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Os cenários para as empresas de petróleo

1003.2.1.1 Cenários

A segunda edição dos estudos solicitados pelo G8 à IEA tem dois cenários nos quais as emissões de GEE em 2050 seriam sensivelmente reduzidas (IEA, 2008). São eles os cenários ACT e o BLUE. O estudo trata exclusivamente das emissões de CO2 relacionadas às atividades energéticas. O objetivo da apresentação de ambos os cenários é a identificação de um contexto provável em que as empresas de petróleo terão de atuar.

3.2.1.1.1 - Cenário ACT

A premissa no cenário ACT é que as emissões de dióxido de carbono seriam reduzidas, em 2050, ao mesmo nível das emissões em 2005. Na trajetória de evolução, haveria um pico das emissões entre 2020 e 2030, com subsequente redução. A demanda por petróleo teria crescimento moderado eseria 12% maior, em 2050, em relação a 2008.

As tecnologias que levariam à redução das emissões implicariam um custo de mitigação de até USD 50 por tonelada de CO2. Os investimentos adicionais necessários foram estimados em USD 17 trilhões no período 2008-2050, ou seja, USD 400 bilhões por ano. Tal investimento anual equivale ao PIB da Holanda, ou a 0,4% do PIB mundial.

Uma fração significativa da redução nas emissões seria alcançada com investimentos em eficiência energética, em edifícios, na indústria, nos transportes e na geração de eletricidade. Outra contribuição significativa viria do que se chama descarbonização da geração elétrica, com maior emprego de fontes renováveis de energia, com baixas emissões, durante o ciclo de vida, da energia nuclear e a adoção da tecnologia de captura e armazenamento de carbono (CCS) em plantas que operam com combustíveis fósseis. Como será visto nos dois próximos capítulos, entre as companhias de petróleo analisadas neste trabalho, apenas a Statoil não tem termoelétricas a combustíveis fósseis; para as empresas analisadas, as emissões devido à geração de eletricidade em termoelétricas variam de 0,006 GtCO2/ano (Shell) a 0,012 GtCO2/ano (BP e

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Exxon). No cenário ACT, os investimentos adicionais exclusivamente na geração de energia elétrica foram estimados em USD 0,7 trilhões.

No cenário ACT, o consumo de energia e as emissões no setor de transportes seriam reduzidos tanto devido a melhorias, principalmente, na eficiência dos veículos convencionais quanto ao aumento da frota de veículos híbridos. Biocombustíveis teriam papel fundamental na redução de emissões. A melhoria de eficiência em energia teria de ser de 1,4% ao ano, equivalendo a 5,147 Mtoe de redução no consumo até 2050.

Muitas das novas tecnologias a serem empregadas têm custo mais alto que as existentes. Somente através do aprendizado tecnológico, com aumento na escala de produção, esses custos seriam reduzidos.

No cenário ACT, estima-se que USD 2,8 trilhões precisariam ser gastos entre 2008 e 2050, em custos adicionais, ou seja, acima dos custos do Cenário Tendencial, no desenvolvimento de novas tecnologias. Para o cenário ACT, o custo marginal de abatimento estimado pela IEA chegaria a USD 50 por tonelada de CO2 não emitido.

O IEA identificou para esse cenário 17 tecnologias consideradas essenciais, associadas à eficiência de energia, geração elétrica e transporte; as tecnologias são relacionadas na Tabela 3.2

Tabela 3.2 - Guia de desenvolvimento tecnológico para se atingir o cenário ACT Tecnologias no lado do suprimento Tecnologias no lado da demanda

Geração elétrica com combustível fóssil e CCS Eficiência energética em edifícios e equipamentos Geração elétrica em plantas nucleares Bombas de calor

Geração eólica Células solares e aquecimento de água Gaseificação de biomassa integrada a ciclo combinado Eficiência de energia em transporte Painéis fotovoltaicos Veículos elétricos

Coletores solares concentradores Veículos com células a combustível

Gaseificação de carvão integrada a ciclo combinado CCS na indústria, H2 e transformação de combustível

Geração a carvão – ciclos ultra-supercríticos Motores industriais Segunda geração de biocombustíveis

