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1.3 Parâmetros da Educação CTS

1.3.1 Ciência

Dentro de um contexto de educação CTS, a Ciência é tratada sob uma perspectiva crítica, no que se refere à aplicação isenta de valores dos pesquisadores de métodos científicos empregados na construção de conceitos científicos e à ideia de Ciência pronta e carregada de certezas. Com relação à sua neutralidade, advinda da isenção de valores no âmbito de aplicação e validação do método científico, Latour e Woolgar (1997) trazem de forma muito completa e pertinente, as vivências de profissionais em um laboratório nos EUA.

Fica evidenciado no trabalho em questão que a atividade científica realizada no laboratório, na prática, não exclui fatores que a torne isenta de influências dos pesquisadores. Os autores defendem que a Ciência, no seu processo de construção e validação, não se fundamenta apenas em aspectos racionais e cognitivos, pois ao se inserir em uma realidade socialmente construída, esses aspectos também o são. (SANTOS, MORTIMER, 2000).

Santos e Mortimer (2000) se referindo à essa tese levantada por Latour e Woolgar, reforçam que “eles questionam a visão mítica da ciência e de seus métodos, a sua a-historicidade, a sua universalidade, a natureza absoluta de suas técnicas e de seus resultados.” (p. 6).

Sobre isso, Martins (2006) esclarece que

A ciência muda ao longo do tempo, às vezes de um modo radical, sendo na verdade um conhecimento provisório, construído por seres humanos falíveis e que, por seu esforço comum (social), tendem a aperfeiçoar esse conhecimento, sem nunca possuir a garantia de poder chegar a algo definitivo. [...] A ciência não se desenvolve em uma torre de cristal, mas sim em um contexto social, econômico, cultural e material bem determinado. (p.3-4).

No que diz respeito à ideia de Ciência pronta e carregada de certezas, pontua-se a constatação pertinente que Chassot (2003) realiza ao traçar um paralelo entre o entendimento de Ciência apregoado no século XIX, e verificado no decorrer do século XX. Para atingir essa constatação o autor recorre à fala do químico orgânico e membro da Academia de Ciências e da Academia Francesa Marcelin Berthelot (1827-1907) para ilustrar o otimismo e certeza da época advindos da Ciência. A fala de Berthelot, referida por Chassot (2003) é inicialmente citada por Chrétien (1994) e diz que

A Ciência possui doravante a única força moral que pode fundamentar a dignidade da personalidade humana e constituir as sociedades futuras. A Ciência domina tudo: só ela presta serviços definitivos. [...] Na verdade, tudo tem origem no conhecimento da verdade e dos métodos científicos pelos quais ele é adquirido e propagado: a política, a arte, a vida moral dos homens, assim como sua indústria e sua vida prática. (p. 26)

Completando o paralelo, temos a citação, Chassot (2003), de uma afirmação categórica do ganhador do Prêmio Nobel de Química de 1977, Ilya Prigogine (1917- 2003), a saber: “Só tenho uma certeza: as de minhas muitas incertezas” (Le Monde, 1989, p. 59). Isso é um ponto importante para o autor discutir uma mudança na concepção de Ciências ao longo do tempo e reflete sobre a influência ainda hoje da ideia de ciência neutra, objetiva, a-histórica, pronta e acabada. Para ele,

é preciso que vejamos nessas incertezas a marca da pós-modernidade; uma realidade, e não um estigma. Antigamente a ciência nos falava de leis eternas. Hoje, nos fala da história do universo ou da matéria e nos propõe sempre novos desafios que precisam ser investigados. Este é o universo das probabilidades, e não das certezas. Ao referir as nossas não-certezas, vale destacar o quanto o dogmatismo é uma marca muito presente em nossas salas de aula. (CHASSOT, 2003, p. 98).

Dessa maneira, o “fazer ciência” se configura como um construto social. Ao se basear nessa premissa, inevitavelmente nos remetemos à Natureza da Ciência no trato do conhecimento científico em sala de aula. Em uma perspectiva de Educação CTS, é necessário reforçar o caráter provisório e incerto da Ciência na sala de aula. Evidenciando aos estudantes que uma teoria científica apresenta esses caráteres, fica mais fácil ajudá-los a entender as diferentes possibilidades de resolução de um mesmo problema. (SANTOS, MORTIMER, 2000). Além disso, por meio da educação CTS se busca evidenciar outros aspectos importantes da Ciência. Esses aspectos deveriam compor os currículos CTS e, de acordo com Santos e Mortimer (2000) amparados por Rosenthal (1989) são:

1. filosófica – que incluiria, entre outros, aspectos éticos do trabalho científico, o impacto das descobertas científicas sobre a sociedade e a responsabilidade social dos cientistas no exercício de suas atividades; 2. sociológica – que incluiria a discussão sobre as influências da ciência e tecnologia sobre a sociedade e dessa última sobre o progresso científico e tecnológico; e as limitações e possibilidades de se usar a ciência e a tecnologia para resolver problemas sociais;

3. histórica – que incluiria discutir a influência da atividade científica e tecnológica na história da humanidade, bem como os efeitos de eventos históricos no crescimento da ciência e da tecnologia;

4. política – que passa pelas interações entre a ciência e a tecnologia e os sistemas público, de governo e legal; a tomada de decisão sobre ciência e tecnologia; o uso político da ciência e tecnologia; ciência, tecnologia, defesa nacional e políticas globais;

5. econômica – com foco nas interações entre condições econômicas e a ciência e a tecnologia, contribuições dessas atividades para o desenvolvimento econômico e industrial, tecnologia e indústria, consumismo, emprego em ciência e tecnologia, e

6. humanística – aspectos estéticos, criativos e culturais da atividade científica, os efeitos do desenvolvimento científico sobre a literatura e as artes, e a influência da humanidade na ciência e tecnologia.

Assim, é visível que o sentido e significado que conhecimento científico adquire em práticas de educação CTS não se ancoram apenas no resultado da transposição didática dos conteúdos científicos. O objetivo que se busca está relacionado com a capacidade dos estudantes em perceberem as implicações do conhecimento científico na sociedade e, a partir daí, terem condições de atuar criticamente e ativamente como cidadãos, por meio de um processo de tomada de decisão.