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Cerimônias para Ogum

No documento Orixás - Pierre Verger (páginas 43-47)

erimônias dignas de serem mencionadas celebravam-se com regularidade na região de Ahori (no lado nigeriano) ou Holi (no lado daomeano), realizavam-se todas no dia da semana ioruba dedicado a Ogum, ou seja, de quatro em quatro dias. Os Ose nla (grandes domingos) alternavam se com os Ose kékeré (pequenos domingos); os primeiros tinham mais esplendor que os outros. Esta região Ahori-Holi ficava relativamente

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preservada da ação civilizadora das administrações coloniais e daquelas que as sucederam. A estrada que atravessa Holi, ligando Kêto ao sul de ex-Daomé, só foi aberta em 1953, em virtude da natureza pantanosa de algumas partes dessa região, ou seja, apenas sete anos antes da independência desses paises. Citamos, a seguir, alguns dos numerosos templos de Ogum nessas passagens:

Ogún Igiri em Adja Were, Ogún Edeyi em Ilodo,

Ogún Ondó em Pobê em Igbó-Isso e em Irokonyi, Ogún Igboigbo em Ixedé,

Ogún Elénjo em Ibanion e em Modogan, Ogún Agbo em Ixapo,

Ogún Olópe em Ixedé Ije,

Ogún Abesan em Ibanigbe Fuditi

Trata-se de um só e único Ogum, cujo segundo nome designa ou o lugar de origem, como Ondô, ou o nome do fundador, ou, ainda, o nome de uma divindade como no último da relação, para qual ele serve de guardião. O aspecto desses templos era notável. Situados, geralmente, em lugares calmos e isolados, no meio de uma clareira cercada de árvores frondosas. Apresentavam a forma semelhante a de uma cabana redonda, com telhado cônico e pontiagudo, precedidos por uma galeria ornada com pilastras esculpidas. Construídos com materiais locais: engradamento de madeira, telhado de palha ou de folhas de palmeira trançadas, paredes feitas de bambu. Os templos dedicados a Ogún Ondô eram de estilo diferente. Todos eles tinham em comum o telhado de cumeeira alta, com duas águas descendo quase até o chão. Vistos de frente, pareciam uma muralha elevada, tendo, ao nível do solo, uma entrada cuja verga era tão baixa que só se podia penetrar no interior do templo curvando-se muito, de maneira respeitosa, ou então rastejando-se com apoio dos cotovelos e joelhos. O templo de Igbo-Isso, apresentado neste trabalho, perto de Aba, conservou essas características. O de Podê, que conhecemos em 1936, era um edifício majestoso com telhados de palha, alto e pontudo, mas, infelizmente, católicos zelosos, estimulados pelos sermões “incendiários” de um reverendo missionário que, do púlpito, esbravejava sempre contra as religiões pagãs, julgaram por bem “ajudar a providência” ateando fogo ao templo de Ondó numa noite de verão. Foi uma bela fogueira cuja consequência foi a reconstrução do templo, com material à prova de fogo, coberto por um telhado de zinco ondulado, semelhante a um galpão ou um galinheiro. Para dar graça ao conjunto e, ao mesmo tempo, amedrontar os incendiários, desenharam, acima da porta, dois leopardos mostrando todas as suas garras. As cerimônias Ose nlà, em Ògún Ondó, realiza-se numa grande praça, de cerca de cem metros de comprimento por trinta de largura, que era antigamente, uma clareira no meio de uma floresta. Com o tempo essa floresta ficou reduzida a uma estreita faixa de

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árvores, formando uma cortina medíocre entre o recinto sagrado e a cidade. O templo de Ondó esta situado em um dos lados maiores do retângulo. Defronte, encontra-se outro templo menor e circular, dedicado a Arè, e no fundo, onde devia ser antigamente a entrada da clareira, um templo igualmente circular, de Èsù Elegbára. Este conjunto se completa por dois pequenos cercados quadrados, de cinquenta centímetros de lado, chamados idomosun. Num deles, no começo da cerimônia, colocam-se o osun de cada um dos principais dignitários; o outro é reservado ao osun de Olúponahá ainda, em diversos locais, troncos de árvores deitados no chão, servindo de assento aos diversos participantes da cerimônia. Os principais oficiantes do culto de Ògún Ondó são:

