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Letramento científico e o ensino de ciências para cidadania

1.1 A educação brasileira e sua relação com a cidadania

1.1.3 Letramento científico e o ensino de ciências para cidadania

Ao se analisar os estudos realizados na área de ensino de ciências no país, constatam-se também tendência e preocupação de se incentivar práticas pedagógicas voltadas para a educação científica com o foco na formação para a cidadania (CACHAPUZ, PRAIA e JORGE 2004; SANTOS, MORTIMER, 2000; SANTOS e SCHNETZLER, 1997). Essa tendência e preocupação são perfeitamente compreensíveis à medida que vivemos em uma sociedade extremamente influenciada por conhecimentos relacionados à Ciência e Tecnologia.

Ao voltarmos a essa temática, é necessário promovermos uma interlocução entre a educação científica com o foco na formação para a cidadania e os movimentos de Alfabetização Científica (AULER: DELIZOICOV, 2001; CHASSOT, 2000; FOUREZ,1995) e Letramento Científico (SANTOS, 2007a).

É necessário ainda trazer à discussão a relação que o ser humano mantém com a ciência e a tecnologia na atualidade. O educador Rubem Alves (2002) analisa de forma magistral a percepção que as pessoas têm sobre a ciência. A saber:

O cientista virou um mito. E todo mito é perigoso, porque ele induz o comportamento inibe o pensamento. Este é um dos resultados engraçados (e trágicos) da ciência. Se existe uma classe especializada em pensar de maneira correta (os cientistas), os outros indivíduos são liberados da obrigação de pensar e podem simplesmente fazer o que os cientistas mandam. Quando o médico lhe dá uma receita você faz perguntas? Sabe como os medicamentos funcionam? Será que você se pergunta se o médico sabe como os medicamentos funcionam? Ele manda, a gente compra e toma. Não pensamos. Obedecemos. Não precisamos pensar, porque acreditamos que há indivíduos especializados e competentes em pensar. Pagamos para que ele pense por nós." (p. 7 e 8).

Por mais que essas indagações apresentadas na fala do educador pareçam hiperbólicas, elas apresentam pertinência. O termo “cientificamente comprovado” carrega consigo a expiação de todo e qualquer questionamento sobre sua neutralidade e impacto na sociedade. A Ciência adquire esse status de superioridade e de total confiabilidade, pois o método científico, como defendido pelo Positivismo e ainda arraigado na comunidade científica, é imune às influências de qualquer ordem, porém

na medida em que a ciência é sempre um “poder fazer”, um certo domínio da Natureza, ela se liga, por tabela, ao poder que o ser humano possui um sobre o outro. A ciência e a tecnologia tiveram uma parte bem significativa na organização da sociedade contemporânea, a ponto de esta não poder prescindir das primeiras: energia, meios de transporte, comunicações, eletrodomésticos etc. O conhecimento é sempre uma representação daquilo que é possível fazer e, por conseguinte, representação daquilo que poderia ser objeto de uma decisão na sociedade.

A questão do vínculo entre os conhecimentos e as decisões se impõe, portanto. Que existe um vínculo, isto é indicado pelo bom senso: se se sabe que é possível construir uma ponte de uma margem à outra de um rio, pode-se questionar se ela é ou não desejável. Porém, pode o conhecimento indicar se se deve ou não construir essa ponte? (FOUREZ, 1995, p. 207).

Assim, a relação entre o conhecimento e poder político é intrínseca. (FOUREZ, 1995). Algo que pode ser temido é quando as decisões políticas são tomadas usando a autoridade do argumento científico em uma sociedade que supervaloriza a Ciência e acredita que ela só traz benefícios. Neste sentido, o cientificamente comprovado (a certeza conseguida por meio da ciência) é um risco, pois não traz o dinamismo característico da mesma. Além disso, na tentativa de se manter as relações de dominação na sociedade, os grupos dominantes podem lançar mão de mecanismos e práticas que incluam a ideia de Ciência racional, objetiva e neutra.

É na escola que a maioria da população tem acesso ao conhecimento científico sistematizado. E, em uma situação ideal, esse conhecimento científico sistematizado lá adquirido deve auxiliar o ser humano na resolução de seus problemas cotidianos e que estejam relacionados à Ciência e Tecnologia (C&T). Essa sistematização do conhecimento científico ao longo do tempo se fez necessária para atender às demandas da sociedade.

