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O Centro Cultural Piollin foi fundado em 1977 (inicialmente com o nome de “Escola Piollin”) por atores paraibanos. O Centro atua nas áreas de formação, produção e difusão cultural, na cidade de João Pessoa – PB. Dentre outras atividades, destaco a realização permanente de oficinas de iniciação ao teatro, circo, música e cultura digital, oferecidas a crianças e jovens do bairro Roger (onde o Centro é localizado) e comunidades vizinhas.

Fui convidada a participar como preparadora vocal do projeto aprovado no Programa BNB de Cultura 2011: a encenação do texto O Gato Malhado e A Andorinha Sinhá, romance de Jorge Amado adaptado para o teatro por Eleonora Montenegro. Os atores integrantes do projeto eram os alunos do ciclo IV, último ciclo de estudos do projeto pedagógico do Centro Cultural Piollin, e a direção foi do paraibano Duílio Cunha. Aceitei o convite com entusiasmo, por ter participado da primeira montagem desse texto, em 1992, e por acreditar que seria mais uma oportunidade para aprender a ensinar os princípios do meu trabalho.

As aulas aconteceram no período de 23 de fevereiro a 06 de abril de 2011, sempre nas quartas-feiras, das 14h às 16h30. Adaptei o mesmo roteiro criado para a oficina em Recife, retirando algumas coisas e acrescentando outras novas, de acordo com o que o diretor me pedia e conforme as necessidades dos alunos.

Poucas Danças Circulares foram utilizadas. Dançar livremente, sentindo a pulsação e o ritmo de uma música, trocando energia com o outro, pareceu ser mais eficaz.

A disponibilidade corporal deles era evidente, mas havia um grande problema com a afinação. Se não conseguia que cantassem uma única nota em uníssono, como faria para que cantassem os cânones? O diretor me disse para não me preocupar, pois não os colocaria para cantar. Ainda assim, queria fazer alguma coisa para solucionar esta dificuldade, pois pensei que seria importante para eles a realização dos cânones e exercícios associando canto e movimento. Uma solução simples, mas não definitiva, foi o exercício que chamo de Escala com Gestos. Inspirado nas propostas de Dalcroze e Orff, o exercícioconsiste em cantar cada nota da escala de dó maior associada a um gesto com os braços. Ao realizá-lo fiquei surpresa e entusiasmada com o resultado: os alunos conseguiram cantar todas as notas em uníssono, relativamente afinados em comparação com a semana anterior. Um trabalho muito mais duradouro deveria ser feito para resolver o problema com a afinação, mas, infelizmente eu não dispunha de tempo para tal. Sugeri ao diretor que os colocasse para cantar sim, mas que trabalhasse mais com a fala ritmada – utilizando, por exemplo, a embolada ou o rap – excluindo assim o problema com a afinação. O próprio texto traz muitas falas em verso, seria fácil criar pequenas músicas com elas.

Os exercícios da tese de Ernani Maletta também foram essenciais. Os alunos se divertiram e aprenderam ao mesmo tempo, e a afinação também melhorou um pouco, pois os exercícios exigem precisão – e a precisão é importante para a afinação.

Destaco o sucesso com o exercício das Bolinhas Rítmicas (MALETTA, 2005, p. 349). Esse exercício é um contraponto entre canto, espaço e movimento através da troca de bolinhas de ping-pong ou similares, e tem por objetivos principais: 1 – estimular a percepção das relações entre conceitos musicais, plásticos e corporais na incorporação do conceito de ritmo e 2 – desenvolver uma execução precisa do movimento e do canto no que diz respeito ao seu aspecto rítmico. Como muitos deles faziam malabares, criamos outras possibilidades de realização do exercício, jogando várias bolinhas ao mesmo tempo. Após realizar o exercício com o canto, tive a ideia de realizá-lo também com a fala, inspirando-me no método Orff, nos exercícios que utilizam a palavra falada com acompanhamento rítmico (corporal ou com instrumentos de percussão). Pedi que trouxessem um trecho em verso do texto e tentassem dizê-lo dentro de uma pulsação, jogando a bolinha para cima e agarrando-a no tempo forte. Pedi que, aos poucos, diminuíssem a marcação até que a pulsação ficasse escondida, como um subtexto. Caminhando pelo espaço, agora sem as bolinhas, continuaram a dizer seus textos. Prossegui realizando uma dinâmica feita na oficina em Recife, que consistia em dar indicações de andamento, intensidade e altura enquanto diziam o texto. O método Orff também estimula a improvisação e criação de músicas próprias. Nesse caso, estimulei a criação de uma musicalidade para o texto que haviam trazido. Percebi que essa foi uma atividade muito eficaz para alcançar esse objetivo.

Por último, trabalhamos a partir de timbres de animais, na voz e no corpo, pois as personagens do espetáculo são animais. Inspirei-me em um dos exercícios demonstrados no vídeo da atriz Júlia Varley, que explorava timbres de diversos animais, procurando encontrar o timbre ideal para cada personagem ou mesmo um timbre para cada momento da personagem. Pedi também que combinassem timbres de animais com timbres de pessoas: como seria, por exemplo, um sapo apresentador de circo? Um rouxinol tenor, professor de canto? Um padre papagaio bêbado? E assim as personagens começaram a ganhar vida, personalidade, corpo e voz.

Nas últimas aulas eles construíram individualmente partituras vocais e físicas para uma parte do texto, reunindo tudo o que trabalhamos. No último dia as partituras construídas foram apresentadas. Pude perceber que eles haviam compreendido minha proposta. As pequenas cenas construídas mostravam a tentativa de manipulação dos parâmetros, e apontavam também para o surgimento das personagens. Muito trabalho ainda deveria ser feito, mas, infelizmente, eu precisava me despedir da turma. Não teria tempo para acompanhar o trabalho até o final da

montagem e, por isso, indiquei o nome de outra pessoa para continuar fazendo a preparação vocal. Mesmo assim, fiquei contente por contribuir para o nascimento do espetáculo.

Em setembro de 2011, ao assistir a estréia de O Gato Malhado e a Andorinha Sinhá, pude observar todos os elementos que trabalhamos durante a oficina. Cada personagem tinha seu timbre, seu ritmo, sua melodia. A fala ritmada estava presente. Para um determinado momento de fala em verso, eles criaram um rap, como eu havia sugerido. Destaco principalmente o trabalho dos atores Nindinaldo Alves, Josemberg Pereira e Thiago Santine, que representaram, respectivamente, a vaca, o galo e o papagaio. A vaca tinha um timbre mais grave, forte, andava e falava quase sempre em compasso binário. O papagaio e o galo tinham um timbre mais agudo e andamento mais acelerado. Ela comandava o trio, eles eram seus seguidores. Estavam sempre juntos, e esse contraste do grave, da força e lentidão da vaca com o agudo e a rapidez do galo e do papagaio ficou bem interessante.