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Mapa 13 – Estados africanos modernos da costa oeste

2.3 A Pretagogia no Curió

2.3.2 O Curió

O Curió como conceito de felicidade foi exposto pelas pessoas pioneiras na ocupação do lugar. No Projeto Estudos de Africanidades na EM Terezinha Parente, ano de 2014, diante da câmera e de celulares, instrumentos básicos nos nossos trabalhos, Dona Raimunda, moradora pioneira do bairro o apresenta: “O Curió representa tanta coisa boa pra minha vida... muita bom o Curió pra mim, eu amo esse lugar, é onde eu criei meus filhos, não tenho nada para dizer de ruim, só de bom” (DONA RAIMUNDA, fonte oral, 2014).

A partir das falas de Seu Barroso, Dona Raimunda e Dona Terezinha, estabelecemos (eu, estudantes da EM Terezinha Parente e o professor Eudistom Paixão Barbosa) um roteiro para percorrermos a história do Curió a partir das falas das pessoas do lugar, sobre o seu próprio lugar.

Como parte dos estudos mencionados anteriormente, os trabalhos com História e Memória do Curió (2014) abriram caminhos epistemológicos que me levou a pensar inicialmente, como objetivo principal da minha pesquisa acadêmica, a transposição para as práticas pedagógicas no bairro Curió de metodologias afrorreferenciadas desenvolvidas por pesquisadoras/es do NACE/UFC.

O bairro Curió, no ano de 2018, possuia mais de 7. 636 moradores. A maioria composta: por mulheres (3.875 pessoas) que representavam 50,75% de habitantes; por crianças e adolescentes (2.276 pessoas entre 0 e 14 anos de idade), que representavam 28,8% do total de habitantes do bairro5. A população é originária em sua maioria de

fluxos migratórios ocorridos a partir de 1970, à exceção da comunidade de maioria afro descendente do Serrote, cujo povoamento carece de investigação. Identificamos ao todo, nos estudos realizados em 2014, cinco conjuntos comunitários que compõem o território que chamamos bairro Curió: Serrote (talvez comunidade primordial, visto relatos da presença de moradores anteriores aos anos 1970); Conjunto da Caixa Econômica;

Mutirão; Sítio Itambé (hoje majoritariamente ocupado por condomínios de classe média, até os anos 2000 era local de pequenos sítios e bosques) e ocupações dos Canais (comunidades que se agregaram em terras que margeiam antigos córregos do bairro).

Morador primordial, entre uma expressão soturna e um sorriso, Seu Barroso narra sua história encruzilhada com o Curió,

[...] Eu vou morrer Barroso, mas meu nome mesmo é Francisco José Sobrinho... É por causa de papai que é lá do Barroso... Vai desculpando por aí, mas vou morrer por Barroso, porque Francisco eles não me chamam... Eu morava no interior e me trouxeram para cá para eu trabalhar na vacaria... aqui. Eu fiquei aqui porque não tinha onde morasse, aí o véio me deu esse terreno e eu fiquei. Também eu não tinha pra onde ir... Tô com 40 anos aqui... Eu fiquei, eles foram se imbora... eu fiquei graças à Deus... Eu até agora não sai pra lugar nenhum... eu fiquei e ainda tô aqui... Aqui tinha só mato, num tinha casa, até a pista, até a granja... a granja Regina também... era só mato. Si depois ele vendeu o terreno e foram fazer as casas, aí pronto, me demisô... e eu fiquei por aqui... até hoje eu tô por aqui ainda... As casas da caixa6 já tinha... o primeiro morador de que... o morador que tinha aqui quando eu cheguei aqui era o Chico Doido... Quando eu cheguei aqui era bom, vou dizer... a gente podia até dormir com a porta aberta...” (SEU BARRROSO, 2014, fonte oral).

Dona Raimunda sorridente procura situar melhor os acontecimentos os levaram à territorialização no que seria o presente bairro Curió,

