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No capítulo anterior, os parâmetros musicais estão explicados de forma estática, compartimentada, fora de suas funções, embora haja comentários sobre seus empregos. Neste capítulo abordo os parâmetros musicais em movimento, em transformação no tempo, oscilando de qualidade em função de determinadas expressões.

A música se faz justamente com a alteração desses parâmetros no tempo. Os compositores organizam os sons de determinadas formas, buscando mover a emoção do ouvinte. Essas diversas combinações de sons suscitam expectativas sonoras no ouvinte, que provocam tensão, relaxamento, expectativa, resolução da expectativa, instabilidade, estabilidade... Essas são palavras básicas com as quais os compositores trabalham no universo da música. Levitin (2010) diz que um compositor hábil impregna a música de emoção, controla quando as expectativas do ouvinte serão atendidas e pode provocar “lágrimas, tremores e arrepios” pela “manipulação de nossas expectativas” (p. 129). Levitin afirma também que a “geração e manipulação de expectativas estão no cerne da música” (p. 130) e podem ocorrer de infinitas maneiras.

Wisnik (1989) diz que a música se constrói na união entre os diferentes sons, que se combinam e se interpenetram. E tais sons são interpretados pelo ouvinte segundo seus pulsos corporais, somáticos e psíquicos, ou seja, envolvem-no por completo. O autor afirma que a

música é capaz de “provocar as mais apaixonadas adesões e as mais violentas recusas”, pois atinge “pontos de ligação efetivos do mental e do corporal, do intelectual e do afetivo” (p.28).

Mas como isso se dá? Por que certos sons afetam as pessoas de determinada forma? Por que alguns sons sugerem tranquilidade e outros, perigo? Por que um compositor cria uma música de um jeito e não de outro, em função de querer expressar algo, ou por querer que o ouvinte sinta determinadas emoções? Essas são perguntas muito difíceis de serem respondidas. Segundo Moura (2012), há muita especulação, mas não há respostas concretas e definitivas em livros, até porque, em virtude das múltiplas camadas hierárquicas da música (em constante transformação e mutação), cada evento musical tem sua funcionalidade dependente de contextos bastante amplos. Ademais, muitas das associações emocionais que se podem experimentar ao ouvir uma música dependem da experiência de cada pessoa, e da “gramática musical” específica de sua cultura (LEVITIN, 2010). Há também certas conexões psicológicas, explicações biológicas e físicas que poderiam explicar um pouco porque emoções como tensão ou relaxamento podem ser sentidas quando se ouve determinados sons. Alguns exemplos serão dados a seguir.

Segundo Levitin (2010), um som brusco, breve e forte tende a ser interpretado por muitos animais (inclusive o ser humano) como um sinal de alerta. Um som muito forte causa desconforto, os ouvidos comprimem esses sons para proteger seus componentes internos, que são muito delicados. Em contrapartida, um som longo e suave teria um efeito mais tranquilizante, ou pelo menos neutro. Se uma música é inicialmente lenta e suave, e o ouvinte se acostuma com esse som, uma mudança brusca de andamento e intensidade pode gerar surpresa, susto, tensão.

Um andamento lento ou mediano pode ser associado aos batimentos cardíacos normais de um ser humano, por isso não causaria ansiedade. Quando o andamento é acelerado, pode gerar tensão ou euforia. As glândulas supra-renais secretam adrenalina, que acelera os batimentos cardíacos e prepara o corpo para uma reação, como fugir de medo. Rallentando o andamento, o corpo voltaria ao relaxamento.

3.5.1. Gestalt

O cérebro humano funciona de forma gestáltica, por isso os princípios da Gestalt17 também podem ser aplicados no campo da música.

Para os psicólogos desta escola, um todo não pode ser compreendido pela separação de suas partes. Um todo seria mais do que apenas a soma de suas partes, seria uma percepção única da relação entre essas partes. Na percepção de uma melodia, por exemplo, não são as notas isoladas que caracterizam a melodia, mas a relação entre essas notas. Por isso, mesmo mudando a tonalidade da música, as pessoas acreditam continuar ouvindo a mesma melodia, porque mesma configuração de intervalos entre as notas é mantida.

As relações entre as partes e o todo podem ocorrer de diversas formas. Uma delas é a relação de figura e fundo, na qual algum aspecto do objeto se destaca e aparece mais claramente para o observador. Esse aspecto é chamado de figura, que emerge contra um fundo mais difuso. Ao ouvir uma música, a melodia pode ser considerada por alguns como sendo a figura, enquanto o acompanhamento seria o fundo.

Outro princípio desenvolvido pela psicologia gestáltica é a tendência à estruturação. Esse conceito diz respeito à propensão natural do ser humano de agrupar elementos semelhantes, ou que estão próximos. Os sons também são agrupados pelo ser humano. Por isso, Moura (2012) afirma que, quando as notas estão próximas umas das outras em uma melodia, ela se torna mais memorável e fácil de cantar, e não criaria tensão. Mas, quando há um salto, um intervalo grande entre as notas, cria-se tensão, pois há uma quebra do padrão.

