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Mapa 13 – Estados africanos modernos da costa oeste

2.0 Ciclo Vital

Dor Linda mira a reta no meio da encruzilhada (figura 1), lá longe, no rumo de Pai Pedro, ela gira num movimento Sankofa: “Nunca é tarde para voltar e apanhar o que ficou atrás” (NASCIMENTO; GÁ, 2009, p. 40). Ali, naquele tempo-lugar da nossa história, ela me mostra-ensina o valor do acontecimento representado no conceito. Os conceitos-rizomas germinam dos acontecimentos cósmicos que somos nós, pessoas (DELEUZE; GUATARRI, 1980).

Fonte: Acervo do autor (2017).

Na organização das minhas reflexões sobre os processos de enraizamentos da minha psiquê docente tomo como ponto referencial a noção-conceito africana de pessoa, apresentada por Hampaté Bâ (1981). Nela a temporalidade da existência física da pessoa pode ser visualizada em 18 fases (9 ascendentes e 9 descendentes) compreendidas em sete períodos de um ano, vejamos,

A primeira fase se estende do nascimento aos 7 anos. É a pequena infância, período em que a pessoa em formação requer a maior quantidade de cuidados possível. A mãe é o grande agente dessa época fundamental. Nessa idade, a criança depende totalmente de sua mãe. Ela é, a seus olhos, a maior força e o ser mais instruído do mundo. A criança se refere apenas a ela. Ela é seu critério, seu refúgio, sua instrutora, seu tudo ao mesmo tempo. Nesta fase de sua vida, a criança é, como um pedaço de argila, moldável à vontade. A criança restará durante muito tempo sob a influência e sobre o caminho traçado por sua mãe. Por esta razão, o ditado maliano nos diz: ‘Tudo isso que nós somos Figura 1 – Dorlinda Ventura em movimento Sankofa onde antes existiu um lugar chamado Quilombo, povoado de Pai Pedro, julho de 2017

e tudo isso que nós temos, nós o devemos uma vez a nosso pai, mas duas vezes à nossa mãe’. (BÂ, 1981, pp. 2/3).

E mais, nessa noção Afro de pessoa:

Até os 42 anos a pessoa ainda é considerada uma criança. A família é a primeira escola. Até os 21 anos se dá a criação do indivíduo. Nos primeiros sete anos de vida a criança fica totalmente sob os cuidados da mãe. A partir da idade de 7 anos, ela fica sob os cuidados do pai, que a introduz na escola dos adultos. A partir dos 14, é a vez da ‘escola da rua’, onde o jovem começa a se desenvolver fora de casa, nas brincadeiras e nas aventuras com os amigos. Porém, a mãe será sempre uma forte referência no que se refere à conduta e às atitudes tomadas diante das dificuldades da vida. Dos 21 anos aos 42 anos se completa o ciclo de aprendizado do homem (BERNAT, 2013, p. 64).

A ideia de Ciclos Vitais de Formação da Pessoa (figura 2) serviu-me na organização memorialística do meu mergulho em minhas ancestralidades, iniciados no fim da minha infância.

Fonte: BÂ, 1981, p. 04).

Figura 2 – Ciclos Vitais de Formação da Pessoa

A adoção da noção de Ciclos Vitais de Formação da Pessoa no âmbito da escola básica pode ser uma alternativa à noção colonial que reduz as pessoas, estudantes e educadores, à categoria de recursos humanos dicotomizados etariamente entre adultos (conscientes-conhecedores) e crianças (inconscientes-vazios de saberes). Nessa noção mercadológica de escola as pessoas, os lugares e tempos de aprendizagem são estandardizados. Está estandardização está expressa nos sistemas de avaliação, de seleção, de competição que desconsidera os ritmos e as formas diversas de fazer-se pessoa. Mas também, está expressa na estética presídio ou centro de convenções das escolas, com seus muros, corredores, câmeras, guardas, grades, concreto armado, com a ausência de ambientes verdes, vivos.

