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Aspectos Teóricos e Revisão da Literatura

2.3 Comportamento dos HPA no Ambiente Marinho e seus Metabólitos 1 Propriedades físico-químicas dos HPA

2.3.2 Ciclos Geoquímico e Biológico dos HPA no Meio Ambiente

Conforme já mencionado, os HPA são compostos ubíquos no ambiente e esta característica pode ser explicada tanto pela multiplicidade de suas fontes quanto pela sua estabilidade e transporte a longas distâncias, (Neff, 1979, MacDonald et al, 2000a e b, Yunker, 2002). Eles podem estar presentes nos compartimentos água, sedimento e atmosfera. Na água, podem estar dissolvidos (associados à matéria orgânica dissolvida) ou adsorvidos às partículas ou colóides em suspensão. No sedimento, podem ser encontrados adsorvidos sobre as partículas ou dissolvidos na água intersticial. Na atmosfera, os HPA podem estar na forma gasosa ou adsorvidos sobre o material particulado atmosférico. Um esquema simplificado das diversas origens e dos processos de transporte e transformação dos HPA no meio ambiente encontra-se ilustrado na Figura 2.3.

O transporte dos HPA dentro do meio ambiente pode ocorrer de várias formas. O transporte atmosférico é importante, pois permite percorrer longas distâncias, podendo inclusive cruzar oceanos (Macdonald et al, 2000b , Simoneit, 2000). Do compartimento atmosférico, os HPA podem ser transferidos e depositados para os ambientes continental e marinho. A transferência destes compostos do ambiente continental para o marinho pode ocorrer, subsequentemente, através da erosão dos solos seguido do transporte fluvial.

Ao longo de todo seu transporte, os HPA podem passar por transformações através de mecanismos físicos, químicos e biológicos. Os HPA, quando presentes na superfície da água ou durante o processo de sedimentação, podem ser foto- oxidados dentro da zona fótica ou biodegradados por bactérias (Cerniglia and Heitkamp, 1989). Estão sujeitos também a evaporação, com perdas seletivas dos compostos de baixa massa molar (abaixo de 150 unidades de massa atômica) e baixo ponto de ebulição (abaixo de aproximadamente 175°C) (Stout et al, 2002).

Rejeitos relativos a transporte Queima de Florestas e Plantações Transporte atmosférico Deposição Rejeitos industriais Lixiviado de solos Fontes de HPA Transporte e transformação dos HPA

Tran sporte fluvial Rejeitos urbanos Foto - oxidação Derrame acidental de óleo Re-suspensão Degradação bacteriana S edi m ent aç ão Degradação bacteriana Diagênese da matéria orgânica Jazida de petróleo Bioacumulação Esxudação natural Metabolização Excreção Deposição de material fecal Advecção Rejeitos relativos a atividade de exploração de petróleo

Uma metodologia de predição de evaporação de óleo ou derivados de petróleo foi desenvolvida por Fingas (2001b), considerando perda mássica do óleo a 180°C na curva de destilação, a temperatura ambiente e o tempo de exposição. Alguns óleos seguem a equação logarítima (1) e outros seguem a equação de raiz quadrada (2).

Equação logarítima:

% evaporação = 0,165 (%D) + 0,045 (T – 15) ln(t) (1)

Equação de raiz quadrada:

% evaporação = [0,0254 (%D) + 0,01 (T – 15) ¥(tempo)] (2)

Onde %D é a percentagem mássica destilada do óleo a 180°C, T é a temperatura ambiente (°C) e t é o tempo (minutos).

Quando depositados nos sedimentos marinhos, os HPA podem também sofrer biodegradação por ação de bactérias hidrocarbonoclásticas e fungos (Cerniglia and Heitkamp, 1989, Juhasz et al, 1997, Cerniglia, 1992, Nadalig, 1998, Luo et al, 2005). Esta degradação biológica dos HPA, no entanto, depende de fatores tais como disponibilidade de nutrientes, existência de substratos alternativos, concentração dos HPA e concentração dos microorganismos (E & P FORUM, 1994). Depende também do número de anéis na estrutura: quanto menor o número de anéis, maior a taxa de degradação do composto. Portanto, com o acréscimo da massa molecular dos compostos a resistência à degradação aumenta (Stout et al, 2002, Page et al, 1995, Bence et al, 1996).

O grau de alquilação é outro fator que influencia na taxa de degradação dos HPA, sendo também inversamente proporcional: quanto menor alquilação, maior a taxa de degradação do composto (Bailey et al, 1973, Cerniglia and Heitkamp, 1989; Bence et al, 1996, Macdonald et al, 2000b). Importante também mencionar que as taxas de biodegradação em sedimentos contaminados com HPA é mais elevada que em sedimentos pristinos possivelmente devido a adaptações na população microbiana por exposição crônica aos HPA, resultando em maior resistência a

toxicidade ou no aumento da habilidade em usar os HPA como substratos (Cerniglia and Heitkamp, 1989).