[...] Meu nome é Raimunda, moro aqui há 38 anos. Quando cheguei aqui era uma vacaria... O dono daqui já era patrão do meu marido lá no interior... São Gonçalo do Amaranti, ao todo faz 45 anos que a gente trabalhava para ele... E aqui desmoronou e o governo tomou conta, a gente mora aqui... quando essas pessoas chegaram, primeiro foi o mutirão lá da Nelson Coelho, lá na frente... depois essas daqui... Ah... o ano que eu cheguei aqui foi 70... O que tinha aqui? A fazenda do João Granjeiro! Quando desmoronou a gente ficou até o final, assim, porque foi desapropriado, né!?! Ficou improdutivo, né!?! Aí, o governo tomou conta, só que o terreno que eu moro aqui não é do governo, era do seu João Granjeiro e agora é nosso. A fazenda ia da Nelson Coelho... aculá... ia aqui na Granja Regina, né!?! Ali na Arthur de Carvalho e descia, né!?! 90, 91, por aí o pessoal já tava por aqui... não, 96 pra aí... 97... só os morado e cuidando, do resto que tinha... eu meu esposo e meus filhos... quatro... só que ainda tinha quatro que eu criava... que morava comigo... entre tudo era oito filhos... oito e nós dois... e só mato... não tinha água encanada, não tinha essas coisas... cacimba de cata vento quando o mutirão começou... Não havia casa grande, o dono não ficava... Era de taipa... Do meu interior moravam umas pessoas que já eram... aí daqui mesmo eram que eu não sei nem onde esse pessoal mora... tinha uns oito moradores que moravam nas vilinhas... nas vilinhas de taipa. Era de taipa... Hoje é de tijolo... no São Miguel... ali perto do Ismael... ali

mora pessoas que morou aqui no Itambé, Serrote... trabalhavam pessoas da época da fazenda... (DONA RAIMUNDA, 2014, fonte oral). Dona Terezinha da Silva Ferreira, uma das líderes comunitárias do processo de construção coletiva no bairro, nos deu uma dimensão do mundo que encontraram na fronteira urbana á que foram lançados,

[...] Nós construímos essas cinquenta moradias aí, e junto comigo veio dona Francisca e veio a Julinha. Nós construímos cento e cinquenta moradia para o povo aqui, era só mata, não tinha ônibus, não tinha pista... dei minha contribuição, hoje moro aqui, desde o dia que inaugurei minha casa até hoje moro aqui e estou feliz aqui no Curió... Nós chegamos aqui em setembro de 96, a primeira vez que entramos aqui, que era só mata, nós convidamos Seu Barroso que era morador daqui. Seu Barroso veio com o cavalo dele... nós entremos aqui dentro desta mata aqui... que era uma cerquinha... a ruazinha era bem... estradinha... toda na areia. E nós vemos... até hoje tem o nosso retrato... Eu com seu Barroso... nós andando aqui dentro... foi que nos mostrou a terra tudinho... foi Seu Barroso. (DONA TEREZINHA S. FERREIRA, 2014, fonte oral)

Nas investigações em busca das histórias e memórias do Curió o grupo co- pesquisador foi composto por estudantes dos 6º e 7º anos do ensino fundamental (2014 turnos matutino e vespertino) e o professor Eudistom Paixão.

O fortalecimento dos laços entre os estudantes, professores e gestores a partir dessas investigações e das investidas que delas decorreram, permitiram a constituição de coletivos de estudos e trabalhos voltados para o fortalecimento da nossa ancestralidade afro. E também, inspiraram as ideias iniciais que me levaram ao projeto de pesquisa que hora concluo com esta dissertação.

Na comunidade do Curió, senti as possibilidades de (des) territorializar, ressignificar e ampliar conceitos (raça, lugar social, racismo, humanidade, liberdade, viver, família); práticas (aula, estudo, pesquisa, festa, trabalho, espetáculo, consumo) e noção de espaços de aprendizagem (sala de aula, escola, bairro, cidade). Vivemos experiências estéticas, fizemos reflexões filosóficas, lemos o mundo através de histórias de vida. E através do fazer artístico referenciado em valores civilizatórios negro-africanos e afro-brasileiros nos aventuramos em na proposta de um currículo afrorrefenciado que se demostrou exitoso (VENTURA; BARBOSA, 2016).

Com o contado com a Pretagogia, com as experienciações e com vivências estético-epistemológicas que trouxe dos meus Territórios Afrorreferenciais de Minas Gerais e com o envolvimento filosófico-espiritual com as comunidades dos bairros

Sabiaguaba e Curió, a palavra, a conversa, a senhoridade foram fontes de conhecimentos- valores das Africanidades. Fundamentaram as opções político-pedagógicas com as quais defendi a educação que pratiquei do ano 2012 ao ano 2018. Estas afrorreferencias conceituais, nos seis anos de Africanidades no Curió, propiciaram-me o aprofundamento da reflexão crítica sobre o uso de materiais didático nos rituais de reforço e de naturalização de valores monocórdicos, acríticos e subalternizantes. Numa educação fundamentada no consumismo, na desigualdade étnico-cultural (FOGAÇA, 2006.), como é a brasileira, exigi-nos educadores assumidamente pretos práticas escolares fundamentadas na vida. A vida como currículo, lida com os sentidos dados pela tradição oral afro-brasileira. E por conseguinte, currículos capazes de estabelecer uma crítica ao racismo institucional e nos propiciar percursos por caminhos docentes voltados para a felicidade.

