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Divisão inter-periferia em Cardoso e Faletto

Capítulo 1 – Dependência e Subdesenvolvimento

1.3. A Teoria da Dependência

1.3.1. Divisão inter-periferia em Cardoso e Faletto

O ponto inicial da abordagem de Cardoso e Faletto (1984) é a constatação de que o foco nos aspectos estritamente econômicos da dependência, como alegam ter sido feito pelas abordagens anteriores, havia obscurecido seus aspectos eminentemente políticos, levando a simplificações que, ao invés de facilitar, dificultam o entendimento da situação periférica. Uma dessas simplificações é tomar os dois pólos principais, centro e periferia, como blocos monolíticos,

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ignorando-se as especificidades e a luta de classes interna a esses dois blocos básicos. Porém, é exatamente a luta política interna aos países periféricos que faz a mediação entre a economia doméstica e os impulsos econômicos originados nos centros. Isto é, se por um lado as relações externas impõem o leque de trajetórias possíveis de crescimento, a forma concreta, específica que cada país periférico seguirá poderá diferir a depender da correlação de forças internas e da configuração econômica que a respeite.

A problemática sociológica do desenvolvimento implica o estudo das estruturas de dominação e das formas de estratificação social que condicionam os mecanismos e os tipos de controle e decisão do sistema econômico em cada situação particular [...] para permitir a passagem da análise econômica ou da interpretação sociológicas usuais para uma interpretação global do desenvolvimento é necessário estudar desde o início as conexões entre o sistema econômico e a organização social e política das sociedades subdesenvolvidas [...] há que se analisar, com efeito, como as economias subdesenvolvidas vincularam-se historicamente ao mercado mundial e a forma em que constituíram os grupos sociais internos que conseguiram definir as relações orientadas para o exterior que o subdesenvolvimento supõe. (Cardoso e Faletto, obra citada, ps. 24, 25 e 26)

Os autores, então, dividem a América Latina em dois grandes grupos tendo como base a propriedade sob o setor da economia doméstica que se vincula aos países centrais, isto é, os setores dinâmicos, e que, portanto, delimitam as condições dentro das quais a luta política interna à periferia define a especificidade do modelo de crescimento adotado. No primeiro grupo estão os países cuja propriedade do setor dinâmico está diretamente nas mãos de empresas estrangeiras, são as chamadas “economias de enclave”. No outro grupo, estão os países cujo setor dinâmico, por diversas razões historicamente determinadas, está sob o controle de classes nacionais.

a vida política e o perfil das sociedades latino-americanas, assumiram conotações distintas conforme se tratasse de países onde foi possível manter o controle nacional do sistema exportador ou, pelo contrário, naquelas onde a economia de enclave prevaleceu na fase de crescimento para fora (Cardoso e Faletto, obra citada, p. 53)

Especialmente no caso em que o setor dinâmico estava sob controle interno, a construção da relação centro-periferia é mais complexa, uma vez que ela é mediada pelo jogo político interno das classes dominantes para se manterem no poder. Ademais, nesse jogo político estabeleceu-se um arco de alianças que condicionou a evolução posterior do sistema e permitiu o surgimento de uma classe média urbana crescentemente influente. Desse ponto de vista defendido pelos autores, a industrialização deve ser entendida como a resposta desse arranjo político nacional às condições delimitadoras dadas pela economia internacional.

20 A característica distintiva do ‘período de transição’ na América Latina [...] talvez possa ser definida pela presença cada vez mais importante e pela participação crescente das classes médias urbanas e das burguesias industriais e comerciais no sistema de dominação. A expressão política dessa situação manifesta-se através das políticas de consolidação do mercado interno e de industrialização ... essa industrialização representou mais uma política de acordos, entre os mais diversos setores, desde o agrário até o popular-urbano, do que a imposição dos interesses e da vontade de domínio de uma ‘burguesia conquistadora’. (Cardoso e Faletto, obra citada, ps. 90 e 93)

Assim, a industrialização deve ser analisada não pelo seu alegado viés progressista de superação da condição periférica, mas sim por um ângulo conservador em que sua própria existência é explicada pelos acordos e arranjos políticos de manutenção da estrutura de poder. Portanto, é na diversidade de arranjos nacionais que reside a base para a diversidade de estilos de industrialização e inserção internacional observados na América Latina, bem como para o grau e caráter da participação do Estado nesse processo.

Tal como as demais abordagens descritas nas seções anteriores, Cardoso e Faletto destacam os limites da industrialização quando esta ultrapassa sua fase “fácil” (onde predomina a produção de bens de consumo não-duráveis) e começa a adentrar na fase “difícil” (bens duráveis, intermediários e, principalmente, de capital). O dilema enfrentado pelos países periféricos é que o conhecimento técnico e a organização empresarial necessários para seguir adiante na industrialização estão disponíveis apenas nos países centrais e, portanto, a continuidade da industrialização implica maior participação de capitais estrangeiros na economia periférica, o que aumenta a dependência. O aumento da participação de capitais externos na indústria doméstica é chamado de “internacionalização do mercado interno”. Ou seja, deve-se escolher entre o desenvolvimento (entendido para os autores como avanço da diversificação da estrutura produtiva) e a autonomia (que se refere à capacidade dos capitais nacionais liderarem o processo de industrialização “difícil”).

Ao tratar de integrar-se na era da produção industrial relativamente moderna, por intermédio da transferência de capitais externos, e com eles da técnica e da organização produtiva modernas, alguns países da região alcançaram, em graus distintos, a intensificação do processo de industrialização, mas com consequências evidentemente restritivas quanto à autonomia do sistema econômico nacional e às decisões de políticas de desenvolvimento (Cardoso e Faletto, obra citada, p. 129)

Essa linha de pensamento levou os autores a uma polêmica conclusão: se o crescimento pode ocorrer sob as condições de dependência, então, esta não é um obstáculo para aquele. No limite, o aumento da dependência pode ser visto como uma condição necessária para o crescimento uma

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vez que na economia doméstica não há acúmulo tecnológico nem capacidade empresarial (a ausência da “burguesia conquistadora”) para sustentar o avanço da industrialização2

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Salientamos que a situação atual de desenvolvimento dependente não só supera a oposição tradicional entre os termos desenvolvimento e dependência, permitindo incrementar o desenvolvimento e manter, redefinido-os, os laços de dependência (Cardoso e Faletto, obra citada, p. 141)

Porém, cabe destacar que, apesar dessa polêmica, para esta Tese, a importância principal do trabalho de Cardoso e Faletto reside na primeira conclusão do ensaio, qual seja, de que mesmo

sob os mesmos condicionantes externos, cada país periférico pode adotar trajetórias de crescimento diversas a depender da correlação de forças e situação econômica internas.

Torna-se necessário, portanto, definir uma perspectiva de interpretação que destaque os vínculos estruturais entre a situação de subdesenvolvimento e os centros hegemônicos das economias centrais, mas que não se atribua a estes últimos a determinação plena da dinâmica do desenvolvimento ... a análise da dependência significa que não se deve considerá-la como uma ‘variável externa’, mas que é possível analisá-la a partir da configuração do sistema de relações entre diferentes classes sociais no âmbito mesmo das nações dependentes. (Cardoso e Faletto, obra citada, ps. 30 e 31)

Portanto, a condição interna de cada país pode determinar a forma concreta em que se dará a inserção internacional e a relação de dependência cujos limites são estabelecidos pelos países centrais.