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1.2 A Reforma do Estado e da Educação em Minas Gerais

1.2.3 Choque de Gestão (2003 a 2014) – Governos Aécio Neves e Antônio Anastasia

Na gestão do estado pelo Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), segundo Oliveira e Vieira (2010), as preocupações com os resultados escolares levaram as Secretarias de governo e demais órgãos gestores a assinarem com o governo estadual um “Acordo de Resultados”, cujo objeto foi a pactuação de indicadores de desempenho visando planejar, organizar, dirigir, coordenar, executar, controlar e avaliar as ações setoriais a cargo do Estado, referentes à garantia e à promoção da educação. De acordo com as autoras (2010, p. 16):

Essa nova modalidade de regulação prevê a obrigação de resultados e amplia de forma significativa a responsabilidade das instituições escolares e dos professores sobre os resultados escolares. [...] A intenção do governo ao propor o acordo é reposicionar o Estado em níveis mais elevados nas escalas classificatórias de excelência, na prestação dos serviços educacionais, posições já ocupadas em anos anteriores, pelo Estado de Minas Gerais. Segundo Santos (2014), o Choque de Gestão (CG), cujo foco era aumentar a eficiência do governo e restaurar a “saúde fiscal” do Estado, dividiu-se em três gerações: a primeira correspondendo à gestão de Aécio Neves (2003-2006); a segunda geração, sob o mesmo governo, cuja ênfase recaiu sobre os resultados das Políticas Públicas (2007-2010) e a terceira geração, no governo de Antônio Anastasia (2011-2014) com ênfase na gestão para a cidadania. Algumas características da reforma do Estado que puderam ser identificadas na gestão do serviço público em Minas Gerais, a partir do CG foram: “a gestão orientada por resultados – o acordo de resultados, descentralização; desempenho crescente e o pagamento por produtividade –; gratificações de desempenho individual; transparência e cobrança das ações”17. De acordo com Santos, dentro desse contexto a Secretaria de Estado de Educação:

[...] manteve alinhamento constante com as diretrizes do ‘CG’, estabelecendo a necessidade de melhorar a qualidade da educação com os recursos disponíveis, melhorar a gestão das escolas, o processo de avaliação e o monitoramento. Nessa visão, a percepção de qualidade está ancorada na eficiência, na consolidação de mecanismos de avaliação externa do desempenho dos alunos, na transparência dos resultados obtidos junto à sociedade e no pagamento por produtividade”18.

Segundo Melo e Sousa (2015), a reforma do Estado originou um modelo administrativo que se estabeleceu como padrão e direcionamento das estratégias políticas dos governos brasileiros desde a década de 1990 e do ponto de vista político-social, na opinião dos autores,

17 Ibid., p. 89. 18 Ibid., 2014, p. 183.

o país avançou significativamente, uma vez que a abrangência e o desenvolvimento dos programas políticos ganharam um viés articulador, o que favoreceu a consolidação de uma gestão democrática e aberta às contribuições da sociedade civil organizada. Desta maneira, os gestores escolares, dentro do novo contexto e papel do Estado delineado pelas configurações em curso desde a Reforma Estatal da década de 1990, tornaram-se líderes cujo compromisso era gerar, de modo coletivo no ambiente escolar, uma educação de qualidade.

Arretche (1996), contudo, alerta para o fato de que a descentralização por si só não leva à redução das ações do Estado, e para que a realização do ideal democrático que se espera desse processo de descentralização possa se tornar realidade, não basta apenas associá-lo a uma modalidade particular de inclusão dos cidadãos no processo decisório, mas sim, levar em conta que a realização do ideal democrático implica modalidades diferenciadas em distintos períodos da história da humanidade, e que algumas estruturas ou funções governamentais continuarão sempre a existir.

1.3 Da Gestão Escolar Clássica à Gestão Democrática

As formas de realização da gestão da escola não foram sempre as mesmas, tendo sofrido variações no decorrer da história. De acordo com Oliveira (1997), embora figure no contexto jurídico desde a Constituição Federal de 1988, a gestão democrática tem proposto, a partir de sua regulamentação, uma série de interpretações e desde a década de 1990, a gestão da educação vem passando por (re)significações cujas preocupações envolvem os objetivos, meios e fins aos quais a educação pública deve estar agregada.

A partir dessas considerações, segue-se uma perspectiva que procura trabalhar uma breve descrição dos termos administração e gestão e sua relação com o pensamento administrativo educacional, bem como as implicações em relação à realidade escolar.

