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7 ANÁLISE DE CONTEÚDO DOS TEXTOS DA EXPOSIÇÃO PRINCIPAL DO MUSEU DO AMANHÃ

8.1 CIÊNCIA DO AMANHÃ

Se, para o Museu do Amanhã, o futuro está em construção – a qual depende diretamente de nossas atitudes no hoje –, a ciência, diferentemente, está em constante avanço. Um avanço aparentemente autorregulado e autorregulador no qual nossas atitudes diárias, enquanto indivíduos e/ou sociedades não têm poder de interferência. Camuflado pela falsa ideia de que “construção” e “avanço” são

sinônimos, o discurso expositivo apresenta ao visitante uma visão de ciência que progride de maneira linear e cumulativa (CASCAIS, 2003, p. 5).

Mais do que a ideia de progressão linear – presente na exposição não só nos textos e na maneira como aparece o desenvolvimento da ciência, mas em sua própria diagramação em ontem, hoje e amanhã –, é possível observar as três (3) características que, somadas, são a essência do tipo de representação da ciência que Cascais (2003, p. 3) chama de “mitologia dos resultados”. Primeiro, a atividade científica é representada por seus produtos, segundo são resumidos “processos científicos à consecução finalista e cumulativa de resultados” (CASCAIS, 2003, p. 3) e, terceiro, são apontados como resultados da ciência somente aqueles posteriormente avaliados como bem-sucedidos pelo êxito em sua aplicação. Todas essas características estão presentes na exposição, o que se evidencia na Análise de Conteúdo não só pela frequente menção à ciência como responsável pelo desenvolvimento de recursos que ao longo da história facilitaram e facilitarão a vida humana e de resultados de projeções científicas para o futuro, como pela ausência de menções aos processos e empreendimentos não bem sucedidos da C&T.

Ainda segundo Cascais (2003, p.3), esse tipo de representação implicitamente ignora o caráter processual da ciência que, muito embora respeite o rigor metodológico, não progride de forma absolutamente linear e assertiva, alheia ao contexto histórico e social na qual se insere; exclui o papel dos erros no processo, consequentemente atribuindo ao rigor metodológico o sucesso – o que não deu certo, não foi feito com o rigor necessário; e assimila “fins a resultados, assim definidos – aqueles – em função da eficácia a posteriori da empresa científica, com a exclusão dos resultados fortuitos, inesperados ou adversos.” (CASCAIS, 2003, p. 3).

A C&T e seus produtos também aparecem no discurso da exposição como “puros”, sendo passível de críticas apenas aquilo que fazemos com eles: “os novos tempos refletem o legado de uma espécie com saberes, mas pouco prudente [...]” (MUSEU DO AMANHÃ). Se a causa dos problemas que enfrentamos hoje é a imprudência humana na utilização do conhecimento, ele, por si só, se caracterizaria como algo neutro, impermeável a qualquer interesse individual, coletivo, econômico ou político, diferente de nós.

Outro ponto relevante é que, segundo o próprio museu, esse “nós” inclui toda nossa espécie, e sabemos sem sombra de dúvidas que a Ciência é feita por humanos, no entanto, ao questionar a prudência humana “apesar do conhecimento” o discurso acaba não só por separar, mas opor humanidade e ciência/conhecimento, evidenciando uma visão de ciência como algo externo ao homem.

A ideia de que o fazer científico não se mistura à nossa humanidade nem aos conflitos por poder e legitimidade presentes em qualquer sociedade, que método e rigor neutralizam toda e qualquer subjetividade a qual somos passíveis de maneira consciente ou não pelo simples fato de não vivermos isolados à margem da sociedade e do convívio social, não só cria a dicotomia entre uma visão crítica e negativa do homem e acrítica e positiva da C&T, como apresenta ao visitante duas possibilidades nas entrelinhas: ou, de alguma forma, o indivíduo se descola de seu “eu humano” e adere ao “eu cientista” na hora de fazer ciência; ou cientistas são pessoas diferentes de nós, seres humanos comuns. Em ambos os casos, há uma delimitação clara que distingue aqueles capazes de fazer ciência, daqueles que não são. Em um museu aberto ao público, se os capazes de fazer ciência são os que fazem e discursam na exposição, cabe ao visitante o outro papel. Como consequência, ciência, cientistas e o fazer científico se distanciam do cotidiano da “pessoa comum”.

