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Centro vs Periferia – Definições

Capítulo 1 – Dependência e Subdesenvolvimento

1.5. Centro vs Periferia – Definições

A revisão bibliográfica feita nas seções anteriores permite que se avance na definição de conceitos que, apesar de ocuparem local de destaque em toda a discussão, são frequentemente utilizados de forma não muito precisa. Geralmente há uma associação direta entre país central e país desenvolvido ou, inversamente, entre país periférico e país subdesenvolvido. A confusão surge quando se considera que qualificar um país como central significada automaticamente classificá-lo como desenvolvido. Para certas abordagens, como as vinculadas à Cepal, essa associação é teoricamente fundamentada uma vez que os mesmos mecanismos que permitem um país exercer uma posição central na dinâmica capitalista fazem-no também alcançar o desenvolvimento social. Mas, como já mostrado, essa conformação deve ser considerada como uma exceção, delimitada no tempo e no espaço.

Portanto, nesta Tese, a dicotomia desenvolvido/subdesenvolvido tem um significado mais amplo e abarca uma definição que incluí não apenas características estritamente econômicas mas também aspectos sociais, com destaque para a heterogeneidade social. Assim, segue-se a abordagem proposta, entre outros, por Furtado (1980):

As primeiras idéias sobre desenvolvimento econômico, definido como um aumento do fluxo de bens e serviços mais rápido que a expansão demográfica, foram progressivamente substituídas por outras referidas a transformações no conjunto de uma sociedade às quais um sistema de valores empresta coerência e sentido. Medir um fluxo de bens e serviços é operação que somente tem consistência quando tais bens e serviços se liguem à satisfação de necessidades humanas objetivamente definíveis. (Furtado, 1980, p.26)

Ou seja, nesta Tese, quando for feito referência ao desenvolvimento econômico estamos claramente preocupados com as condições de vida de população em questão. É apenas quando essas condições apresentam melhoras robustas que, para usar o termo de Furtado na epígrafe deste Capítulo, há a “metamorfose” do crescimento em desenvolvimento. Quantitativamente, o desenvolvimento pode ser avaliado por indicadores tais como índice de Gini, IDH, mortalidade infantil, etc.

Já a qualificação central/periférico refere-se especificamente à capacidade de um país influenciar a trajetória econômica de outros. Portanto, nesta Tese, país central é aquele cuja dinâmica

30 constituem a sua periferia. Nesse caso, os termos país periférico e país dependente são tidos

como sinônimos.

Do ponto de vista econômico e político, creio que se poderia definir o Centro capitalista por três tipos de controles: o primeiro deles se exerceria sobre o processo de inovação tecnológica, o que supõe formas de organização capitalista nas quais estaria encarnado o poder financeiro; o segundo concerne à moeda e à finança internacionalizada, o que por sua vez pressupõe o poder industrial; o terceiro diz respeito ao poder político-militar, o controle das armas. (Mello, 1998, p. 16)

Portanto, mesmo que, historicamente, os países centrais tenham alcançado também elevado grau de desenvolvimento – no sentido dado por Furtado – esses dois conceitos não são idênticos. Na verdade, uma das hipóteses defendidas nesta Tese é que a reunião das condições necessárias para o desenvolvimento é muito mais uma exceção do que a regra e tornaram-se significativamente mais difíceis na atual etapa do capitalismo.

Entretanto, embora se defenda aqui não se utilizar para fins analíticos os termos periférico e subdesenvolvido como sinônimos, não se pretende negar a relação entre eles. Foi a condição periférica dos países dependentes que criou o subdesenvolvimento. Isso porque o subdesenvolvimento não é apenas a “ausência de desenvolvimento”. Ele corresponde a uma forma específica de atraso econômico e social que não tem paralelo na história dos países desenvolvidos. Em outras palavras, o subdesenvolvimento é o resultado da dependência econômica e, portanto, representa uma condição que não foi vivida pelos países centrais, mesmo quando esses ainda não tinham atingido o atual estágio de desenvolvimento.