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Fonte: IEA (2008)

No cenário ACT, as emissões de CO2 teriam um pico de aproximadamente 34 GtCO2 em 2030, seguida de queda até 28 GtCO2 em 2050, estabilizando nos níveis atuais. O resultado seria uma concentração de CO2 de 485 ppmv em 2050. Se as emissões continuarem a cair, atingindo 14 GtCO2 por volta de 2100, a estabilização da concentração de CO2 poderia ocorrer em 520 ppmv em longo prazo. Se nenhuma ação for tomada para reduzir as emissões, em 2050 as emissões de CO2 chegariam 130% acima dos níveis alcançados em 2005, ou seja, 62 GtCO2.

No cenário ACT, o uso eficiente de energia contribuiria com 36% a 44% da redução dessas emissões, o CCS com 14 a 19%, a geração nuclear com 6% eas fontes renováveis de

energia com 21%. Assim, em 2050, as emissões poderiam chegar a 21-25 GtCO2, níveis, portanto, menores que os atuais, que são de, aproximadamente, 28 GtCO2. Entre as fontes renováveis de energia, a contribuição dos biocombustíveis seria significativa, e tal aspecto poderia ser uma vantagem competitiva da Petrobras.

A descarbonização no setor de transporte é um dos principais desafios. Foi estimado que as viagens de automóveis aumentarão mais do que três vezes, enquanto o crescimento dos fretes será ainda maior. Para a redução das emissões, as empresas de petróleo e as empresas de automóveis deverão atuar de forma conjunta, pois os produtos colocados no mercado por essas empresas deverão permitir maior eficiência e menos emissões. Ganhos de eficiência de 30% a 50%, possíveis com a tecnologia atual, são insuficientes para atender as metas de redução das emissões. Biocombustíveis, eletricidade e hidrogênio poderiam ser usados em automóveis e contribuir para a redução das emissões. Os maiores desafios seriam reduzir as emissões de caminhões, navios e transportes aéreos. Biodiesel de segunda geração poderia ser empregado nesses modais de transporte, inclusive no transporte aéreo, onde há pesquisas avançadas sobre o assunto, mas, na visão da IEA, há restrições para a produção de biocombustíveis em larga escala.

No cenário ACT é previsto um crescimento econômico médio de 3,3% ao ano, entre 2005 e 2030. Até 2050, a população mundial chegaria a 9 bilhões de pessoas, e apenas 1 bilhão viveria nos países da OECD. No relatório da IEA, dá-se destaque ao fato de que as metas de redução das

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emissões de CO2 não serão alcançadas apenas nos países da OECD, mesmo a um custo marginal de USD 200/tCO2. Esforços isolados dos países da OECD levariam as emissões, em 2050, a 42 GtCO2, ou seja, 56% maiores que em 2005. A contribuição requerida dos países em desenvolvimento deve ser incentivada, inclusive financeiramente, dada a menor capacidade de investimentos nesses países.

3.2.1.1.2 - Cenário BLUE

Como visto anteriormente, para que a elevação da temperatura média da Terra não supere 2°C e 2,4°C, as emissões associadas à energia devem ser reduzidas em 50-85%, até 2050, em relação àquelas de 2005. No estudo da IEA, o cenário BLUE é aquele no qual se considera redução das emissões a 14 GtCO2 em 2050, quando em 2005 foram estimadas em, aproximadamente, 28 GtCO2. Como pode ser visto na Figura 3.21, as emissões cairiam após 2015 e ficariam praticamente estáveis após 2050. Os riscos associados são grandes, em função dos maiores custos de mitigação e da necessidade de emprego de tecnologias que ainda estão em fase preliminar de desenvolvimento.

O custo marginal de abatimento das emissões de CO2 deve chegar a USD 200/tCO2, mas poderia ser de até USD 500/tCO2, caso houvesse insucessos no processo de desenvolvimento tecnológico, principalmente daqueles aplicáveis no setor de transportes. No cenário BLUE, o custo médio das tecnologias necessárias varia entre USD 38 e USD 117/tCO2 evitado.