Em um ritmo simples, o ouvinte decora o padrão dos intervalos temporais. A expectativa é então anulada ou respondida. Por isso um ritmo simples traz a sensação de relaxamento, “cria uma expectativa pacífica num futuro igual” (MOURA, 2012). Mas em um ritmo complexo, cria- se expectativa porque não há um padrão, não é possível prever o que virá depois.

17 A Psicologia da Gestalt teve início Alemanha, por volta de 1910, a partir dos estudos experimentais dos cientistas

Max Wertheimer, Wolfgang Köhler e Kurt Kofka. Sem tradução exata para o português, a palavra gestalt refere-se à forma, figura, todo, estrutura, configuração, padrão, etc. (BARROS, 1992).

3.5.2. Universo Musical De Janelas e Luas

Partindo das informações acima e de constatações particulares na experiência musical, uma espécie de pequeno sistema, ou algoritmo, foi criado para ser aplicado na manipulação dos parâmetros musicais nas partituras vocais do exercício De Janelas e Luas. O mesmo serviu de referência inicial para justificar certas manipulações dos parâmetros, com o intuito de expressar/enfatizar emoções. Digo que serviu de referência inicial, pois, como foi dito no capítulo anterior, todas as convenções podem mudar de acordo com o contexto onde os procedimentos são inseridos.

Diz Isso Cantando! – É o título da tese de Sara Lopes (1997). Neste exercício, busco a todo o momento esse “dizer cantando”. Procuro “a música da palavra”, como também propõe Bibi Ferreira. Queria intensificar “o conteúdo vivo das palavras” com um “intenso ornamento sonoro” (STANISLAVSKI, 1997); explorar os “infinitos matizes musicais da voz” (BROOK, 2010); dar, enfim, a cada frase o seu ritmo e intensidade, “a sua própria melodia e o seu próprio timbre” (PESOCINSKIJ, [199-?]).

As palavras por si só já possuem força, já geram imagens e comunicam algo. Apenas a entonação e o ritmo natural da fala já bastariam para contar as histórias de Maria das Quimeras e Ismália. Mas, ao envolver as palavras com música, outras camadas são colocadas por cima dessas palavras, ou preenchendo-as. “Vestindo” todo o corpo e voz com música, cria-se uma Vocalidade Poética (LOPES, 1997), ou uma Melopéia (FORTUNA, 2000).

De Janelas e Luas é um exercício de busca pela música da voz, para dar vida às palavras e tocar o espectador de forma intensa.

SISTEMA DE JANELAS E LUAS

ANDAMENTO

LENTO – RÁPIDO RÁPIDO – LENTO

Acelerar o andamento para criar tensão, ou demonstrar alegria, euforia.

Desacelerar o andamento para trazer resolução de tensão ou tranquilidade.

DINÂMICA

PIANO – FORTE FORTE – PIANO

Dinâmica de intensidade suave em momentos de calmaria, quando se quer contar um segredo, mas também em momentos de delírio e loucura.

Crescer a dinâmica de piano para forte para criar tensão ou demonstrar euforia.

Contraste abrupto de dinâmica, de forte para piano, para gerar tensão.

Decrescer dinâmica, de forte para piano, de forma gradativa, para sugerir relaxamento. Destacar palavras e frases, ditas com intensidade mais forte em meio a outras suaves, ou com intensidade suave em meio a outras fortes, para criar uma relação de figura e fundo.

RITMO

REGULAR Ritmos regulares para sugerir estabilidade.

SIMPLES Ritmos simples para momentos de estabilidade e relaxamento.

IRREGULAR Ritmos irregulares para criar tensão.

COMPLEXO Ritmos complexos para criar tensão e expectativa.

ALTURA

GRAVE – AGUDO

Melodia ascendente, para indicar um crescente de energia ou tensão.

Fixa em região mediana, com pouca variação de notas, para sugerir estabilidade.

MELODIAS CONTÍNUAS

Notas da melodia próximas umas das outras, em intervalos pequenos, para dar a sensação de calmaria ou estabilidade.

AGUDO – GRAVE

Melodia descendente para resolução de tensão ou relaxamento.

Ocorre também ocorre em momentos de angústia.

MELODIAS SEPARADAS

Saltos na melodia para criar tensão, expectativa, aumento de energia, ou euforia.

TIMBRE

GRAVE MÉDIO AGUDO

Um timbre mais grave para caracterizar a personagem Ismália. A atriz associa a voz de Ismália com o som do violoncelo.

Timbre em região mediana, mais próximo do timbre da atriz para a Narradora. A atriz associa a voz da Narradora com o som da viola.

Um timbre mais agudo para caracterizar a personagem Maria das Quimeras. A atriz associa a voz de Maria das Quimeras com o som do violino.

3.6. DE JANELAS E LUAS