. Essai... The Journal of Roman Studies, Vol. 81 (1991), pp. 187-189; Jocelyn, H.

D. Essai... Gnomon, 62, Bd. H. 3 (1990), pp. 212-218; e Gratwick, A. S. Latin Iambo-Trochaic Verse. The Classical Review, Vol. 40, No. 2 (1990), pp. 337-340: “This is a work of great distinction and originality; the most important contribution to the subject in more than a hundred years.”

78 Questa (2007) é uma espécie de reedição ampliada e atualizada de sua Introduzione alla metrica di

Plauto (1967) e que incorpora agora a métrica de Terêncio. Soubiran (1988) apresenta um formidável ensaio sobre os senários iâmbicos e os septenários trocaicos da tradição dramática romana, tipos de verso que, juntos, correspondem a quase 80% de todos os versos de Plauto e Terêncio. Para estudar a versificação iambo-trocaica dramática dos romanos, Soubiran, em quase 500 páginas, trata dos versos gregos, de Eurípedes a Menandro, e, na poesia latina, avança até Sêneca, passando ainda pelos iambos de Horácio e Fedro. É importante notar que, apesar de os estudos métricos do verso cômico terem sido, de certa forma, iniciados e desenvolvidos na escola germânica a partir de Hermann (1816) e depois com Ristchl (1849) no séc. XIX, até o momento não me deparei com nenhum estudo teórico de maior monta

um enorme número de versos e argumenta, invariavelmente, a favor de medidas atestáveis tanto do ponto de vista métrico quanto textual. Sua categorização dos fenômenos prosódicos e métricos, por exemplo, é adotada nas seções posteriores deste trabalho. Por sua vez, Soubiran adiciona ao tema um detalhado estudo sobre a metrificação iambo-trocaico dramática, elucidando diversas questões. Dentre elas, aqui, as mais relevantes são as seguintes: a) perceber que o senário iâmbico do teatro romano se organiza efetivamente em dipodias; b) que elisões e sinalefas forçam a pronúncia de duas ou mais palavras como se fossem uma só e, c) que finais de palavras coincidentes com intervalos de pés ou no meio dos pés têm papel inportante na criação do ritmo do verso (em qualquer posição, mesmo fora da cesura ou diérese), bem como esclarecem a possibilidade de hiato diante de cesura.

Um guia decisivo para a escansão dos versos diferentes dos senários iâmbicos de Plauto continua a ser Titi M. Plauti Cantica (1995), também de Cesare Questa, que, antes de apresentar discussões mais especialmente, propõe-se a expor a escansão de todos os versos longos e polimétricos de Plauto.79 Ainda especificamente

sobre a prosódia e a métrica plautina, as seções II (Prosódia, p. 12-55) e III (Metro, p. 56-102) da “Introdução” de W. M. Lindsay, em Captiui (1900), continuam sendo um valioso e indispensável instrumento de aprendizado. Acerca da prosódia e métrica terenciana, The Prosody of Terence (1938), de W. A. Laidlaw,80 mantém-se como leitura obrigatória.81

Mais recentemente, introduções atualizadas quanto à métrica do drama de Plauto e Terêncio, especialmente a partir do desenvolvimento da pesquisa anglo-saxã, podem ser encontradas em edições individuais de algumas obras, como: Gratwick,

Menaechmi (1993) e The Brothers (1999 [1987]); Barsby, Eunuchus (1999); e

Christenson, Amphitruo (2000), que possuem o mérito de lidarem com o estado da arte

específico sobre os metros dramáticos romanos desenvolvido por estudiosos germânicos nas últimas décadas, após Drexler (1967).

79 Também de Questa, o capítulo Metrica Latina Arcaica, no segundo volume de Introduzione allo studio

della cultura classica (1973, p. 477-562), apresenta breve e esclarecedora introdução ao tema.

80 Entre estudos recentes sobre a língua de Terêncio, destaca-se Karakasis (2005); sobre metro e música

em Terêncio, ver Moore (2007 e 2013).

81 Outro tratado, em breve, deve se adicionar à pilha: Gratwick hoje se dedica a escrever um livro sobre

prosódia, ritmo e linguagem da versificação iambo-trocaica do drama cômico republicano, empregando a notação alfabética ABCD e uma abordagem fundamentalmente estatística.

da questão.82 Nesta tese, os pressupostos de que partem Gratwick, Barsby e Christenson serão fundamentais.

Para o estudo da métrica arcaica como um todo, Early Latin Verse (1922), de W. M. Lindsay, mesmo superado em alguns pontos,83 ainda é considerada uma referência inestimável e imprescindível, cujo maior ganho é argumentar que o uso de espondeus (e anapestos) nas posições pares dos senários latinos não quebra a chamada “lei das dipodias” do trímetro grego.

Algumas introduções à métrica latina em geral na forma de manuais e tratados foram também muito úteis para o presente estudo da versificação dramática romana, embora invariavelmente devotem atenção demais para distinções criadas a partir de uma suposta diferença acentual entre arse e tese. Em língua inglesa especialmente, elencam-se Latin Metre, de D. S. Raven (1965), que apresenta a versificação iambo-trocaica do drama cômico em seção destacada (p. 41-89); e The

Meters of Greek and Latin Poetry, de Halporn, Ostwald & Rosenmeyer (1994), embora

breve quanto aos metros do teatro (p. 72-78, 106-113).

Em alemão, valemo-nos da importante e muito completa introdução a métrica latina encontrada em Einführung in die römische Metrik, de H. Drexler (1967), com expressivo espaço para a métrica arcaica (p. 28-78). Vale mencionar ainda

Römische Metrik, de F. Crusius (1929), com tradução para o espanhol de Ángeles Roda, Iniciación en la Métrica Latina (Barcelona, 1951), e o capítulo Römische Metrik de F.

