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Neste capítulo apresentaremos o contexto histórico da implantação do MOVA-Osasco como uma proposta que une a sociedade civil e as instituições públicas em busca de contribuir para a diminuição do índice de analfabetismo deste município. Tendo como concepção orientadora a Educação Popular idealizada na década de 1960 por Paulo Freire. Destaca também a formação dos(as) educadores(as) a partir do contexto das múltiplas linguagens, em especial a Arte, representada pelo Teatro do Oprimido de Augusto Boal.

O MOVA nasceu de um sonho de Paulo Freire. Idealizador de uma proposta de alfabetização que mudou a concepção de educação de adultos na década de 1960, e que se concretizou ao assumir o cargo de Secretário Municipal de Educação de São Paulo, em 1989. Freire deu início a um novo momento da educação no município, com ênfase na ampliação das oportunidades de aprendizagens para jovens e adultos trabalhadores. Nascia então o “Movimento de Alfabetização” (MOVA).

Osasco é uma das cidades com maior índice de desenvolvimento do Estado de São Paulo. Segundo dados fornecidos e atualizados pela Secretaria do Trabalho, Desenvolvimento e Inclusão, de acordo com o Censo Demográfico 2000/IBGE, a população de Osasco é de 695.879 habitantes, sendo que, 26.000 não se encontram alfabetizados e 131.614 são considerados analfabetos funcionais acima de 14 anos, correspondendo a um total de 157.614 analfabetos.

Em 2007, pelo decreto n.º 9.711, de 28/03/2007, teve início em Osasco o “Movimento de Alfabetização de Jovens e Adultos” (MOVA-Osasco), com o objetivo de diminuir os altos índices de analfabetismo de jovens e adultos na região. A Secretaria de Educação, em parceria com o Instituto Paulo Freire (IPF), ofereceu formações aos educadores com o intuito de um acompanhamento mais pontual, promovendo um espaço de socialização e reflexão de

experiências, para um planejamento de ações coletivas, organizadas e pautadas nos princípios freirianos.

Tomando como base as experiências exitosas do MOVA em diversos estados, o Movimento de Alfabetização de Osasco entende a educação como um processo por meio do qual as pessoas tornam-se cada vez mais plenas e, portanto, mais capazes de agir no mundo de forma crítica, transformando-o em direção a uma sociedade mais justa, igualitária, solidária e democrática.

Princípios que dentro deste contexto estão relacionados a um processo de aprendizagem em que as pessoas tornam-se cada vez mais plenas, assim sendo capazes de intervir no mundo de forma crítica.

Por se tratar de um programa que acontece fora do espaço escolar, portanto dentro do conjunto de ações caracterizadas como não formais, o MOVA-Osasco é organizado em parceria com a Prefeitura, a qual promove a participação de organizações populares e entidades jurídicas sem fins lucrativos desde que forneçam espaço físico apropriado para o desenvolvimento das atividades.

Para sua implantação foi necessário firmar parcerias com associações, Igrejas católicas e evangélicas, como forma de garantir espaços para a realização das aulas. Aqui vale destacar que a(o) educadora(o) que se candidatasse a lecionar as aulas teria a responsabilidade de procurar esses espaços que deveriam estar localizados no próprio bairro, bem como a adesão de 25 adultos que quisessem voltar ou estudar pela primeira vez. Feito esse percurso, os(as) coordenadores(as) do projeto visitavam os locais, tanto para conhecer os responsáveis quanto para avaliar as condições locais e estruturais para a implantação do núcleo.

Concomitantemente foram realizadas pesquisas, em parceria com o IPF, as quais traziam o perfil, nos aspectos idade, etnia, profissão, dos que se inscreveram para ingressar no projeto. Esses resultados estão estruturados na coleção MOVA-Osasco e contou com a participação de professores, comunidade e os(as) próprios(as) educandos(as). A sistematização da pesquisa contou com a construção de seis cadernos que, além de trazer um perfil dos(as) educandos(as), trouxe também subsídios teóricos para o desenvolvimento de atividades dos(as) educandos(as) e para os(as) educadores(as).

Considerando as pesquisas realizadas através desta coleção, no caderno 1, Construção da Identidade do MOVA-Osasco, foi apontado, dentre outros aspectos, que a maioria desses(as) alfabetizandos(as) são migrantes da região Nordeste; desta forma, não poderia ignorar seus costumes e a maneira como alguns tiveram contato com a leitura e a escrita,

tendo como base a soletração de letras e sílabas. Como se revela na composição ABC do Sertão, de Luiz Gonzaga e de Zé Dantas:

Lá no meu sertão pros caboclo lê Tem que aprender um outro ABC O jota é ji, o éle é lê

O esse é si, mas o erre Tem nome de rê

Até o ypsílon e pissilone O eme é me, o ene é nê O efe é fé, o gê chama-se guê

Na escola é engraçado ouvir-se tanto “ê” A, bê, cê, dê,

Fê, guê, lê, me, Nê, pê, quê, rê, Tê, vê, e zé.

