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XANGÔ (SÀNGÓ) Sàngó na África

No documento Orixás - Pierre Verger (páginas 87-89)

angô, como todos os outros imolè (Orixás e ebora), pode ser descrito sob dois aspectos: histórico e divino. Como personagem histórico, Xangô teria sido o terceiro “Aláàfìn Òyó” (Rei de Oyó), filho de Oranian e Torosi, a filha de Elempê, rei dos tapás, aquele que havia firmado uma aliança com Oranian. Xangô cresceu no país de sua mãe, indo instalar-se, mais tarde, em Kòso (Kossô), onde os habitantes não o aceitam por causa de seu caráter violento e imperioso; mas ele conseguiu, finalmente, impor-se pela força. Em seguida, acompanhado pelo seu povo, dirigiu-se para Oyó, onde estabeleceu um bairro que recebeu o nome de Kossô. Conservou, assim, seu título de Oba Kòso, que, com o passar do tempo, veio a fazer parte de seus oríkì. Dadá-Ajaká, filho mais velho de Oranian, irmão consanguíneo de Xangô, reinava então em Oyó. Dadá é o nome dado pelos iorubas às crianças cujos cabelos crescem em tufos que se frisam separadamente. Ele amava as crianças, a beleza das artes; de caráter calmo e pacífico e não tinha a energia que se exigia de um verdadeiro chefe dessa época. Xangô o destronou e Dadá-Ajaká exilou-se em Igboho, durante sete anos de reinado de seu meio-irmão. Teve que se contentar, então, em usar uma coroa feita de búzios, chamada adé de baàyàni. Depois que Xangô deixou Oyó, Dadá-Ajaká voltou a reinar. Em contraste com a primeira vez, ele se mostrou agora valente guerreiro, voltou-se contra os parentes da família materna de Xangô, atacando os tapás. Frobenius pensava que houvesse dois Xangôs de origens diferentes: o mais velho seria Sàngó-Tápà de origem nupê (um outro nome que designa os tapas), tendo o carneiro como símbolo, o mais novo seria Sàngó-Mési, de origem borgu (bariba), representado por um guerreiro montado a cavalo. Porém, parece que Frobenius interpretou mal o que poderia lhe ter sido dito, pois, se seu Sàngó-Tápà corresponde a Xangô, terceiro Aláàfìn Oyo, nascido em território tapa, Sàngó-Mési pertencia a uma época posterior ao seu reino. O que poderia ter provocado o erro de Frobenius é, de um lado, o fato de que existiam os Oyo Mési, os sete conselheiros principais de Aláàfìn Oyo (fazedores de reis), e, por outro lado, o povo de Oyó tornou-se famoso por sua cavalaria, organizada quatro reinos depois de Ajaká, na época do Aláàfìn Onìgbogi, o que não, impediu, entretanto, que suas tropas fossem batidas pelos tapas, com os quais as relações estavam tensas desde a morte de Xangô. Aláàfìn Onìgbogi teve que fugir para Gberê, em território bariba, onde ficou em exílio, como, alias seu sucessor. Mais tarde, quatro outros Aláàfìn sucessivos viveram em Igboho, perto do território bariba. Esses acontecimentos históricos, posteriores ao reinado de Xangô, puderam fazer crer na existência de um Sàngó-Mési-Bariba, quando, na realidade, tratava de três sucessores em exílio. Xangô, no seu aspecto divino, permanece filho de Oranian, divinizado, porém, tendo Yamase como mãe e três divindades como esposas: Oiá, Oxum e