Os investimentos adicionais necessários, em relação ao cenário tendencial, foram estimados em USD 45 trilhões entre 2008 e 2050, em pesquisa, desenvolvimento e demonstração – PD&D, e também em comercialização. Os investimentos totais anuais, estimados em aproximadamente 1,1 trilhão de USD, equivalem ao atual PIB da Itália, ou cerca de 1,1% do PIB mundial. Tal montante pode induzir total redirecionamento da atividade econômica.

No cenário BLUE, prevê-se radical alteração na capacidade de geração de eletricidade, com grande diversificação da matriz de geração. Por um lado, a geração baseada em fontes renováveis de energia - por exemplo, eólica, células fotovoltaicas, painéis solares concentradores e biomassa - teria significativa importância em 2050 (cerca de 46% da geração total). Entre as

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empresas de petróleo, como é apresentado no Capítulo 4, apenas a Statoil tem investido pesadamente em algumas dessas tecnologias. Centrais nucleares também teriam participação considerável, com aproximadamente 25% da geração total em 2050.

A geração termoelétrica com combustíveis fósseis contribuiria com apenas 25% da geração elétrica total, e as centrais térmicas empregariam a tecnologia CCS. Aqui cabem dois comentários quanto às empresas de petróleo. Primeiro, todo o parque termoelétrico atual das empresas de petróleo – apresentado nos Capítulos 4 e 5 – teria de ser modificado. Segundo, o domínio da tecnologia CCS será fundamental para o emprego de carvão e gás natural e outros resíduos pesados na geração de eletricidade, o que dará às empresas de petróleo excelentes oportunidades.

A necessidade de que drásticas reduções de CO2 sejam alcançadas até 2050 irá impor grandes desafios ao setor de transporte, cuja demanda energética é quase que totalmente atendida por derivados de petróleo. Biocombustíveis com baixo fator de emissão de CO2 poderiam contribuir significativamente, mas a IEA faz a ressalva de que isso tem de ocorrer de forma sustentável e sem impactar a oferta de alimentos. Nesse ponto, a Petrobras poderia ter grandes vantagens competitivas em relação às demais empresas de petróleo. Como comentado anteriormente, caminhões, navios e aviões também poderão utilizar biocombustíveis, o que ampliaria a importância estratégica do domínio de sua tecnologia de produção.

Em função da enorme diversificação da matriz energética em transportes, até 2050, as empresas de petróleo teriam de reformular totalmente suas estratégias empresariais e seus parques de refino. Por exemplo, a previsão é que a demanda de petróleo em 2050 seja 27% menor do que em 2005.

Nas Figuras 3.22 e 3.23 são apresentadas as contribuições percentuais das diferentes fontes de energia e tecnologias para a redução das emissões nos cenários ACT e BLUE. Conforme pode ser visto, no cenário ACT a contribuição da tecnologia CCS seria de 14% na redução das emissões (na geração de eletricidade, na indústria e nas unidades de transformação de combustíveis), e chegaria a 19% no cenário BLUE.

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Figura 3.21 - Evolução das emissões de CO2 nos cenários apresentados pela IEA

Fonte: IEA, International Energy Agency (2008)

.

Figura 3.22 - Contribuições para a redução de emissões em 35 GtCO2 no cenário ACT Fonte

: IEA, International Energy Agency (2008)

28 30 41 62 28 31 32 28 15 28 29 23 14 15 0 10 20 30 40 50 60 70 2005 2015 2030 2050 2100 E m is sõ e s e m G tC O2

Cenário sem restrições Cenário ACT Cenário BLUE

17% 6% 6% 8% 16% 2% 16% 28% 1% Mudança e eficiência de plantas de geração Nuclear CCS na indústria e transformação CCS em plantas de geração Renováveis Eletrificação Eficiência no uso de eletricidade

Eficiência no uso final de combustíveis

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Figura 3.23 - Contribuições para a redução de emissões em 48 GtCO2 no cenário BLUE

Fonte: IEA, International Energy Agency (2008)