No ano de 2016 (entre 16 de agosto e 03 de fevereiro), vivi e senti o referencial teórico metodológico Pretagogia em corpo a corpo com uma das suas criadoras, a professora Sandra Haydée Petit. No caminhar com Petit tive acesso aos universos de outras mestras e mestres, afinal como afirma a própria, a Pretagogia é

[...] também oportunidade de chamar mestras e mestres da cultura para dentro da escola, para nos repassarem seus ensinamentos, e para, também realizarmos aulas de campo fora da escola, para vivenciarmos as tradições no seu ambiente natural de produção e de criação (PETIT, 2015, p. 178).

Durante o componente curricular Cosmovisão Africana e dos Afrodescendentes no Brasil, valores civilizatórios corporeidade, comunitarismo, espiritualidade, fundamentos pilares da cosmovisão africana transitaram pela sala de aula da academia de forma que, naquele ambiente escolar. A palavra turma escolar passou a ter um sentido que transcende a noção de pessoas agregadas em / entre quatro paredes no afã de cumprir trabalhos ordinários. Mesmo com seus estranhamentos às abordagens não-convencionais da Pretagogia, e com as idiossincrasias naturais aos humanos, os exercícios de coletividade afrorreferenciados foram exitosos nas produções de conhecimentos, de sensações e de deslocamentos paradigmáticos.

Estas vivências na academia remeteram minhas memórias e sensações aos pequenos núcleos de comunidades afro que formaram nos anos 1950 aos anos1980 as turmas dos construtores, baianos e gurutubanos, da malha férrea que cruza os sertões norte mineiros. O sentimento era de reiniciação-revisitação às práticas de coletividade que o comunitarismo afro primava no trabalho, manual, espiritual e intelectual dos meus

ancestrais.

A introdução à filosofia da ancestralidade negro-africana com a Prª. Sandra Petit se deu com ritos cotidianos de alacridade nas aulas de Cosmovisão Africana. Nestas a felicidade era um primando, e o trabalho coletivo uma prerrogativa que se naturalizava em cada aula, tanto nas aulas nas salas FACED/UFC quanto, na cozinha da culinária afro- caribenha na casa da Prª. Petit, no terreiro de umbanda Almas de Angola e ou no Reisado do Mestre Pio Pirambú (Fortaleza).

Estas interações pretagogizadas aproximou-me mais intimamente com a Pretagogia e fortaleceu os meus procedimentos de trabalho na educação básica, sobretudo ao empoderar minhas opções metodológicas afrorreferenciadas. Um exemplo concreto é a apropriação das metodologias das Rodas de Conversas (numa perspectiva pretagógica) e das Estações de Aprendizagem (EA) como forma de redefinir os propósitos e os tempos- espaços de formação-criação de conhecimentos.

As Rodas de Conversas serão melhor abordadas em seção específica. Quanto as EA, como propõe Petit, são grupos de estudos simultâneos para os quais são dispostos diferentes materiais / criações / produções representativas das Africanidades. Nesta metodologia os grupos de estudos giram por todas as estações temáticas. Vivenciam as Africanidades em cada estação temática para, ao final do ciclo de formação, apresentar aprendizagens coletivas através de formas criativas: palavra rimada, palavra poética, imagens poesia, desenhos, pinturas, gestos, teatralidade, performance, reflexões e agraciamentos. Uma experiência que vale mencionar com as estações de aprendizagem e que permite uma noção da possibilidade de diversificação temática numa abordagem de formação de professores da educação básica foram as vivenciadas no Primeiro Encontro Pedagógico Afrorreferenciado na EM Terezinha Parente, realizado em janeiro de 2018 (vide capítulo 5). Intitulada Proposta de formação continuada: Pretagogia e produção didática escolar, este minicurso permitiu a 35 professores da educação básica, de todos os componentes curriculares, vivências em Estações de Aprendizagem com os temas: culinária, filosofia, oralidade, corpo, dança, afrodescendência, juventude negra e educação infantil.

