• Nenhum resultado encontrado

Capítulo 1 – Dependência e Subdesenvolvimento

1.6. Considerações Finais

Da discussão realizada nas seções anteriores, convém resumir os principais aspectos das abordagens dependentistas, articulando-os para que, de fato, configurem-se como um corpo teórico6. Ademais, alguns desses aspectos merecem ser destacados por sua transcendência temporal, sendo ainda úteis para o entendimento da dinâmica atual do capitalismo.

Em primeiro lugar, deve-se situar a questão da dependência como parte integrante da Economia Internacional. Ou seja, a abordagem da dependência não tem a pretensão de abordar todos os aspectos da Ciência Econômica, focando-se na relação internacional entre os países. E, dessa perspectiva, a mais marcante diferenciação entre essa abordagem e a teoria ortodoxa é a de que a

inserção internacional dos países não é neutra, no sentido de que o tipo de inserção deve ser um

motivo de preocupação primordial da política econômica que não pode ser deixada ao sabor das forças “naturais” ditadas pelas vantagens comparativas. Essa é a grande contribuição teórica da Cepal. Mais que isso, o papel que a periferia desempenha no sistema econômico internacional não só a dificulta galgar melhores indicadores de desenvolvimento econômico e social como contribui para reforçar a dependência. Porém, da leitura de Tavares e Serra (1981), vê-se que a condição de país dependente não é incompatível com períodos de altas taxas de crescimento do PIB, ainda que essas taxas não se traduzam em desenvolvimento social e econômico nem na ruptura da condição periférica.

6

33

Além disso, a dinâmica reflexa dos países periféricos não implica que a influência do centro seja onipotente. Isto é, apesar dos condicionantes emanados do centro restringirem as possíveis trajetórias da periferia, isto não as define plenamente. São as condições internas de cada país periférico – sua história, formação econômica e estrutura de poder – que decidem a forma específica de integração internacional dentro das possibilidades definidas pelo centro. Essa é a principal contribuição da abordagem de Cardoso e Faletto (1984). Assim, apesar de obedecerem ao mesmo mecanismo internacional de acumulação, os países da periferia assumem papeis diferenciados na ordem global o que, por sua vez, faz com que se deparem com obstáculos e alternativas também diferentes para o desenvolvimento e a superação da dependência.

A possibilidade de adotar trajetórias diferentes permite que haja a diferenciação inter-periferia. Isso traz à tona a questão sobre a forma com que os diferentes países da periferia se inter- relacionam. Nesse caso, como mostrado por Marini (2005), aos países periféricos cuja inserção internacional dependente pode se conciliar com o crescimento econômico abre-se a possibilidade de constituir laços com outros países periféricos mais atrasados. O subimperialismo dessa “periferia avançada” torna limitada a interpretação centro-periferia apenas como dois blocos estanques7. É preciso encarar as relações centro-periferia como parte de um continuum em que é possível que o mesmo país seja dependente em relação aos países mais avançados e, ao mesmo tempo, ocupe uma posição central em relação aos países mais atrasados. Já quanto à abordagem de Furtado (1968), apesar das críticas relatadas, este autor é imprescindível ao deixar claro que os desafios para o desenvolvimento vão além da esfera econômica e requerem elevado grau de coesão política em torno de um projeto nacional e participação ativa das forças sociais dos países periféricos, como também mostrou Sampaio Júnior (1999).

Nesta Tese, defende-se que os elementos apontados acima transcendem a época em que foram analisados e configuram-se como características definidoras da abordagem centro-periferia. Entretanto, a forma com que esses elementos se apresentam modifica-se. Isso porque para cada transformação no regime de acumulação capitalista dos países centrais há uma transformação correspondente na periferia que é funcional ao novo regime. Em termos gerais, temos o regime colonial para a acumulação primitiva de capital entre os séculos XVI e XIX; a exportação de produtos primários e a importação de produtos manufaturados para o capitalismo concorrencial no século XIX e a “industrialização tardia” para o capitalismo monopolista regulado do século

7

34

XX. Para cada uma dessas etapas, o capitalismo dos países centrais condicionou a inserção internacional da periferia à suas necessidades de reprodução, o que evidencia o caráter subordinado da dependência.

O fato da teorização da dependência ter sido gestada entre as décadas de 1940 e 1970 levou seus teóricos a se concentrarem na forma então vigente de dependência que, como se propõe, está associada ao surgimento e expansão dos grandes monopólios internacionais e é exercida pelo controle do progresso técnico. Ou seja, é a esfera técnico-produtiva que dá consistência à dominância dos países centrais.

Em razão das assimetrias que caracterizam as relações Centro-Periferia – umas economias controlam a tecnologia de vanguarda e têm a iniciativa de introdução de novos produtos, enquanto as outras se limitam a imitar as correntes de

progresso – as formas de viver e os valores que prevalecem nos países

periféricos estão mais e mais sob o controle de empresas do Centro. (Furtado, 1977, p. 114)

Ademais, como será tratado em detalhes no Capítulo 2, essa expansão pós II Guerra foi feita nos

marcos do sistema de Bretton Woods e do regime de acumulação fordista . A coincidência entre

o período de vigência do fordismo e de Bretton Woods e o período de surgimento e desenvolvimento da abordagem da dependência tem profundas consequências para essa teoria. A hipótese aqui defendida é que os autores da dependência foram profundamente influenciados pela realidade que os rodeava (como aliás, não poderia deixar de ser), realidade esta condicionada pela forma então hegemônica de acumulação e sustentada na arquitetura financeira desenhada em Bretton Woods. A conseqüência é que os mecanismos de dependência analisados por eles estavam em consonância com essa arquitetura. A partir dos anos 1970, o colapso de Bretton Woods e a crise do fordismo requereram a alteração desses mecanismos a fim de se ajustarem ao novo padrão, o padrão do capitalismo liderado pelas finanças, em que a esfera financeira ocupa posição de destaque. Esta tese sustenta que a relação centro-periferia, baseada na dependência

econômica dos países periféricos, não é suprimida, mas recolocada, sob outra forma, pelo regime de acumulação típico do capitalismo financeiro.

Em outras palavras, a forma concreta pela qual se dava a dependência entre os anos 1940-1970 alterou-se a partir dos anos 1980 e início do século XXI. Entretanto a dependência em si, isto é, a relação complementar e subordinada que a periferia mantém com o centro continua existindo sob outra “roupagem”.

35

Finalmente, outro ponto de destaque, comum aos vários autores analisados, é que a condição periférica não é vista como um obstáculo intransponível. Ou seja, classificar um país como periférico não equivale a uma “sentença de condenação perpétua”. Pelo contrário, o objetivo de estudar os mecanismos da dependência é justamente auxiliar no desenho de propostas políticas e econômicas específicas e condizentes com a situação periférica. Sem levar em conta as particularidades periféricas, as ações de política econômica, por partirem de pressupostos incompletos, não serão capazes de lograr êxito.

37