Aláàsé, responsável pelo àxé do Orixá. Ele não entra em transe e seu papel é semelhante ao dos Mogbà Sangó, do qual trataremos mais adiante. Aláàsé era antigamente o chefe religioso mais importante da comunidade e é, ainda, saudado com um título de Kábiyèsí, reservado aos reis. Ele senta-se durante a cerimônia ao lado do templo de Ògún Ondó

Saba que é assistente de Aláàsé, entra em transe de possessão por Ògun Ondó durante o osé Okere, assistente de Saba; são dois em geral, e ambos são possuídos (montados por gùn) por Ògún Ondó. Se sentam lado a lado, perto do idomosum

Isa, que cuida de Arè e toma lugar perto do seu templo, é durante a cerimônia possuído por esta divindade

Olápòna, que se ocupa de Exu e senta-se perto do seu templo, é por ele possuído por ele muitas vezes, é acompanhado por um Olápòna de um outro templo de Ogún, vindo de alguma cidade vizinha.

Há ainda cerca de outros vinte olóyè, portadores de títulos, que não entram em transe e têm, cada um deles, seu lugar reservado, de onde assistem a cerimônia e dela participam. Entre eles há os egbenlá, os soldados de Ogum, armados com grandes facões e longos bastões. Duas mulheres consagradas a Dúdúa, nome dado na região a Òrìsàálá, sentam-se perto dos Okere, mas permanecem como meras espectadoras e contentam-se em bater em instrumentos de ferro, em sinal de respeitosa atenção, nos momentos mais solenes. Há ainda as ìyàwó (iaôs) de Ondó, que cantam em seu louvor. Ao lado do templo de Are instala-se o conjunto, composto de três atabaques e um agogô. Os atabaques são: uma aposi, pequeno tambor em terracota; um ogidan, tambor alongado colocado rente ao chão; e o kele, pequeno tambor com pés. Os participantes do osé de Ògún Ondó chegam de manha cedinho. Aláàsé, Saba, os Okere, Isa ou os Olúpona vestem-se com um pano colorido, amarrado no ombro direito. Têm na cabeça um gorro de palha pontudo, enfeitado com grandes penas de galo e penas vermelhas da cauda de papagaios. Os pulsos são ornados

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com numerosas pulseiras de contas de vidro de diversas cores. Eles trazem numa das mãos seus osun de ferro que vão colocar no idomosun. Na outra mão, tem um facão e dois grandes chocalhos (ààjà), que são batidos um no outro enquanto caminham. Olúpona traz ainda um ogo, bastão esculpido de forma fálica. Todos vão se sentar em seus respectivos lugares, com ar severo e recolhido. As ìyàwó de Ògún Ondó em seguida trazendo oferendas de alimentos para as divindades: Ògún Ondó, Are e Èsù. As grandes gamelas são colocadas nas portas dos três templos. Saba, ajudado pelos Okere, Isa e os Olúpona levantam-se com a cabeça descoberta, deixando seus gorros, ààjà e facões em seus respectivos lugares e entram em atividade, nos seus templos respectivos, colocados ali uma parte das oferendas preparadas com inhame e feijão, regadas com azeite-de-dendê. Põem uma porção desses alimentos em seus osun para que os antigos titulares do posto, atualmente ocupados por eles, participem também da festa. Em seguida, fazem oferendas de divindade para divindade e para os diversos olóyè. Isso provoca uma série de idas e vindas em que cada divindade recebe, em troca de seus donativos, um contra donativodos dois outros. Resulta desses intercâmbios uma refeição comunitária em que participam todos os espectadores do ose. Os oficiantes do culto consultam as divindades utilizando nozes de cola para verificarem se os deuses estão satisfeitos, em seguida alguns dos dignitários vão se reunir em um local que era outrora uma clareira adjacente, para deliberarem e comentarem o resultado das consultas. Ao cabo de certo tempo, voltam e sentam-se nos lugares que lhe são reservados. Um período de calma sucede a toda essa agitação, após o que, os músicos entram em ação. Executam uma série de invocações. Aláposi bate alguns compassos em seu tambor aposi, que está preso entre seus joelhos; Ológidan, cavalgando seu instrumento ogidan colocado no chão, o acompanha. Esses dois tambores formam um conjunto falante, emitem sons ondulados, de acordo com a pressão mais ou menos intensa de uma das mãos do executante sobre os couros dos tambores, invocando os deuses. O terceiro tambor, kele, está no chão, diante de Oníkele, que nele bate com duas varetas numa cadência extremamente rápida. Vez por outra ele é substituído por um dos seus assistentes, que mantém o ritmo, com a mesma cadência acelerada, criando com seu tom agudo uma atmosfera de tensão nervosa que, em certos momentos, torna-se quase insuportável. O conjunto toca assim, por períodos interrompidos por curtos e repentinos momentos de silêncio. Essas interrupções contribuem para criar uma sensação de ansiosa expectativa. Na sétima vez, os Olúpona dão um grito estridente. A expressão de seus rostos transforma-se. Põem gorro pontudo, pegam seus ààjà e seus ogo, com eles tocam três vezes o chão e levantam-se de um salto. Seus gritos são retomados por Saba, pelos dois Okere, sentados lado a lado, e por Isa. Enquanto os atabaques fazem suas chamadas, todos passam pelas mesmas fases de tensão e de concentração progressivas. Apertam nervosamente suas mãos, com os dedos entrelaçados, seus músculos se contraem, baixam a cabeça, fazem a testa e cerram os dentes. São, então, possuídos respectivamente por Èsù, Ògún Ondó e Are. Cada um deles dá um grito estridente e levanta-se de um só impulso, saltando muito alto, e vão,