O subdesenvolvimento deve ser compreendido como um fenômeno da história moderna, coetâneo ao desenvolvimento, como um dos aspectos da propagação da revolução industrial [...] Pelo fato mesmo de que são coetâneos das economias desenvolvidas, isto é, das economias que provocaram e lideraram o processo de formação de um sistema econômico de base mundial, os atuais países subdesenvolvidos não podem repetir a experiência dessas economias. (Furtado, 1968, ps. 3 e 4)

A situação de subdesenvolvimento produziu-se historicamente quando o capitalismo comercial e depois o capitalismo industrial vinculou a um mesmo mercado economias que, além de apresentar graus variados de diferenciação do sistema produtivo, passaram a ocupar posições distintas na estrutura global do sistema capitalista. Desta forma, entre as economias desenvolvidas e subdesenvolvidas não existe uma simples diferença de etapa ou de estágio do sistema produtivo, mas também de função ou posição dentro de uma mesma estrutura econômica internacional de produção e distribuição. (Cardoso e Faletto, 1984, ps. 25 e 26)

31 Mais do que um pré-capitalismo, o que se tem [na América Latina] é um capitalismo sui generis, que só adquire sentido se o contemplarmos na perspectiva do sistema em seu conjunto, tanto em nível nacional, quanto, e principalmente, em nível internacional. (Marini, 2005, p 138)

Assim, a liberação dos laços de dependência apresenta-se como uma condição necessária – mas não suficiente, como será discutido no Capítulo 4 – para que os países periféricos conquistem graus de autonomia de política que os permitam buscar o desenvolvimento social. Em outras palavras, embora o subdesenvolvimento tenha suas origens na dependência econômica, a superação da dependência não significa necessariamente a superação do subdesenvolvimento. Para se alcançar o desenvolvimento importa não apenas deixar a condição periférica mas também e principalmente a forma específica pela qual essa ascensão é feita.

Portanto, embora a questão centro-periferia seja o foco principal desta Tese, não deixamos de reconhecer que é o desenvolvimento sócio-econômico o objetivo final que deve ser almejado pela Ciência Econômica, ao passo que a ruptura dos laços de dependência é – uma das – condições para atingir esse objetivo.

Nesse sentido, Sampaio Júnior (1999) analisa as consequências políticas quando o desenvolvimento deixa de ser o objeto norteador da investigação econômica. Para o autor, as abordagens que destacam a possibilidade de crescimento sem desenvolvimento, como a apresentada na seção precedente, ainda que descrevam a dinâmica do capitalismo periférico, esvaziam a questão política da escolha da forma como se dá o crescimento.

A prioridade que a tradição desenvolvimentista atribuía à integração da superpopulação excedente no mercado de trabalho, como um dos pré-requisitos de um sistema econômico nacional, foi, assim, excluída da agenda de questões que compõem a problemática da industrialização capitalista retardatária ... o novo enfoque reduziu a discussão do desenvolvimento nacional a uma questão pura e simples de dinâmica capitalista, ignorando que um dos dilemas do desenvolvimento nacional consiste exatamente em conciliar valorização do capital e solidariedade orgânica entre as classes sociais [...] apagada a distinção entre desenvolvimento das forças produtivas e desenvolvimento nacional, a problemática do desenvolvimento confundiu-se com a discussão sobre crescimento econômico. (Sampaio Júnior, 1999, ps. 49 e 53)

Assim, reforça-se a importância do alerta feito por Furtado (1968) sobre as tarefas na esfera eminentemente política para alcançar o desenvolvimento.

Finalmente, deve-se destacar que, se os países centrais são aqueles capazes de influenciar a trajetória econômica de outros países, então, os laços de dependência, nas várias formas que estes

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tomaram ao longo do tempo, imprimem à periferia um caráter complementar e subordinado em

relação às economias centrais. O caráter complementar das economias periféricas significa que

elas desempenham um papel útil e funcional à reprodução do sistema. O caráter subordinado significa que o tipo de inserção internacional das economias periféricas é condicionado pelas necessidades das economias centrais, ou seja, é o modo de acumulação das economias centrais que, em última instância, delimita as opções de inserção internacional da periferia.

Dito de outra forma, parte-se do pressuposto de que é possível identificar diferenças marcantes no tipo de inserção internacional desses dois grupos de países (centrais e periféricos). Por sua vez, essas diferenças guardam uma relação hierárquica, ou seja, o tipo de inserção internacional das economias capitalistas periféricas desempenha um papel complementar e subordinado à dinâmica das economias centrais.