Por fim, chama a atenção que em um museu de ciências que se propõe a explorar os desafios da humanidade na e para a construção de um futuro sustentável (MUSEU DO AMANHÃ, 201-?f) pouco se fale sobre o papel da ciência nessa construção. Como é possível observar pelos resultados obtidos através da Análise de Conteúdo, se a exposição se apresenta dividida em três tempos – passado, presente e futuro – o papel da C&T é, no geral, o mesmo em todos eles: melhorar e facilitar a vida humana.

Com exceção dos dois momentos apontados nas inferências67, as possíveis colaborações da C&T em relação a garantia de um futuro sustentável para o

planeta não são abordadas, mesmo que este seja um tópico recorrente. Fica em

aberto onde, como e com o que iniciativas tecno-científicas poderiam impactar a

67 Ver seção 7.3.

realidade planetária para além de uma maior qualidade de vida para o homem, mas na diminuição de impactos ambientais e na preservação da natureza e biodiversidade em geral. Em oposição, o ser humano aparece recorrentemente como responsável pelo futuro do planeta, principalmente no que diz respeito aos impactos ambientais de seus hábitos de consumo e produção.

Levantamos, então, o questionamento: se para garantir um futuro sustentável precisamos modificar nossas atitudes radicalmente e isso é constantemente reforçado ao longo de toda a exposição, a ausência de menções no que diz respeito à C&T pode ser entendida como uma suposta falta de necessidade de mudança? Em outras palavras, nós precisamos de novas atitudes, mas a ciência pode se manter a mesma? Tendo evidências que corroboram com a quase inexistência de sugestões no sentido da necessidade de qualquer mudança de atitude por parte da C&T, diríamos que a resposta dada pela exposição a essa pergunta é “sim”. Novamente, se apresenta ao visitante uma visão acrítica e positiva da ciência e uma visão crítica e negativa da humanidade.

A distinção fica evidente ao analisarmos as projeções apresentadas na exposição para o futuro do planeta e humanidade versus projeções para o futuro da C&T. Como pontuamos nas inferências da Análise de Conteúdo, as projeções para o planeta, a biodiversidade e o ser humano no que diz respeito às igualdades sociais mostram um futuro catastrófico, extremo e desigual, em contraposição a um prospecto otimista para C&T. Opõem-se, de forma subliminar, o futuro que depende de ações humanas, daquele que depende exclusivamente da ciência.

Essa separação permite que a narrativa da exposição trate tanto das consequências positivas como negativas dos avanços tecno-científicos ao mesmo tempo que se furta de tecer qualquer crítica ou questionamento sobre a própria ciência. Atribuindo as consequências negativas à falta de prudência humana, produção, consumo, forma de utilização e garantia de uma distribuição igualitária fogem do escopo de responsabilidades da C&T, representada como responsável tão somente por criar soluções para os problemas e não por cria-los em primeiro lugar.

Por conta disso, por exemplo, a exposição é capaz de atribui caráter positivo ao aumento de expectativa e qualidade de vida proporcionado pelos avanços científicos principalmente no campo da medicina em um momento e em outro

aponta o exponencial crescimento populacional como problemático sem, no entanto, criar qualquer tipo de conexão entre ambos; falar com otimismo e entusiasmo sobre a quantidade e qualidade de aparatos tecnológicos que estão cada vez mais presentes em nossas vidas, apresentados como benesses proporcionadas pelos constantes avanços tecno-científicos, ao mesmo tempo que critica recorrentemente o consumo excessivo e aponta para o esgotamento de recursos naturais e/ou impactos ambientais em geral como consequência da produção humana etc.