Voltando ao componente curricular Cosmovisão Africana e dos Afrodescendentes no Brasil, nele incorporei elementos sensitivos, conceitos filosóficos e concepções estéticas que até então tinha apenas noções. É o caso da estruturação do sistema religioso umbandista: nunca o havia compreendido nem mesmo da porteira para

fora, ainda que durante a adolescência, em Montes Claros, fora constantes os contatos com terreiros de Umbanda mediados por minhas irmãs. Porém, nesta experiênciação propiciada numa noite de visita ao terreiro de umbanda Almas de Angola atingi mais do que a compreensão intelectiva da religiosidade afro-brasileira. Diante da emoção inexplicável que me tomou naquela noite, experienciei uma sensação fantástica que registrei na Sanfona de Aprendizagem naquele dia 13 de janeiro de 2017: – Deus existe, negro no meu eu, Deus existe.

A Sanfona de Avaliação, como já mencionei brevemente, é outro instrumental desenvolvido pela professora Petit que permite o registro das impressões e sensações das pessoas envolvidas nas aulas e oficinas afrorreferenciadas. São simples papeis em dobraduras sanfonadas nos quais cada pessoa participante de uma Estação de Aprendizagem anota suas impressões, sensações, sentimentos e aprendizagens de forma livre e, geralmente, anônima. Estas anotações servem para a manifestação imediata, como num instantâneo fotográfico, de sensações, sentimentos e aprendizagens que permitam posterior autorreflexão e análise de dados por parte de facilitadores/as de um curso ou oficina inspirados na Pretagogia.

Para ampliar o espectro de possibilidades de avaliação dos efeitos do componente curricular Cosmovisão Africana e dos Afrodescendentes no Brasil sobre as/os graduandas/os que cursavam a referida disciplina, também passei a realizar gravações em vídeos – sempre autorizada pelos coletivos. Tal metodologia potencializou a produção de dados nesta pesquisa. O impacto transformador das vivências propiciadas pela professora Sandra Petit é expresso nos depoimentos de estudantes. Ao final de uma das aulas na residência da professora/orientadora uma estudante sistematizou a relevância da Pretagogia no enfrentamento ao racismo estrutural imperante nos cursos de graduação e pós-graduação no Brasil, nas suas palavras,

[...] Essa disciplina foi uma disciplina completamente diferente... Primeiro, foi extremamente significativo ter uma professora negra, mulher negra que fala sobre Africanidades, sobre negritude. No meu curso, eu sou das letras, eu só tive um professor negro. Vou me formar no próximo semestre e só tive um professor negro. É um curso extremamente racista, embora as pessoas pensem o contrário, por ser um curso da classe trabalhadora..., mas é um curso muito, muito, muito racista... Assim... Eu mesma sofri muito racismo no meu curso... Professor mesmo, perguntar se tinham aberto as portas da senzala porque tinham alunos negros na sala (ESTUDANTE CULINÁRIA AFRO, 2016, fonte oral).

A mesma enfatiza a relevância, para nossos estudantes, de se autorreferenciarem em intelectuais, epistemologias e metodologias afrorreferenciadas, ela foi enfática,

[..] é por isso que é extremamente importante... Foi muito importante para mim, chegar na minha sala e ver que minha professora é uma mulher negra… não vai ter esse tipo de episódio na sala. E foi incrível poder vivenciar isso, ter acesso ao material sobre Africanidades, poder ver a cosmovisão africana assim foi genial (Idem).

A vivência mais desafiadora durante meu Estágio de Formação Docente no componente curricular Cosmovisão Africana foi organizar e executar as Estações de Aprendizagem das aulas sobre Tradição Oral, Religiosidade, Arte e Pertencimento como me propôs a Profª Petit. Isso porque a oralidade não se restringe ao mero falar palavras, como explica Vansina (2010, p. 140),

A oralidade é uma atitude diante da realidade e não a ausência de uma habilidade. As tradições desconcertam o historiador contemporâneo – imerso em tão grande número de evidências escritas, vendo-se obrigado, por isso, a desenvolver técnicas de leitura rápida – pelo simples fato de bastar à compreensão a repetição dos mesmos dados em diversas mensagens. O historiador deve, portanto, aprender a trabalhar mais lentamente, refletir, para embrenhar-se numa representação coletiva, já que o corpus da tradição é a memória coletiva de uma sociedade que se explica a si mesma.

Fui instado pela minha professora orientadora a compartilhar pela primeira vez em uma turma de graduação minhas práticas e saberes adquiridos ao longo da experiência docente na Educação Básica. Isto expôs a minhas fragilidades, mas também as minhas potencialidades. Permiti-me assim colocar em prova minha experiência afro- docente. Uma situação relativamente aflitiva já que o meu corpus da tradição afromineira, da memória coletiva que constituem meu Eu-Afro, estava presente na minha prática docente já há alguns anos, mas, não no nível acadêmico a que agora eu era chamado a assumir. Mas, ao fim do meu estágio de formação docente, o uso da minha abordagem profissional numa perspectiva autobiográfica-afrorreferenciada, como metodologia de pesquisa-formação, propiciou-me fazeres pedagógicos coletivos exitosos.