Amostras ambientais contendo HPA que sofreram intemperismo apresentam uma distribuição característica destes compostos, diferente daqueles contendo HPA sem alterações provocadas por evaporação, dissolução, degradação biológica ou foto-oxidação. Isto pode ser observado na Figura 2.4 de duas formas:

x a abundância relativa dos naftalenos diminui em relação aos fluorantenos, fenantrenos, dibenzotiofenos e crisenos, pois os primeiros são mais susceptíveis a degradação ;

x o padrão de distribuição dos isômeros dos naftalenos, fenantrenos e dibenzotiofenos se altera: passa de uma distribuição gaussiana, com concentração máxima nos isômeros alquilados com 2 e 3 carbonos (C2 e C3 HPA alquilados) para uma distribuição crescente com concentração máxima para o isômero de maior alquilação (HPA parental < C1 <C2 < C3 < C4). Isto ocorre porque os isômeros de maior alquilação são mais resistentes à degradação (Sauer and Uhler, 1994-1995; Stout et al, 2002, Page et al, 1995).

Figura 2.4. Variação da distribuição dos HPA em amostra de sedimento de Prince

William Sound, Alaska, após acidente do navio Exxon Valdez face ao intemperismo. a) amostra do óleo derramado cru 1989; b) amostra de sedimento da linha de costa 1989 (adaptado de Page et al.,1995). Abreviaturas no Anexo A.

A avaliação desta alteração no padrão de distribuição dos HPA devido ao processo diferenciado de degradação entre os compostos é geralmente acompanhada através da razão entre C2 Criseno e C2 Fenantreno uma vez que o criseno é mais resistente a este processo que o fenantreno (Figura 2.5). Desta forma, com o tempo, a razão C2 Criseno/C2 Fenantreno aumenta. O mesmo pode ser observado para a razão C2 Criseno/C2 Dibenzotiofeno (Page et al, 1995, Wang et al., 1999, Stout et al, 2002, Bence et al., 2007). A razão entre os naftalenos alquilados (alquil N) e o total de HPA também pode ser utilizada para acompanhar a evolução do intemperismo, apresentando um comportamento inverso à razão C2 Criseno/C2 Fenantreno uma vez que os naftalenos alquilados são mais rapidamente degradados que as demais HPA.

Figura 2.5. Evolução da razão C2 Criseno/C2 Fenantreno para amostras do óleo

derramado do navio tanque Exxon Valdez no Alasca ao longo do tempo (adaptado de Page et al., 1995). Abreviaturas no Anexo A.

As características do ambiente marinho também influenciam na distribuição dos HPA no meio ambiente. O teor de carbono orgânico nas partículas em suspensão ou no sedimento é um parâmetro importante, pois observa-se que, quanto mais ricos em carbono orgânico forem os sedimentos ou partículas, mais forte é a afinidade dos HPA por estes compartimentos (Knezovich et al., 1987).

A distribuição da granulometria do sedimento é também outro parâmetro que se deve levar em conta. Os sedimentos mais finos, com uma surperfície de adsorção mais elevada, tendem a apresentar maior afinidade com os HPA que os sedimentos com maior granulometria. Além disso, dentre os HPA, os compostos de maior massa molar são concentrados preferencialmente nos sedimentos finos. Com isso, existe uma tendência de maior concentração de HPA de massa molar mais elevada em sedimentos finos (Prahl and Carpenter, 1983; Raoux and Garrigues, 1993; Gobas and Zhang, 1994).

Ainda sobre as características do ambiente marinho que podem influenciar na distribuição dos HPA, vale ressaltar que o tempo de contato entre estes compostos e sedimentos envelhecidos abaixo da superfície fortalece as interações contaminante- matriz; e com isto constata-se uma diminuição da disponibilidade dos HPA ao longo da profundidade da coluna sedimentar (Harkey et al., 1995).

Ao longo de todo o ciclo geoquímico dos HPA no ambiente, estes compostos podem estar disponíveis aos organismos. A disponibilidade dos HPA dissolvidos na coluna d’água é maior que a dos HPA adsorvidos em sedimentos e partículas (Neff, 1984). Após absorção pelos organismos, os HPA podem se transferir e ser retidos nos órgãos ricos em lipídios, podendo ocorrer a bioacumulação. A absorção dos HPA presentes no sedimento por organismos aquáticos pode ocorrer através da via alimentar (caso dos organismos bentônicos) ou através da absorção pela pele (Bailey et al., 1973). Alguns organismos aquáticos podem também filtrar os sedimentos através das brânquias.

A disponibilidade dos HPA aos organismos varia em função da maneira de viver dos mesmos. Os organismos que vivem na região entremaré estão mais expostos aos HPA que os que vivem em águas profundas face ao maior número de fontes destes compostos. Os organismos fixos filtrantes (mexilhões, ostras), uma vez expostos aos HPA, tendem a acumulá-los em seu tecido e por isso são comumente utilizados como organismos sentinelas (Farrington et al., 1983, Baumard et al., 1998a, b, c, d, Varanasi et al., 1990, Sericano et al., 1995, O’Connor, 1996, NOAA, 1997, Wade et al., 1998, Durell et al., 2000, Francioni, 2001). Os invertebrados bênticos (poliquetas, caranguejos, lagostas, camarões) quando

expostos aos HPA depositados nos sedimentos marinhos podem acumular estes compostos em seus tecidos e posteriormente transferi-los aos organismos da cadeia trófica imediatamente acima deles, porém esta transferência é interrompida pelos organismos marinhos vertebrados (peixes, mamíferos) e o processo de biomagnificação dos HPA nos níveis tróficos superiores da cadeia alimentar não ocorre. Os HPA são metabolizados por estes organismos, secretados na bile e, subsequentemente, excretados no trato alimentar (Buhler and Williams, 1989, Foureman, 1989, Broman et al., 1990, Varanasi and Stein, 1991, E & P Forum, 1994; ONU, 1999; Saxton, 1993; NOAA, 1989; Krahn et al., 1992, NOAA, 1993; UNEP, 1999).