De acordo com Krasilchik (2000), o ensino de ciências vem mudando levando em consideração os aspectos históricos e sociais. Ainda de acordo com a autora, durante a Corrida Armamentista e Espacial, o foco do ensino de ciências, principalmente nos Estados Unidos, era a formação de cientistas. As escolas passaram a ensinar o método científico na educação básica, evidenciando a importância de os estudantes pensarem e agirem como cientistas. Porém, na prática, houve uma supervalorização da ciência no contexto escolar e isso tem consequências até os dias atuais.

Na contemporaneidade, o domínio somente de informações científicas e tecnológicas não é suficiente. É necessário o incentivo e efetivação de um ensino voltado para preparação do cidadão para a vida em sociedade. Esse cidadão tem que adquirir competência de se posicionar frente aos problemas que afetam sua comunidade no que se refere aos aspectos científicos e tecnológicos. Essa configuração é caracterizada por Chassot (2000) como Alfabetização Científica.

Santos (2007a) adota o termo Letramento Científico. Para o autor,

o letramento dos cidadãos vai desde o letramento no sentido do entendimento de princípios básicos de fenômenos do cotidiano até a capacidade de tomada de decisão em questões relativas a ciência e tecnologia em que estejam diretamente envolvidos, sejam decisões pessoais ou de interesse público.(SANTOS, p. 480).

Nessa perspectiva, faz-se necessário, o estímulo ao desenvolvimento de valores de acordo com (SANTOS e SCHNETZLER, 1997). Complementando essa ideia, Santos (2007a), diz que esses valores devem vir vinculados

aos interesses coletivos, como solidariedade, fraternidade, consciência do compromisso social, reciprocidade, respeito ao próximo e generosidade. Eles estão relacionados às necessidades humanas e deveriam ser vistos como não subordinados aos valores econômicos. (SANTOS, 2007, p. 480).

Em seus trabalhos, o professor Attico Chassot usa a terminologia alfabetização científica para tratar da necessidade da população em geral de conhecer, utilizar e comunicar às outras pessoas os conceitos de Ciência presentes na vida cotidiana, percebendo assim as relações entre ciência e sociedade. Por intermédio da alfabetização científica, os cidadãos teriam a possibilidade de participar democraticamente da vida social a partir do posicionamento crítico em decisões a serem tomadas sobre os assuntos relacionados com C&T.

Apesar de outros autores, como Chassot, adotarem a terminologia alfabetização científica (SASSERON e CARVALHO, 2011), Santos (2007), que admite o termo alfabetização como sinônimo de letramento, justifica o seu posicionamento de manter a terminologia letramento para destacar a necessidade de desenvolver uma educação científica focalizada na formação da cidadania. Nesse sentido, no presente trabalho também se utiliza o termo letramento científico defendido por Santos (2007a). Por não haver grandes discrepâncias com relação ao significado, optou-se por manter as duas denominações, já que ambas derivam do termo disseminado na literatura inglesa “scientific literacy” que pode ser traduzido para a língua portuguesa como alfabetização ou letramento científico.

O letramento científico se faz necessário para não se permitir que ideologias antidemocráticas ditem os rumos e os objetivos do uso da C&T. Neste sentido, questões sociais e culturais são indissociáveis nesse processo. Nessa empreitada, o ensino com enfoque na Educação CTS se configura como uma possibilidade de proporcionar uma alfabetização científica. Isso se dá, no sentido de levar à população a refletir sobre as relações inerentes a essa tríade, levando as pessoas letradas cientificamente a tomar decisões com diferentes níveis de complexidade, sendo esse o ponto central das discussões no âmbito do movimento CTS. (ACEVEDO, VÁZQUEZ e MANASSERO, 2003).

Assim, o movimento CTS tem um importante papel na busca do rompimento com noções equivocadas que a maioria da população carrega com relação à C&T. Por meio de práticas de educação CTS pode-se apresentar a ciência como algo presente em nosso cotidiano, além das suas implicações sociais, econômicas, políticas e culturais, culminando com uma educação científica que garanta uma formação para a cidadania.