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Um estilo que predominou na época do cinema industrial brasileiro foi a Chanchada carioca, que deixa resquícios até os dias de hoje. A chanchada era caracterizada pela comédia de tipos, e inicialmente se manifestou em histórias carnavalescas como em Carnaval Atlântida (1952), Alegria de Viver (1953), Carnaval em Marte (1955), Rio Fantasia (1957) entre outros.

O cinema brasileiro, através das comédias produzidas principalmente no Rio de Janeiro, marcou esse espaço de inserção do homem simples brasileiro em suas narrativas e na constituição do mercado consumidor para os filmes. Jogando habilmente com o processo de identificação

54 entre o mundo da tela e o universo do espectador, a comédia carioca, em sua recriação do real, consagrou tipos populares como herói espertalhão e desocupado, os mulherengos e preguiçosos, as empregadas domésticas e as donas de pensão, os nordestinos migrantes, além de outros tipos que viviam os dramas e a experiência do desenvolvimento urbano. (Ramos, 1987:174)

Os produtores cineastas notaram que a audiência nos cinemas crescia a cada ano e, a partir de 1952, as chanchadas com temática carnavalesca eram esperadas com entusiasmo pelo público no início de fevereiro.

Um reflexo dessa cultura da espera, que cria uma sazonalidade cinematográfica, se estendeu durante os anos de 1980 até meados dos anos de 1990. O cinema nacional conseguiu repetir a façanha de conquistar um público cativo, mesmo que por um pequeno período de tempo – dessa vez durante os meses de janeiro e julho –, com o mesmo estilo de comédia que consagrou a chanchada, agora com novos olhares, novas tecnologias e novos atores: os Trapalhões.

Com a possibilidade de grandes lucros no período de férias dos estudantes, o cinema não encontrou, durante vinte anos, entraves que atrapalhassem as produções de comédias circenses com os tipos mais caricatos da televisão brasileira. O roteirista mais destacado dos filmes que traziam o quarteto cômico como elenco principal das suas histórias foi José Gilvan Pereira, que roteirizou mais de dez filmes, entre eles Robin Hood: o Trabalhão da Floresta (1974), Os Saltimbancos Trapalhões (1981), Os Vagabundos Trapalhões (1982), Os Trapalhões na Serra Pelada (1982), Atrapalhado a Suate (1983), Os Trapalhões e o Mágico de Oroz (1984).

Com receio de “cansar” os telespectadores com suas massivas aparições no cinema, e com a morte dos integrantes Mussum e Zacarias, o cinema de comédias sazonais repassa as produções para Xuxa Meneguel, que, junto com os Trapalhões, vai ganhando aceitação do público cinematográfico nessa fase de transição com filmes como Os Trapalhões no Reino da Fantasia (1985), A Princesa Xuxa e os Trapalhões (1989). Nesse período, Xuxa segue carreira solo com Super Xuxa contra o Baixo Astral (1988), Lua de Cristal (1990), Xuxa Requebra (1999). Com a retomada do cinema no início dos anos 2000, o cinema sazonal ainda insistia em Xuxa nos filmes Xuxa e os Duendes 1 e 2 (2002) e Xuxa Abracadabra (2003). Porém, a produção cinematográfica atual já não lucra mais com as ficções infantojuvenis, dando lugar a uma pluralidade temática com histórias mais atrativas para o novo público.

55 Mais ou menos de 2005 em diante, as histórias cômicas tomam um novo rumo. Os cineastas apontam para uma construção narrativa que atente os interesses do atual público, que busca tramas sintonizadas com as comédias hollywoodianas, ou seja, as comédias românticas e os filmes de ação com elementos humorísticos. Essa mistura de gêneros trazida pela excessiva distribuição dos filmes norte-americanos acarretava boas bilheterias ao redor do mundo, e os cineastas brasileiros encontraram nessa fórmula uma maneira de dar continuidade à comédia vinda com a chanchada nos anos de 1920.

Alguns exemplos dessa “adaptação” das comédias norte-americanas encontram- se em E se Eu Fosse Você (2006), que usa do toque cômico da mudança de corpos muitas vezes escrito e reescrito para acompanhar a evolução das gerações yankees nos filmes Um Espírito Baixou em Mim (All of Me/1986), Tal Pai, Tal Filho (Like Father, Like Son/1987), Sexta-Feira Muito Louca (Freaky Friday/2003), A Garota Veneno (The Hot Chick/2003) entre outros. Da mesma maneira vemos Loucas Para Casar (2014), que segue um humor muito próximo ao de Clube das Desquitadas (The First Wives Club/ 1996), e também notamos nuances parecidas entre Os Caras de Pau em o Misterioso Roubo do Anel (2014) e Johnny English (2003).