Vollmer (1923) em Einleitung in die Altertumswissenschaft.84 Mais recente é a tradução alemã do estudo de Boldrini (1992), Prosodie und Metrik der Römer (1999), que abaixo referimos.

82 Um pouco mais resumidas, as introduções de Barsby, Bacchides (1986), e Goldberg, Hecyra (2013),

também apresentam os conceitos mais básicos e considerações atualizadas. Úteis, porém ainda presas a um entendimento valorizador da importância do ictus métrico e sua coincidência com o acento lexical (ver nossa discussão no item 2.2.3), podem ser citados MacCary & Willcock, Casina (1976), e Willcock, Pseudolus (1987). Adiciono ainda: Fortson (2008), que trata de aspectos muito pontuais da prosódia e da métrica plautina a partir de princípios da fonologia gerativa.

83 Por exemplo, como discutirei adiante (item 2.2.3) a valorização do icto métrico, tão caro a Lindsay,

perdeu consideravelmente importância a partir de meados do séc. XX, e o mesmo ocorreu com a consideração do chamado “ethos métrico”. Lindsay (1922) trata detidamente da prosódia e da organização métrica do verso plautino, mas, para quem está interessado na obra do comediógrafo, o estudioso gasta tinta demais demonstrando suas características não-menandrianas e não-virgilianas, além de insistir num hoje questionado “eco da pronúncia do dia a dia” e num ictus métrico (ver item 2.2.3).

84 Especialmente, na bibliografia germânica, precursora nos estudos métricos de Plauto e Terêncio, os

trabalhos que se arrolam durante o século XX são especialmente técnicos e específicos. Por exemplo, Fraenkel (1928) e Drexler (1932) sobre o sistema de acentuação métrica, Crusius (1929) sobre os cantica, Maurach (1971) sobre o hiato, entre outros.

Destacam-se, em francês, ainda hoje o grande trabalho de Louis Havet,

Cours élémentaire de métrique grecque et latine (1896, p. 132-164), e também os

tratados de métrica grega e latina de Koster (1936) e Nougaret (1963), embora pouco dedicados à metrica arcaica. Os curtos capítulos de Laurand (1963, p. 743-794) encerrados na seção Métrique, em Manuel des études grecques et latines, têm sido de grande ajuda também.

Em italiano, podem ser encontrados diversos tratados, como Camilli (1949),

Trattato di prosodia e metrica latina; Salvatore (1983), Prosodia e metrica latina; e,

mais recentemente, Boldrini (2004), Fondamenti di prosodia e metrica latina. Abordagens mais resumidas, mas muito seguras, são apresentadas em Cupaiuolo (1973) e também Boldrini (1992), com sensível introdução aos fenômenos métricos à luz da fonologia moderna.

Da bibliografia italiana e francesa, um pressuposto crucial se releva: o de que a métrica dramática é puramente quantitativa, sem a interferência de um suposto icto métrico (tema que será explorado mais à frente, ver item 2.2.3).

Dentre a bibliografia em língua estrangeira, vale, por fim, elencar o volume espanhol, Estudios de métrica latina (1999), de Luque Moreno e Díaz y Díaz, um compilado de diversos artigos sobre métrica latina, muitos sobre a métrica plautina e do teatro romano.

No Brasil, o tratado mais recente que encontrei sobre versificação latina,85 de Said Ali (Acentuação e Versificação Latinas, 1956), é por demais breve e programaticamente sentencioso. Além disso, o estudo se ocupa apenas de certos aspectos da métrica da literatura latina clássica, muito pouco contribuindo para o estudo da métrica dramática republicana.86

Conforme apontei no início deste capítulo, de nenhuma forma, planejei apresentar uma exaustiva lista da bibliografia concernente, mas antes delimitar obras principais de referência que, num primeiro momento, serviram-me de base para o estudo

85 Cf. Tuffani (2006, p. 62-66).

86 Os demais tratados publicados no Brasil datam de 1869 a 1940 e, de acordo com seus títulos, se

pretendem a serem breves introduções ou simplesmente ensaios (cf. Tuffani, op. cit.). Não pesquisei exaustivamente sobre estudos acerca da métrica latina publicados em língua portuguesa fora de nosso país. Porém, numa primeira busca ao L’Année Philologique e outras fontes bibliográficas digitais, não consegui identificar nenhum estudo em língua portuguesa específico sobre métrica arcaica ou dramática; embora trate da métrica terenciana, o artigo de Ramalho (1955/1956) pressupõe conhecimento do leitor e cita sobre o tema apenas bibliografia estrangeira e um outro artigo seu sobre trímetros em Aristófanes.

da métrica plautina em geral, e, em seguida, para o aprofundamento quanto ao metro que interessa a esta investigação.

Contudo, há um problema significativo já no agrupamento dos manuais e introduções elencados acima: a falta de unidade teórico-metodológica entre eles. No cotejo entre os estudos visando a estabelecer o estado da questão, as variadas perspectivas metodológicas e, muitaz vezes, a adoção de termos diferentes para os mesmos fenômenos, cria, à primeira vista, alguma dificuldade.

Por esse motivo, a seguir, procuro apontar, da forma o mais uniforme possível, características fundamentais e possibilidades de estruturação do verso plautino, bem como as questões prosódicas e propriamente métricas deste verso, e a posição por mim adotada. Ao estabelecer, de certa forma, uma unidade teórico- metodológica que nos servirá de base, tais características e questões serão, posteriormente, levadas em conta na exposição de estatísticas e de algumas interpretações que proporei para o senário iâmbico nas peças em apreço.87