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apressadamente, reunir-se diante do templo de Ògún Ondó. A expressão dos rostos mudou de novo. Agora estão com um ar descontraído, folgazão e vagamente alegre, balançando a cabeça e resmungando frases inacabadas. Caminham com passos irregulares, desajeitadamente, levantando muito os pés. Quando param, eles se estremecem e oscilam para frente e para trás, bem devagar. O conjunto toca sem parar, mas em surdina. Os elégùn, possuídos pelos deuses, com Olúpona à frente, partem em fila e correm ofegantes, com o corpo inclinado para frente e arrastando os pés. Vão em direção à entrada da clareira e a outros lugares, parando um momento agitado seus ààjà, saúdam os quatro cantos do mundo. Em seguida, vão cumprimentar Aláàsé, que esta sentado perto do templo de Ògún Ondó. Aproximam-se um a um, passam cuidadosamente seus ààjà e seu facão para a mão direita e com a esquerda apertam a de Aláàsé, sacudindo-a com força. Tocam três vezes o chão com seus ààjà, entrechocam-nos com força e regularidade e executam, assim uma verdadeira música de ferreiros que lembra o som do martelo batendo sobre uma bigorna. Formulam, com voz de falsete votos de prosperidade e de felicidade. Vão em seguida saudar da mesma forma todos os dignitários, os tocadores de atabaques, os egbenlá e os ìyàwó de Ògún Ondó. O ritmo da música transforma-se e torna-se cada vez mais rápido. Os elégùn começam então a dançar, lado a lado, como numa quadrilha e seguindo, cuidadosamente o compasso marcado pela música, indo do templo de Ondó ao de Are. Recuando, voltam ao ponto de partida e continuam dançando durante um bom tempo, um pouco pesadamente e em diversas direções, marcando seus movimentos com o som de sinos entrechocados. A música pára e os elégùn também. Passam a caminhar de um lado para o outro, com passos ora apressados, ora indolentes, mas sempre desajeitados e hesitantes. Eles profetizam, cantarolam e alternadamente sorriem ou ficam carrancudos; levantam as sobrancelhas, arregalam os olhos ou, com ar beato, exprimem votos aos presentes. Por fim, vão se sentar em seu lugar habitual, resignadamente, com a cabeça baixa e o queixo encostado no peito. Por instantes são agitados por tremores, mas pouco a pouco, voltam a si e retomam sua expressão e comportamentos habituais. Para os fon do Daomé, Gun desempenha o mesmo papel que Ogun dos iorubas, mas como Odùdùa, é desconhecido em Abomey. Gun, aí, é considerado o filho de Lisa e Mawu, versão fon de Orìsàálá e Yemowo. Maximilien Quénum o compara a Legba e assinala sua presença diante das forjas. Christian Merlo indica que todos os templos têm seu Gun, cuja virtude é fortificar o vodun.

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