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O nono encontro do dia 23 de junho de 2013, foi iniciado com as considerações das educandas e da educadora em relação ao Encontro dos Educandos realizado nos dias 21 e 22 de junho.

O painel construído coletivamente e descrito na sétima intervenção, fez parte de uma exposição organizada com o objetivo de mostrar todas as produções construídas nos núcleos do MOVA.

Segundo a educadora, estas considerações iriam fazer parte do relatório a ser apresentado aos supervisores e coordenadoras na formação semanal. Alguns itens deste relatório tiveram que ser preenchidos e discutidos com o grupo nesta data. Os itens perpassavam desde a avaliação dos(as) educandos(as) em relação à recepção até as oficinas desenvolvidas no encontro.

A educadora Neli Nunes também achou importante destacar alguns pontos em relação à oficina desenvolvida, simultaneamente, sobre as obras de Picasso, por todas as educadoras do MOVA. Em seu relato enfatizou três aspectos que considerei importante, pois neles são explicitadas as aprendizagens que a educadora relacionou ao longo da intervenção. foram eles: a) segundo a educadora, foi possível relacionar a oficina com o que estava sendo desenvolvido na pesquisa interventiva; b) a importância da Arte como parte das aprendizagens, em especial em relação aos movimentos corporais; c) foi possível relacionar as obras de Picasso, no que se refere à valorização dos movimentos corporais e singulares do cotidiano, com os jogos e exercícios do Teatro do Oprimido, quando este parte das situações reais e do cotidiano das participantes.

Ela acrescentou ainda que só agora compreendera o quanto foi e são importantes todas as formações a partir das vivências que estimulam o corpo, pois “Não é algo assim que acontece do dia pra noite, é preciso fazer várias vezes... ainda tenho restrições em tocar e ser tocada, mas agora eu já aceito mais”. Intervi perguntando se agora sentia-se mais segura para inserir os jogos corporais em sua prática profissional. Ela respondeu: “Sim, do jeito que você faz sem forçar consigo”.

Inferimos que o “forçar” aqui está relacionado com formações em que muitas vezes os profissionais da educação são obrigados a cumprir por determinações institucionais, ocasionando uma exposição ou ações que em vez de proporcionar um momento de aprendizagem torna-se algo desconexo e muitas vezes enfadonho para os participantes. Em especial, quando a questão envolve sentimento, sensações; enfim, o corpo em seus aspectos físicos e subjetivos, quando se pretende que ele seja uma ferramenta para a compreensão do processo em que se constitui a partir do conhecimento e reconhecimento cultural e histórico.

Em relação à avaliação do Encontro dos Educandos, as educandas avaliaram que a recepção oferecida foi muito boa, destacando a organização e o lanche disponibilizado a todos os participantes. Em relação às oficinas, limitaram-se apenas em dizer que “Era mais pra artesanato. Não foi como o da professora, não. Mas foi bom”.

Em seguida, retomamos a discussão iniciada na aula anterior sobre o Artigo 1º da Declaração Universal dos Direitos Humanos com a educadora Neli Nunes. Segundo a

educadora, esse tema foi abordado com o objetivo de atender as inquietações das participantes em relação a relatos que traziam situações de desrespeito no bairro. Dentre eles, o que mais estava incomodando eram os alto-falantes em volumes altíssimos dos carros em horários noturnos. Para iniciarmos a discussão, pedimos que elas nos dissessem o que entendiam sobre Direitos Humanos.

Maria do Carmo foi a primeira a se manifestar dizendo: “É respeitar os direitos de todo mundo”.

A partir daí provocamos o grupo com a seguinte questão: “E isso acontece? Todos os nossos direitos são respeitados?”.

Cícera Maria falou: “De jeito nenhum!”. “Por que, Cícera?”, perguntamos. “Vixe, é tanta coisa... dentro de casa mesmo a gente num é respeitada.”

Josefa Inácia acrescentou: “É mesmo, às vezes a gente é obrigada a obedecer ordem dos filhos, maridos”.

Com o objetivo de registrar a reflexão, orientamos o grupo a recuperar palavras que consideraram importantes durante a leitura e a discussão realizada. Foram elas: respeito, dignidade, luta, coragem, confiança e fraternidade. À medida que o grupo destacava essas palavras, escrevíamos na lousa para ser lido coletivamente e copiado no caderno individualmente.

