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OGUM (ÒGÚN) Ògún na África

No documento Orixás - Pierre Verger (páginas 40-43)

gum, como personagem histórico, teria sido o filho mais velho de Odùduà, o fundador do Ifé. Era um temível guerreiro que brigava sem cessar contra os reinos vizinhos. Dessas expedições, ele trazia sempre um rico espólio e numerosos escravos. Guerreou contra a cidade de Ará e a destruiu. Saqueou e devastou muitos outros Estados e apossou-se da cidade de Ire, matou o rei, aí instalou seu próprio filho no trono e regressou glorioso, usando ele mesmo o título de:

“Oníìré” (Rei de Ire)

O

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Por razões que ignoramos, Ogum nunca teve direito de usar uma coroa (adé), feita com pequenas contas de vidro e ornada por franjas de miçangas, dissimulando o rosto, emblema da realeza para os iorubas. Foi autorizado a usar um simples diadema, chamado àkòró, e isso lhe valeu ser saudado, até hoje sob os nomes de Ògún Oníìré e Ògún Aláàkòró inclusive no Novo Mundo, tanto no Brasil como em Cuba, pelos descendentes dos iorubas trazidos para esses lugares. Ogum teria sido o mais enérgico dos filhos de Odùduà e foi ele que se tornou regente do reino de Ifé quando Odùduà ficou temporariamente cego. Ogum decidiu, depois de numerosos anos ausente de Irê, voltar para visitar seu filho. Infelizmente, as pessoas celebravam, no dia da sua chegada, uma cerimônia em que os participantes não podiam falar sob nenhum pretexto. Ogum tinha fome e sede; viu vários potes de vinho de palma, mais ignorava que estivessem vazios. Ninguém o havia saudado ou respondido às suas perguntas. Ele não era reconhecido no local por ter ficado ausente por muito tempo. Ogum, cuja paciência é pequena, enfureceu-se com o silêncio geral, por ele considerado ofensivo. Começou a quebrar com golpes de sabre os potes e, logo depois, sem poder se conter, passou a cortar as cabeças das pessoas mais próximas, até que seu filho apareceu, oferecendo-lhe as suas comidas prediletas, como cães e caramujos, feijão regado com azeite-de-dendê e potes de vinho de palma. Enquanto saciava sua fome e sua sede, os habitantes de Ire cantavam louvores onde não faltavam a menção a Ògúnjajá, que vem da frase:

“Ògún je aja”

(Ogum come cachorro)

O que lhe valeu o nome de Ògúnjá. Satisfeito e acalmado Ogum lamentou seus atos de violência e declarou que já vivera bastante. Baixou a ponta de seu sabre em direção ao chão e desapareceu pela terra adentro com uma barulheira assustadora. Antes de desaparecer, entretanto, ele pronunciou algumas palavras. A essas palavras, ditas durante uma batalha, Ogum aparece imediatamente em socorro daquele que o invocou. Porém elas não podem ser usadas em outras circunstâncias, pois, se não encontra inimigos diante de si, é sobre o imprudente que Ogum se lançará. Como Orixá, Ogum é o deus do ferro, dos ferreiros e de todos aqueles que utilizam esse material: agricultores, caçadores, açougueiros, barbeiros, marceneiros, carpinteiros, escultores. Desde o início do século, os mecânicos, os condutores de automóveis ou de trens, os reparadores de velocípedes e de máquinas de costura vieram juntar-se ao grupo de seus fiéis. Ogum é único, mas, em Ire, diz-se que ele é composto de sete partes. Ògún méjeje lóòde Ire, frase que faz alusão as sete aldeias, hoje desaparecidas, que existiam em volta de Ire. O número 7 é, pois, associado a Ogum e ele é representado, nos lugares que lhe são consagrados, por instrumentos de ferro, em número de sete, catorze ou vinte e um, pendurados numa haste horizontal, também de ferro: lança, espada, enxada, torquês, facão, ponta de flecha e enxó, símbolos de suas atividades. Uma história de Ifá,