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Oba. Xangô é viril e atrevido, violento e justiceiro; castiga os mentirosos, os ladrões e os malfeitosos. Por esse motivo, a morte pelo raio é considerada infamante. Da mesma forma uma casa atingida pelo raio é uma casa marcada pela cólera de Xangô. O proprietário deve pagar pesadas multas aos sacerdotes do Orixá que vem procurar nos escombros os edùn àrá (pedras de raio) lançados por Xangô e profundamente enterrados no local onde o solo foi atingido. Esses edùn àrá (na realidade, machados neolíticos) são colocados sobre um pilão de madeira esculpida (odó), consagrado a Xangô. Tais pedras são consideradas emanações de Xangô e contêm o seu àsé, o seu poder. O sangue dos animais sacrificados é derramado, em parte, sobre suas pedras de raio para manter-lhes a força e o poder. O carneiro, cuja chifrada tem a rapidez do raio; é o animal cujo sacrifício mais lhe convém. Fazem-lhe também oferendas de amalá, iguaria preparada com farinha de inhame regada com um molho feito com quiabos. É, no entanto, formalmente proibido oferecer-lhe feijões brancos de espécie sèsé. Todas as pessoas que lhe são consagradas estão sujeitas à mesma proibição. O símbolo de Xangô é o machado de duas laminas estilizado, osé (oxé), que seus elégùn trazem nas mãos quando em transe. Lembra o símbolo de Zeus em Creta. Esse oxé parece ser a estilização de um personagem carregando o fogo sobre a cabeça; este fogo é, ao mesmo tempo, o duplo machado e lembra, de certa forma, a cerimônia chamada ajere, na qual os iniciados de Xangô devem carregar na cabeça uma jarra cheia de furos, dentro da qual queima um fogo vivo. Eles não se sentem incomodados por este fardo ardente, demonstrando, através desta prova, que o transe não é simulado. Os iniciados passam, em seguida, por uma outra prova, chamada àkàrà, durante qual engolem mechas de algodão embebidas em azeite-de-dendê em combustão. É uma referência à lenda, segundo a qual Xangô tinha o poder de escarrar fogo graças a um talismã que ele mandara Oiá-Iansã buscar no território bariba. Os adeptos de Xangô seguram nas mãos um instrumento musical utilizado apenas por eles, o sere (xerê), feito de uma cabaça alongada e contendo no seu interior pequenos grãos. Convenientemente sacudido durante a recitação dos louvores de Xangô, esse instrumento imita o ruído da chuva. Algumas vezes, os elégùn usam também, a tiracolo, um làbà (uma bolsa grande em couro ornamentado), no qual Xangô guardaria seus edùn àrá, que se lança sobre a terra durante as tempestades. Tambores de uma forma particular, chamados bàtá, do qual falaremos ainda adiante, são utilizados para acompanhar as danças. Um testemunho da elegância, do garbo de Xangô e das suas maneiras galantes, com as quais seduziu Oiá-Iansã, a mulher de Ogum, é dado numa história do Ifá já mencionada num capítulo precedente: Entre os clientes de Ogum, o ferreiro, havia Xangô, que gostava de ser elegante, a ponto de trançar seus cabelos como os de uma mulher. Havia feito furos nos lóbulos de suas orelhas, onde usava sempre argolas. Ele usava colares de contas. Ele usava braceletes. Que elegância! Esse homem era igualmente poderoso por seus talismãs. Era guerreiro por profissão. Não fazia prisioneiros no decurso de suas batalhas (matava todos os seus inimigos). Por essa razão, Xangô é saudado: “Rei de Kossô, que age

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com independência!” Outras saudações que seus fies lhe dirigem têm certa graça e mostram a sua forte personalidade:

“Ele ri quando vai à casa de Oxum Ele fica bastante tempo em casa de Oiá Ele usa um grande pano vermelho

Oh! Elefante que caminha com dignidade! Meu senhor, que cozinha o inhame

com ar que escapa de suas narinas

Meu senhor, que mata seis pessoas com uma só pedra de raio Se franze o nariz, o mentiroso tem medo e foge”

Xangô é o irmão mais jovem, não somente de Dadá-Ajaká como também de Obaluaê. Entretanto, ao que parece, não são os vínculos de parentesco que permitem explicar a ligação do deus do trovão e o das doenças contagiosas, mas sim, prováveis origens comuns em Tapá. Neste lugar, Obaluaê seria mais antigo que Xangô, e, por deferência para com o mais velho, em certas cidades como Saketê e Ifanhim são sempre feitas oferendas a Obaluaê na véspera da celebração das cerimônias para Xangô.

No documento Orixás - Pierre Verger (páginas 87-89)