A obra Pretagogia: Pertencimento, corpo-dança afroancestral e tradição oral africana na formação de professoras e professores, da Profª Sandra Petit (2015), abriu minha percepção para as potencialidades das narrativas autobiográficas afrorreferenciadas. Uma vez que esta obra é um demonstrativo da produção de sentidos e

metodologias de pesquisa voltados para o fortalecimento dos nossos enraizamentos; de formas de empoderamento do pertencimento afro e suleamento epistemológico para produção / transmissão de valores civilizatórios afro-brasileiros. Os estudos vivenciais propiciados com a narrativa da história de vida da autora a partir do seu corpo-dança me permitiu gingar com autores e autoras decoloniais. Oportunizou-me rever e reconhecer valores filosóficos-pedagógicos da cosmovisão africanas (PETIT, idem). As experiências com a Profª. Petit confirmam o que Marie-Crhistine Josso (2010, p. 288) formula: “[..] Em formação, as histórias de vida tocam as fronteiras do racional e do imaginário”.

Os toques da Pretagogia me fizeram sentir a necessidade de falar de mim a partir das “[...] Histórias do meu lugar de pertencimento / comunidade / Territorialidades e desterritorialidades negras” dos meus “movimentos de deslocamentos, geográficos, corporais e simbólicos” (PETIT; ALVES, 2015, pp. 138-139).

Inspirado na Pretagogia busquei compor minhas “narrativas de formação” (JOSSO, idem, p. 27) a partir da identificação das pessoas e lugares de formação da minha pessoa. Nesse processo, ao olhar para as escolas por que passei, à primeira vista, visualizei apenas mulheres entre as pessoas professoras de relevância. Mas aí o meu corpo afro ancestral gritou: professora negra, cadê?

A memória mais remota que trago da minha vida escolar remete-me à imagem de ‘Tia Terezinha' ainda no jardim da infância, na Escola Municipal Deputado Antônio Pimenta na minha cidade de nascimento. Ali iniciaram a vida escolar todos os filhos de dona Dorlinda Ventura e também alguns netos e bisnetos.

Carinhosamente chamada de jardim, a Escola Municipal Deputado Antônio Pimenta cumpria um importante papel na integração das crianças dos bairros Morrinhos, Santa Rita e Cintra à vida comunitária e à ancestralidade afro montesclarense, nos anos 1960 aos 1980. Para mim, o jardim é um lugar geomítico, tempo / espaço que promoveu os meus primeiros encruzilhamentos com a profissão docente. Este reconhecimento me foi propiciado ao reativar as minhas memórias nas vivências pretagógicas que monitorei no decorrer das aulas de Cosmovisão Africana. Em particular, nos exercícios de identificação dos meus Marcadores das Africanidades (MA) e na construção coletiva da Árvore do Afrossaberes (esta é um artefato pedagógico em que utilizamos os conceitos metafóricos raiz, tronco, galhos, folhas e frutos, para estimular nos estudantes seus identificativos de ‘marcas’ das Africanidades correspondentes a cada Ciclos Vitais de Formação da Pessoa - cumpridos a cada sete anos).

Nos mergulhos em meus Ciclos Vitais de Formação da Pessoa rememorei os processos que me levaram a optar pela profissão docente. E mais, adentrei-me no passado que me fez o professor que sou hoje. Reencontrei-me nas minhas memórias com Tia Teresinha, com minha pessoa criança que aos seis anos teve as primeiras vivências com as ruas do bairro Morrinhos em Montes Claros. Tia Teresinha foi a minha iniciadora nas histórias, nas lendas, nas brincadeiras e nos encantamentos do povo afromontesclarense, assim como minha mãe fora na literatura oral gurutubana. Amante da beleza de todos, compensava na escola, com afagos e carinhos, as agressões racistas que decorriam dos olhares sobre a minha cabeleira crespa de criança. Cabeleira que por mais que eu molhasse insistia em encaracolar, encrespar, e quanto mais encrespada, mas afagada pela única Tia do meu jardim, da infância presente nas minhas lembranças.

Segundo Piedade Videira, “a criança afrodescendente se depara, desde cedo, com toda essa estereotipia que circula na sociedade brasileira. A própria escola reproduz a ideologia da dominação e a assimetria de valor cultural, conceitual, social entre afrodescendentes e eurodescendentes”. (VIDEIRA, 2009, p. 24).