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publicada em outra obra, explica como o número 7 foi relacionado a Ogum e o número 9 a Oiá-Iansã. Conta a lenda: Oiá era companheira de Ogum antes de se tornar a mulher de Xangô. Ela ajudava o deus dos ferreiros nos seus trabalhos; carregava docilmente seus instrumentos, da casa à oficina, e aí ele manejava o fole para ativar o fogo da forja. Um dia, Ogum ofereceu a Oiá uma vara de ferro, semelhante a uma de sua propriedade, e que tinha o dom de dividir em sete partes os homens e em nove as mulheres que por ela fossem tocados no decorrer de uma briga. Xangô gostava de vir sentar-se à forja a fim de apreciar Ogum bater o ferro e, frequentemente, lançava olhares Oiá; esta, por seu lado, também o olhava furtivamente. Xangô era muito elegante, muito elegante mesmo, afirmava o contador da história. Seus cabelos eram trançados como os de uma mulher e usava brincos, colares e pulseiras. Sua imponência e seu poder impressionaram Oiá. Aconteceu, então, o que era de se esperar: um belo dia ela fugiu com ele. Ogum lançou-se a sua perseguição, encontrou os fugitivos e brandiu sua vara mágica. Oiá fez o mesmo e eles se tocaram ao mesmo tempo. E, assim Ogum foi dividido em sete partes e Oiá em nove, recebendo ele o nome de Ògún Mejé e ela o de Iansã, cuja origem vem de Iyámésàn a mãe (transformada em) nove. Ogum é também representado por franjas de folhas de dendezeiros devidamente desfiadas, chamadas màrìwò. Elas serviam de vestimenta aos Igbá Imolè, os duzentos deuses da direita, dos quais fala Epega, aqueles que, tendo se conduzido mal, foram destruídos por Olodumaré, com exceção de Ogum, que se tornou assim o guia, o condutor dos Irun Imolè, os quatrocentos deuses da esquerda, os únicos, segundo ainda Epega, de que se pode falar sem perigo. Esses màrìwò, pendurados acima das portas e janelas de uma casa ou à entrada dos caminhos, representam proteção, barreiras contra as más influências. Os lugares consagrados a Ogum ficam ao ar livre, na entrada dos palácios dos reis e nos mercados. Estão presentes também na entrada nos templos de outros Orixás. São geralmente pedras em forma de bigorna colocadas perto de uma grande árvore, àràbà ou protegidas por uma cerca de plantas nativas chamadas pèrègùn ou de akòro. Nesses locais, periodicamente, realizam-se sacrifícios de cachorros e galos, acompanhados de oferendas de vinho de palma e pratos de feijão e inhame cozidos e regados com azeite-de-dendê. O culto de Ogum é bastante difundido no conjunto dos territórios de língua ioruba e em certos países vizinhos, gêges, como o ex-Daomé e o Togo, onde é chamado de Gun. Ogum é, provavelmente, o deus ioruba mais respeitado e temido. Tomá-lo como testemunha no decorrer de uma discussão, tocando com ponta da língua a lâmina de uma faca, ou um objeto de ferro, é sinal de sinceridade absoluta. Um juramento feito evocando-se o nome de Ogum é o mais solene e digno de fé que se possa imaginar, comparável àquele que faria um cristão sobre a Bíblia ou um mulçumano sobre o Corão. A vida amorosa de Ogum foi muito agitada. Ele foi o primeiro marido de Oiá, aquela que se tornaria mais tarde mulher de Xangô. Teve, também relações com Oxum antes que ela fosse viver com Oxossi e com Xangô. E também com Obá, a terceira mulher de Xangô, e Eléfunlósunlórí, aquela que pinta sua cabeça com pós brancos e vermelhos, a mulher de Òrìsà Oko. Teve numerosas aventuras galantes durante

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suas guerras, tornando-se, assim, pai de diversos Orixás, como Oxossi e Oranian. A importância de Ogum vem do fato de ser ele um dos mais antigos dos deuses iorubas e, também, em virtude da sua ligação com os metais e aqueles que os utilizam. Sem sua permissão e sua proteção, nenhum dos trabalhos e atividades úteis e proveitosas seriam possíveis. Ele é, então e sempre, o primeiro e abre o caminho para os outros Orixás. Entretanto, certos deuses mais antigos que Ogum, ou originários de países vizinhos aos iorubas, não aceitam de bom grado essa primazia assumida por Ogum, o que deu origem a conflitos entre ele e Obaluaê e Nanã Buruku, dos quais falaremos mais adiante. Os oríkì de Ogum demonstram seu caráter aterrador e violento:

“Ogum que, tendo água em casa, lava-se com sangue Os prazeres de Ogum são os combates e as lutas Ogum come cachorro e bebe vinho de palma Ogum, o violento guerreiro,

O homem louco com músculos de aço,

O terrível ebora que se morde a si próprio sem piedade. Ogum que come vermes sem vomitar

Ogum que corta qualquer um em pedaços mais ou menos grandes Ogum que usa um chapéu coberto de sangue

Ogum, tu és o medo na floresta o temor dos caçadores Ele mata o marido no fogo e a mulher no fogareiro Ele mata o ladrão e o proprietário da coisa roubada

Ele mata o proprietário da coisa roubada e aquele que critica esta ação Ele mata aquele que vende um saco de palha e aquele que o comprar”.

Mas os guerreiros, mesmo os valorosos, têm algumas vezes momentos de fraqueza. Uma lenda africana nos conta como Ogum, voltando de uma guerra, em companhia de sua mulher, deixa-se atemorizar pelo coaxar das rãs, e como ele cortou a cabeça de sua mulher, que o havia humilhado contando essa aventura em público. Essa mesma lenda foi publicada por Lydia Cabrera, que a recolheu em Cuba.

No documento Orixás - Pierre Verger (páginas 40-43)