Claro, existem exceções e esforços para fazer vigorar vida nas escolas, como é o caso das nossas interações estético-ambientais na EM Terezinha Parente. Mas, o próprio padrão de grande parte das estruturas físicas das escolas municipais de Fortaleza, como encontrei nos anos de 2010/2018, era muito precário ou inadequadas para os seus fins. Nos últimos anos temos visto a administração municipal firmar compromissos públicos com a reestruturando da rede de escolas e creches com novas construções. Burocratas municipais, afirmam que a Prefeitura de Fortaleza (2019),

[...] realizou, por meio da Coordenadoria de Parcerias Público-Privadas (PPPFor) e da Secretaria Municipal da Educação (SME), audiência pública para apresentar o projeto-piloto que visa à implantação de novo modelo de construção, reforma e manutenção de escolas municipais da Capital.

As mais recentes expectativas administrativas para a educação pública em Fortaleza propõem seguir uma razão equilibrada entre o ponto de vista financista- contábil, as perspectivas pedagógicas e as necessidades de prover escolas de estruturas mínimas (ainda que estas não sejam expressamente mencionadas na fonte em que extrair esta citação),

Dentre os benefícios estimados, destaca-se a concentração dos esforços da SME nos aspectos pedagógicos, maximizando o aprendizado e o desempenho acadêmico dos estudantes fortalezenses. “Com esse novo paradigma, o corpo pedagógico estará focado no aluno e no aprendizado, enquanto teremos um sistema que garante o pleno funcionamento da escola em qualquer situação, como uma empresa evitando situações infraestruturais precárias. Esse novo paradigma é uma aposta em função de experiencias exitosas. Com um ambiente digno, em plenas condições de exercício, ganham os alunos e os

professores”, avaliou o secretário-executivo da Educação de Fortaleza, Joaquim Aristides. (Idem).

Eu me pergunto, a ideologia mercantil predominante no tecido social brasileiro permite espaço para a diversidade e a criatividade nos ambientes de vida escolar? Permite-nos pensar no mero exercício da vida e daí a vida exercitar no fazer educação? Ou, ao contrário obstaculiza a vida. Afinal, o que vivi e o que um observado não leniente pode observar é que, no Brasil, para as/os filhas/os dos ricos (ou os que assim se pensam), corredores, assepsia colorida ou cinzas-brancos, azulejos e porcelanatos. E para pobres e sua prole, corredores em penumbra, mal-estar estético, comprometidas estruturas físicas. Quando menciono as estruturas físicas comprometidas não trato de um metáfora ético-moral: vivemos entre paredes-rugas nas nossas saunas-de-aula, e testemunhamos nos pátios escolares criança afogada em urina e fezes (BRAGA, 2018), acontecimentos incomodo para o quão a maioria de nós negamos olhar nos idos 2018.

A racionalidade subalternizada da educação no Brasil oferece faces distintas de uma mesma moeda para todos. Para os pobres e para os ricos, os pretos, os brancos, os índios, a escola colonial é a mesma nos seus sentidos: um campo de luta onde a colonialidade tenta forjar os espíritos humanos, nos (des) pessoalizando ao gosto dos valores hegemônicos. Nos coisificando segundo as demandas do mercado de força de trabalho: uns são adestrados para serem bons patrões ou capatazes, para isto basta aprenderem a imolar sua humanidade e, de preferência nascerem no berço certo na próxima reencarnação; outros, mau nascidos, seguindo a lição da imolação que lhes oferecem os que mandam, talvez terão a chance de se sacrificarem todos os dias em troca do pão, e com sorte comprimir sua pessoalidade em entretenimentos banais nas raras horas de ócio.

Para compreender as origens das doenças das nossas rotinas escolares, domésticas, laborais, Sotigui Kouyaté ensina: “na vida só se pode colher aquilo que semeamos” (BERNAT, 2013, p. 66). Morte de corpos, morte de gente, corpos cortados, quebrados, baleados, violados. Pessoas anuladas, humilhadas, moral estuprado. Nossos frutos tanatológicos não somente foram plantados como, diariamente, são bem cultivados nas nossas escolas, nas nossas ruas e praças. Que frutos espera colher uma nação que planta tanta dor no coração de suas crianças?