Com base nesses princípios e com o intuito de uma educação que compreenda o ser humano em sua totalidade, as formações abordavam as concepções de uma Educação Popular as quais enfatizavam o rigor metódico defendido por Freire no contexto de uma alfabetização para a conscientização crítica dos seres humanos, entendendo esta como um instrumento de libertação para os sujeitos envolvidos. Nesse sentido, o Teatro do Oprimido fez parte das formações dos(as) educadores(as) com o objetivo de pensar o corpo como uma dimensão indissociável das aprendizagens ao longo da vida.

Considerando que, na concepção do seu criador Augusto Boal (1980), no Teatro do Oprimido não há separação entre expectador e ator, ambos são sujeitos da ação, foram realizadas oficinas para as educadoras com base nos jogos e exercícios do TO. Pensar que todos são sujeitos em um processo equivale a dizer que, na atuação da proposta do MOVA, as(os) educadoras(as) teriam que vivenciar para compreender a poética do oprimido, tornando-se uma ferramenta para ser inserida dentro do processo de aquisição da leitura e da escrita, bem como para que as(os) educandas(os) pudessem também compreender que o corpo é uma dimensão indissociável para o reconhecimento histórico e cultural.

Durante a realização destas oficinas, os(as) educadores(as) traziam situações reais para serem discutidas e refletidas no coletivo, ressaltando dessa forma que em lutas populares as funções não são estanques prevalecendo um encontro imediato entre a definição de Boal em relação à concepção de Teatro e a Educação Popular de Paulo Freire.

Por se tratar de um programa de alfabetização que tem como base a concepção e os objetivos da Cultura Popular que, segundo Brandão (1986, p. 35), “é a elaboração de um projeto que liberte o homem, no interior de uma cultura de que ele é um simples objeto”. As

formações procuravam garantir momentos que integrassem tanto o conhecimento metodológico quanto as reflexões e problematizações derivadas da prática como forma de desenvolver e contribuir no processo de conhecimento dos(as) educadores(as) e coordenadores(as). Esses momentos integrados foram divididos e nomeados da seguinte forma:

1- Sensibilização: foco no uso de jogos e diferentes linguagens artísticas como meios de reflexão e de explicitação de diferentes formas de ler o mundo;

2- Problematização: foco no diálogo e na oralidade como meio de reflexão e de explicitação de diferentes formas de ler o mundo;

3- Tematização: Foco na leitura de diferentes gêneros textuais

4- Foco na escrita: registro descritivo, narrativo e interpretativo das discussões. (COUTO, 2008, p. 17).

Nesta perspectiva, faziam parte da formação jogos e exercícios que tinham como premissa o reconhecimento do corpo nas suas diferentes dimensões, tanto físicas quanto nas dimensões subjetivas do ser humano, estimulando os sentidos e sentimentos, corroborando assim para a sua compreensão no sentido antológico e para um melhor desempenho deste profissional na sua prática dentro de sala de aula.

As formações que permanecem até hoje com os(as) educadores(as) e coordenadores(as) são momentos que proporcionam a discussão e socialização de conhecimentos e a utilização de diferentes recursos que possibilitem a organização e desenvolvimento individual e coletivo dos(as) educadores(as), com vistas ao desenvolvimento pessoal e profissional e principalmente para o fortalecimento dos movimentos populares.

Portanto, o MOVA-Osasco é fruto de um sonho e de resistência em relação aos movimentos populares construídos ao longo desses anos. A parceria da comunidade e instituições públicas só comprova que quando há vontade política é possível trilhar novos horizontes em busca de uma educação que tenha como ponto de partida os sujeitos nela envolvidos e a partir desta intervir de forma que todos possam conhecer e reconhecer-se historicamente.

4 ALFABETIZAÇÃO E ARTE POPULAR NOS MOVIMENTOS SOCIAIS

Neste capítulo, apresentaremos algumas reflexões sobre a concepção de Educação Popular na perspectiva de uma educação não formal, tendo como premissa os saberes e conhecimentos dos sujeitos para aquisição do código da escrita, utilizando-se da Arte Popular como ferramenta que articula estes saberes para o reconhecimento dos sujeitos em sua totalidade, ou seja, corpo e mente como dimensões indissociáveis para uma alfabetização crítica e ao longo de suas vidas. As principais referências que dão sustentação ao trabalho de alfabetização pela Arte é aqui realizado por meio das contribuições de Augusto Boal, em particular com o apoio das obras Teatro do Oprimido e outras poéticas (1980) e Jogos para atores e não-atores (2007).