Ao conceituar o termo administração, Paro (2010, p. 25) o descreve como “[...] a utilização racional de recursos para a realização de fins determinados”. Entretanto, o autor faz um alerta para o caráter sintético e geral desse conceito que permite abarcar toda e qualquer administração, seja ela industrial, pública, privada, hospitalar e a administração escolar. Segundo o mesmo autor, na educação, por um tempo era a tese funcionalista que regia o entendimento de como a escola devia ser regida e de como os diretores deveriam exercer o seu trabalho.

Nesse sentido, ao caracterizarem a perspectiva funcionalista da administração na escola clássica, Corrêa e Pimenta (2011) afirmam se tratar de uma organização autônoma, de fronteiras

bem estabelecidas e limitadas, centrada na ambiência interna e com operações precisas, caracterizando-se pela preocupação com a racionalização e administração produtiva, efetiva e centralizada no comando da gerência, cuja estrutura se estabelece pela dicotomização do trabalho e de quem o exerce, onde, de um lado se encontram aqueles que pensam, os que administram e de outro aqueles que executam, os que são administrados. Em outras palavras:

No que se refere à influência sobre a prática da administração escolar pode-se destacar a visão da escola como organização normativa, na qual os órgãos diretivos utilizam controles normativos como primeira instância e coercitivos como fonte secundária. Um outro aspecto importante é o fato da organização burocrática e seus elementos se constituírem no centro da gestão das escolas, impactando diretamente a sua administração (CORREA e PIMENTA, 2011, p. 32).

De acordo com Paro (1988, p. 30), “[...] a maioria dos teóricos da Administração Escolar não vê uma identidade absoluta entre empresa e escola”, levando-se em conta a peculiaridade dos objetivos da organização escolar que envolve o comportamento humano, o qual, diferentemente da máquina, não se contém nos estreitos limites da previsibilidade. Na escola o que se imita da empresa é a eficiência com que ela articula meios a fins, e não os métodos. Paro (2012) salienta que, assim como direção, serviços de secretaria e demais atividades que dão suporte e subsidiam a atividade pedagógica da escola, também a própria atividade pedagógica é de natureza administrativa, já que a busca de fins é alusiva às atividades-meio, mas encontra sua forma mais intensa nas atividades-fim, nas quais o processo ensino-aprendizagem está diretamente envolvido.

Ainda segundo o autor, administração não se reduz ao simples ato de “controlar o trabalho dos outros”, mas sim, permear todo o processo, perseguindo a atividade fim – que é o processo pedagógico –, a situação do ensino, utilizando recursos e mediando, na utilização desses recursos, o conhecimento, os comportamentos, a cultura de modo geral, a sala de aula, a relação entre os educandos, o próprio educando como o verdadeiro objeto a ser transformado nesse processo de produção. Fazendo-se isso de forma mais econômica possível e com o menor desprendimento possível de recursos, da forma mais adequada, levantando-se todas as variáveis para que o aluno aprenda de fato.

O significado da gestão escolar tem seu divisor de águas no surgimento da nova legislação para o curso de Pedagogia, ao passar de habilitação (administração escolar) para a categoria de Gestão Educacional, incorporando o trabalho desenvolvido pelo pedagogo (MARTINS, 2007

Nessa vertente, Libâneo et al. (2003), afirmam que a preocupação com os aspectos legais e administrativos da escola teve início na estruturação do curso de Pedagogia e dos cursos de licenciatura desde o ano de 1939, na disciplina Administração Escolar. Segundo os autores, na década de 1960, no Parecer 292/62 do Conselho Federal de Educação, consta a disciplina Elementos de Administração Escolar, permitindo ao licenciando tomar conhecimento da escola em que atuaria, bem como de seus objetivos, estrutura e principais aspectos funcionais. Era também a partir de tal disciplina que se introduzia a visão unitária de escola-sociedade. Com a criação da lei 5.504/68 e homologação dos Pareceres 252 e 672 de 1969, para adequação dos currículos de Pedagogia e das licenciaturas, a disciplina Administração Escolar foi substituída por Estrutura e Funcionamento do Ensino de 2º Grau, sob a alegação de que a denominação anterior fazia prevalecer o aspecto administrativo, sem que fossem considerados aspectos específicos referentes à estrutura e ao funcionamento do ensino.