Portanto, a concentração/acumulação dos HPA nos tecidos dos organismos aquáticos é governada por um fenômeno complexo: resulta do equilíbrio entre a aquisição (uptake) dos HPA (que depende da biodisponibilidade do contaminante e do tipo de dieta do organismo) e sua depuração (que depende da capacidade de biotransformação do organismo em relação à cadeia trófica). A Figura 2.6 apresenta de forma simplificada este processo.

O uptake é governado primeiramente pela biodisponibilidade, que por sua vez, está associado com sua solubilidade na água. Como os HPA são hidrofóbicos, tendem a adsorver em partículas e com isto sua solubilidade decresce (Neff, 1979). Além disso, como a solubilidade dos HPA decresce com o aumento da massa molar, a sua bioacumulação nos organismos é geralmente maior para os compostos de menor massa molar que apresentam maior solubilidade em água (Djomo et al., 1996).

O uptake é governado também pelo tipo de dieta do organismo: a acumulação dos HPA em organismos que se alimentam diretamente do sedimento ou vivem em contato íntimo com o sedimento, mais expostos aos contaminantes, é maior que em organismos que se alimentam de outros organismos, como os carnívoros, por exemplo, que estão menos expostos aos HPA (Baumard et al., 1998a).

E finalmente, organismos de distintos níveis tróficos acumulam, de forma diferente, os HPA assimilados devido às suas diferentes capacidades de

biotransformação. À medida que se sobe na cadeia trófica, maior é a capacidade de biotransformação/ metabolização dos HPA e, portanto, menor acúmulo dos mesmos (Buhler and Williams, 1989, Foureman, 1989, Broman et al., 1990, E & P Forum, 1994). Ocorrem também diferentes taxas de biotransformação dos HPA, sendo as maiores taxas para compostos de massa molar mais elevada. Assim, subindo na cadeia trófica, a tendência é haver uma discriminação dos HPA de elevada massa molar, isto é, um acúmulo preferencial dos HPA de baixa massa molar (Broman et al., 1990).

OH

1-Hidroxinaftaleno

Exposição

Absorção

Depuração

Bioacumulação

Toxicidade

OH

Biotransformação

(Metabólitos)

Figura 2.6. Processo de transformação dos HPA em organismos aquáticos.

Em decorrência da elevada capacidade de metabolização apresentada pelos peixes, os teores de HPA em seus tecidos, quando expostos à estes compostos, são usualmente baixos (Krahn et al, 1986a; Varanasi et al, 1989; Varanasi and Stein, 1991; van der Oost et al, 2003). Portanto, torna-se mais adequada a determinação dos teores dos metabólitos dos HPA para uma avaliação do nível de exposição destes organismos.

Os metabólitos dos HPA têm sido extensamente analisados na bile de peixes através de metodologias já consagradas (Krahn et al, 1986a e b, Krahn et al, 1987, Krahn et al, 1992, Krahn et al, 1993a,b, van der Oost et al., 1994, Ruddock et al., 2002, Richardson et al., 2001, Mazeas, 2004, Budzinski et. al, 2004, Silva, 2005, Silva et al, 2006, Le Dû et al, 2006, Vuorinen et al., 2006). São classificados de acordo com NRC (National Research Council) (1987) e WHO (World Health Organization) (1993) como biomarcadores de exposição, isto é, moléculas

resultantes da interação dos HPA com o organismo vivo (resposta biológica), medido dentro do organismo ou em seus fluidos biológicos; um sinal precoce de exposição de organismos à contaminação de HPA.

Dados da literatura corroboram a correlação entre a concentração de metabólitos na bile de peixes e a concentração de HPA no meio ambiente (Khran et al, 1992, Khran et al, 1993, Yu et al, 1995). Collier and Varanasi (1991) ressaltam, no entanto, que o nível de metabólitos na bile se apresenta como melhor indicador quando os organismos são expostos a concentrações elevadas de HPA, não se mostrando, em geral, sensível quando expostos a baixos níveis destes contaminantes.

A conexão entre os níveis externos, os níveis internos dos tecidos/fluídos dos organismos e os efeitos adversos iniciais de exposição aos HPA precisa ser estabelecida para uma avaliação criteriosa de riscos do ambiente contaminado com estes compostos. O estabelecimento do impacto dos HPA sobre o ambiente aquático tem sido extensamente estudado na literatura, mas ainda não totalmente determinado (van der Oost et al, 2003).