As comparações acima são algumas das muitas tentativas de o cinema brasileiro imitar o norte-americano, uma vez que o público do Brasil sempre teve certa rejeição aos filmes produzidos em seu próprio país, um estigma construído desde os anos de 1920 que atualmente busca-se ultrapassar.

Embora surjam alguns cineastas capazes de igualar o nível técnico estrangeiro, já não é possível no pós-guerra afirmar-se diante de monopólios solidamente industriais. As dificuldades habituais soma-se a incapacidade de elaborarmos um gênero de cinema que conquistasse o público, a essa altura acostumado ao cinema norte-americano e estranhando os nossos produtos mesmo quando tentam imitar o concorrente. Devido à sua marginalidade econômica e à inautenticidade dramática, nosso público não consegue se reconhecer nos filmes nacionais, num ciclo vicioso que põe em cheque sua subsistência. (Ramos, 1987:107)

Assim, fica evidente que, como vimos no primeiro capítulo, muitos fatores podem influenciar o processo de criação de um roteiro. Sob o ponto de vista nacional, além da tecnologia e das ideologias nacionais, tais como a ditadura, o populismo, o nacionalismo etc., outro fator de forte atribuição dos maneirismos, da estrutura e da

56 forma narrativa dos roteiros está na predominante “invasão” do mercado hollywoodiano no país.

Para muitos cineastas, essa miscigenação se torna dúbia e problemática: um país que se preocupa em roteirizar histórias nacionalistas, porém com fortes tendências estrangeiras. Entretanto, para os cineastas, os princípios do vender e de gerar lucros estão conectados aos critérios estipulados pela massa, que, nesse caso, também se torna uma influência para a escrita do roteiro.

A cultura de massa e a cultura popular são conceitualmente diferenciáveis, mas também mutuamente imbricadas; é a dinâmica tensa e ativa entre ambas que define o momento contemporâneo. O apelo da mídia deriva, em um certo sentido, de sua capacidade de mercantilizar a memória popular e a esperança de uma futura communitas igualitária. A mídia procura assim substituir a gargalhada visceral do carnaval pelo aplauso enlatado das festividades simuladas, retendo apenas traços inócuos da energia subversiva original. Seja qual for a sua orientação política, a cultura popular encontra-se agora integralmente imbricada na tecnocultura globalizada transnacional. Faz sentido, portanto, percebê-la como plural, como uma instância de negociação entre diversas comunidades inscritas em um processo conflituoso de produção e consumo. (Stam, 2003:342-343)

A influência norte-americana contribui fortemente com os olhares dos diretores, montadores e roteiristas brasileiros. Seu modo artístico-industrial de ver o filme, ritmá- lo e escrevê-lo se tornam referência para os cineastas no Brasil.

Sob essa perspectiva, o cinema brasileiro tentou encontrar uma forma de construir um olhar singular em sua cinematografia, e durante quase quinze anos encontrou na pornochanchada uma nova forma de atrair maior bilheteria. Uniu os preceitos humorísticos da chanchada à leve pornografia – outro elemento de grande interesse do público adulto –, que entre os anos de 1970 e 1980 eram os maiores consumidores de cinema do país. É importante entendermos, conforme argumenta Ramos (1987: 406), que esse gênero supostamente brasileiro não é exclusivo dos roteiristas daqui; ele tem “influências de filmes italianos em episódios.”.

Curiosamente, um dos fatores que poderiam dificultar a aparição da pornochanchada foi a dura repressão e censura da política da época. O governo atacava severamente as produções audiovisuais, e os temas e gêneros eram muito restritos, e deviam aspirar por patriotismo e narrativas que exaltassem o poder e a ordem da nação e das autoridades governamentais. Apesar disso, esse gênero erótico conseguia fugir dos

57 princípios morais pregados pelo novo governo, e os lucros adquiridos com esses filmes galgavam interesses dos cineastas e produtores cinematográficos.

A comédia erótica sempre estabeleceu relações cheias de atritos no interior do campo cultural da década de 1970. Criticada pelos cinema- novistas, repreendida pela censura e por políticos moralistas, vista com reservas pelos órgãos estatais (pois conseguia a almejada conquista do mercado, mas com modos mal-educados para o gosto oficial), foi uma presença incômoda naqueles tempos de repressão e indefinições. Em consequência, pouco se refletiu e debateu sobre o indesejado estranho que invadia o cinema. (Ramos, 1987:407)

Esse foi um período “pobre” para os roteiristas, que não tinham como expandir sua criatividade, reclusa apenas a histórias leves e superficiais que traziam momentos de sexo e erotismo.