Conforme salienta Sarubi (2006), a luta da sociedade brasileira pela redemocratização do país, a partir do final da década de 1970, culminando na transição do regime militar para o regime civil, trouxe à luz os movimentos dos trabalhadores da educação na busca pela qualidade da educação pública e pela democratização do ensino. A gestão educacional que até os anos de 1980 era administrada sob a forte influência dos modelos funcionalistas, caracterizados por formas racionais, técnicas, mecânicas e pela lógica técnico-burocrática, sofreu transformações em sua organização dando espaço a novas formas de gestão mais democráticas propiciando o debate, a tomada de decisão coletiva, a administração de conflitos, socializando o poder e incentivando a participação da comunidade em processos permanentes de construção e de constante fazer coletivo. Entre as consequências desse movimento, cabe destacar a implantação dos conselhos ou colegiados escolares, a eleição dos diretores, a elaboração do Projeto Político Pedagógico, entre outros.

Segundo Lück et al. (2011), a democratização da gestão escolar, como parte de um movimento em busca de superação de procedimentos tradicionais, baseados no corporativismo e no clientelismo, tem produzido avanços que denotam “o envolvimento da comunidade escolar na seleção do diretor da escola, a implantação de conselhos escolares que possuem autoridade deliberativa e também poder decisório e o controle por parte da escola de recursos financeiros”19, vertentes básicas que buscam a descentralização e democratização da gestão pública escolar e o consequente aumento da autonomia das escolas. De acordo com Fernandes (2015), a construção da gestão escolar capaz de ultrapassar a dimensão gerencialista da atuação

do diretor, dotando a gestão escolar de mais autonomia e liberdade por parte dos educadores, faz parte do ideário de intelectuais da educação desde 1950, ganhando força com o fim do regime militar em 1985, quando a gestão escolar volta ao debate focando a descentralização das políticas e serviços públicos.

Segundo Zanardini (2006), a reforma da Educação Básica e da gestão escolar, trouxe consigo a necessidade da revisão da perspectiva de organização burocrática e ineficiente sob a qual a escola vinha sendo administrada e tornou urgente a implementação de uma concepção de gestão mais flexível, sensível e capaz de transformar a escola num espaço cuja formação se voltasse para a cidadania e para a convivência em uma sociedade dotada de justiça e igualdade. Assim, surge uma crescente preocupação em torno de reformas administrativas educacionais em conformidade com o conjunto de princípios acordados na Conferência Mundial de Educação Para Todos (Jomtien, Tailândia, 1990) e na Declaração de Nova Délhi (1993), trazendo a gestão da educação, sua democratização e comprometimento da mesma com uma educação pública de qualidade para o centro dos debates.

A abertura política para conquistas educacionais refletiu-se na Constituição Federal de 1988, que incorporou em seus princípios a gestão democrática, institucionalizando práticas de participação e descentralização, levando a transformações no âmbito da organização e gestão das escolas. Logo, a gestão democrática e participativa torna-se um princípio constitucional estabelecido com a promulgação da Constituição Federal de 1988 e regulamentado pela Lei n.º 9.394/96, que estabelece a gestão democrática do ensino público e progressiva autonomia pedagógica e administrativa nas unidades escolares.

No campo educacional, Libâneo et al. (2003) afirmam que os termos gestão e organização constituem o conjunto de normas, diretrizes, estrutura organizacional, ações e procedimentos que visam garantir a escolha racional de meios compatíveis e adequados ao uso de recursos humanos, materiais, financeiros e intelectuais, bem como a coordenação e acompanhamento do trabalho das pessoas que atuam na escola, na busca de objetivos comuns.

Lück (2000) e Krawczyk (1999) apud Fernandes (2015) afirmam que uma escola fortalecida pelas ações em grupo consegue mais poder de negociação junto à secretaria de educação ou órgãos superiores do que o diretor isoladamente. Ao se unirem em prol da formação de um contexto democrático na escola, o diretor e os outros membros da gestão escolar se tornam líderes provocadores de mudanças no contexto dessa escola e são capazes de promover melhorias em várias situações. Portanto, sob o ponto de vista de Paro (2010), a relação democrática no ambiente escolar é condição essencial para a realização de uma educação formadora do cidadão, de personalidades humano-históricas. Relação esta alicerçada

pela ação de um diretor que saiba articular a racionalização do trabalho com a coordenação do esforço humano coletivo.