Como metodologia, para continuarmos com o desenvolvimento da atividade, adaptamos a mais popular de todas as técnicas TO, o Teatro-Fórum, que, segundo seu criador, é: “um tipo de luta ou jogo”, e, como tal, tem suas regras. Elas podem ser modificadas, mas sempre existirão, para que todos participem e uma discussão profunda e fecunda possa nascer. Segundo as orientações de Boal,

[...] devemos evitar o fórum selvagem, em que cada um faz o que quer e substitui quem bem entender. As regras do Teatro-Fórum foram descobertas e não inventadas – são necessárias para que se produza o efeito desejado: o aprendizado dos mecanismos pelos quais uma opressão se produz, a descoberta de táticas e estratégias para evitá-la e o ensaio dessas práticas. (BOAL, 2007, p. 28).

Sendo assim, a situação a ser discutida e representada terá que partir do contexto real dos participantes; não cabe o direcionamento de temas, os quais emergem das discussões coletivas.

Considerando a singularidade do grupo, optamos por organizar um Círculo de Cultura, no qual, individualmente, fossem expostas algumas situações vivenciadas e que, de acordo com as percepções, tivessem sido opressoras. O resultado é relatado abaixo.

Cícera Maria:

Uma vez fui numa assistente social para pedir orientação para a guarda de minha sobrinha e a assistente social disse que não sabia como eu havia conseguido a guarda anterior, se “eu era analfabeta”. Fiquei sem chão, muito triste! Não soube como reagir! Só muito tempo depois fui lá, mas a assistente social já não era a mesma.

Maria Marcionilia: “Trabalhava mais de oito horas sem carteira assinada e ganhando muito pouco, sem nenhum benefício [pausa], mais precisava [pausa] até que um dia tive coragem e pedi pra sair”.

Severina Antonia:

Uma vez não pude votar e depois de alguns meses fui justificar, daí quando cheguei lá, que falei que queria justificar, o atendente falou que voto de analfabeto não tinha valor e que tanto fazia votar como não votar. Fiquei muito chateada porque eu já sabia assinar meu nome completo.

As demais educandas disseram que não se lembravam de nenhuma situação de desrespeito/opressora. Nesse momento intervimos: “E aquelas histórias de quando vocês chegaram a São Paulo?” Maria do Carmo falou: “Já resolvi! Se fosse hoje ia fazia igual na peça” [risos], referindo-se à segunda intervenção, da qual resultou a escrita de uma pequena cena a partir de seu egresso à grande metrópole.

Josefa Inácia também argumentou: “Ah!.... tem coisas na vida que temos que aceitar”. Maria Oner contra-argumentou com o seguinte comentário: “Porque hoje pode ver que o povo não tem medo, não”, revelou a educanda, fazendo menção às manifestações populares que ocorreram em São Paulo e em Osasco no mês de junho. Cícera Maria finalizou a questão: “Hoje eu não ficaria quieta se me chamassem de analfabeta”. Perguntamos: o que faria se isso acontecesse? Ela respondeu: “Eu ia dizer que eu não tive culpa de não ter aprendido a ler e escrever por que eu achava que eu era a culpada e hoje sei que não é assim”.

Avaliamos que as reflexões e argumentos das educandas estavam mais concisos, não havendo melindres. Pois, como é possível visualizar nos argumentos de algumas delas, houve um salto qualitativo no que se refere à tomada de consciência em relação aos fatos que ocorreram e que, em certo momento, as deixaram imóveis diante da situação de opressão. Compreendemos também que algumas não conseguiram ou não atingiram o mesmo nível de entrega, e que esse comportamento deve está ligado a fatores externos e internos de cada indivíduo.

Vale ressaltar que no planejamento estava prevista a escolha de uma situação para ser escrita nos moldes de uma peça de teatro, seguida de apresentação. No entanto, devido ao

pouco tempo e às demandas previstas no calendário da educadora, e também a forma prazerosa em que o grupo estava, em uma bonita roda de conversa, a representação ficou nas gargalhadas, nos olhares e nos gestos simples quando contavam suas histórias. Portanto, ouvimos as situações de algumas educandas que quiseram contar e fizemos o debate oralmente, nos moldes de um Círculo de Cultura, como espaço estratégico para construções e reconstruções diante dos desafios que advém de um processo verdadeiramente dialógico, assim como a técnica do Teatro do Oprimido a qual Boal denominou como Teatro-Fórum.

[...] os Círculos de Cultura são precisamente isto: centros em que o Povo discute os seus problemas, mas também em que se organizam e planificam ações concretas, de interesse coletivo. [...] estabelece-se um dinamismo entre os Círculos de Cultura e a prática transformadora da realidade, de tal modo que passam a ativar-se e reativar-se mutuamente. (FREIRE, 1980, p. 141-142 apud ASSUMPÇÃO, 2009, p. 115). Este trecho ressalta aspectos fundamentais que fazem parte de uma prática educativa que considera a realidade dos sujeitos como parte fundante para o processo de alfabetização, refletindo, portanto, a importância da compreensão da realidade e apontando caminhos para a transformação do seu entorno.