3.2.1.2 – Investimentos

No cenário tendencial ou sem restrições de emissões, no qual não haveria maior esforço para a redução das emissões de CO2, o consumo total de energia praticamente dobraria entre 2005 e 2050. A participação das fontes fósseis, evidentemente, seria determinante. Os investimentos totais requeridos entre 2005 e 2050 somariam USD 254 trilhões, e 84% desses investimentos seriam voltados ao setor de transportes, conforme apresentado na Figura 3.24. Grande parte do investimento requerido (USD 132 trilhões) estaria associada a veículos leves, tendo sido estimado que 4,8 bilhões de veículos leves seriam colocados no mercado entre 2005 e 2050, veículos que majoritariamente utilizariam derivados de petróleo. Em adição, estima-se que cerca de 470 milhões de caminhões e 70 milhões de ônibus seriam postos em circulação no período. 7% 6% 9% 10% 4% 21% 6% 12% 24% 1% Mudança e eficiência de plantas de geração Nuclear CCS na indústria e transformação CCS em plantas de geração FCVS Renováveis Eletrificação Eficiência no uso de eletricidade

Eficiência no uso final de combustíveis

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Figura 3.24 - Investimento necessários no cenário tendencial

Fonte : IEA, International Energy Agency (2008

Nos cenários ACT e BLUE, os investimentos anteriormente apresentados (USD 17,3 trilhões e USD 45 trilhões de dólares, respectivamente) são adicionais ao cenário tendencial. Os investimentos estariam associados à compra de equipamentos mais eficientes, veículos que não mais utilizariam derivados de petróleo, termoelétricas nucleares, CCS, etc. Em ambos os Cenários, os investimentos também ocorrerão majoritariamente, devido ao setor de transportes - 78% e 70%, respectivamente, dos investimentos totais adicionais.

No cenário ACT, os investimentos no setor de transportes para o aumento da eficiência de uso da energia e na produção e uso de biocombustíveis serão semelhantes. Em função da menor demanda de derivados de petróleo, os investimentos em refinarias seriam menores do que no cenário referência. Por exemplo, as vendas de veículos híbridos representariam 72% das vendas de veículos novos em 2005. Essa tendência seria ainda mais acentuada no cenário BLUE, no qual haveria também uso intensivo de veículos a célula a combustível, maior aumento da eficiência dos veículos e maior uso de biocombustíveis em veículos híbridos.

84% 1% 4% 1% 5%1% 3% 1% Transporte Indústria Residencial Comercial Plantas de geração Transformação Eletricidade distribuição Transmissão eletricidade

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Como ilustração, estimativas dos custos adicionais de tecnologias alternativas de motorização de veículos, entre 2015 e 2050, são apresentadas na Tabela 3.3. Os custos adicionais dos veículos afetam os custos de abate das emissões de CO2.

Tabela 3.3 – Custos adicionais de veículos nos cenários ACT e BLUE em relação à linha base (Cenário Referência) (USD por veículo)

Veículos 2015 2030 2050

Híbrido – motor a combustão interna motor elétrico e baterias

2.800 2.300 2.300

Híbrido – motor a combustão interna, motor elétrico e baterias

recarregáveis na rede

5.300 3.600 3.400

A célula a combustível (hidrogênio) 45.000 9.000 6.400

Elétrico 25.000 8.900 6.500

Fonte: IEA, International Energy Agency (2008)

Os cenários apresentados no estudo prospectivo da IEA (2008) indicam que, na hipótese bastante provável de drástica redução das emissões de gases de efeito estufa em relação ao cenário tendencial, as empresas de petróleo e a indústria automobilística terão de enfrentar um enorme desafio. Para a indústria automobilística, o desafio será o de desenvolvimento de novos produtos e de redução de custos das novas tecnologias, mas para a indústria do petróleo o novo contexto exigirá alteração dos produtos, de suas atividades e de suas estratégias. O consumo de seus principais produtos – gasolina e diesel – será sensivelmente reduzido, porque os veículos serão mais eficientes e porque serão movidos por outros energéticos. Em resumo, a indústria do petróleo será totalmente distinta em um horizonte de 40-50 anos, ou não terá a mesma importância de atualmente, o que explica o fato de estarem se tornando empresas de energia.

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