• Nenhum resultado encontrado

Cidadania da AIDS e tecnologias do eu: AIDS como dispositivo de saber-poder

Longevidade e células-tronco: a biomercadoria

5. Cidadania da AIDS e tecnologias do eu: AIDS como dispositivo de saber-poder

Roselene Alencar

Entre as paredes carcomidas pelo tempo, nos casarões do centro antigo da cidade do Salvador, habita uma população de pequenos traficantes de drogas, assaltantes, descuidistas, prostitutas. Este quarteirão colonial constitui, desde as primeiras décadas do século XX, o coração das políticas patrimoniais do Estado, como parte de uma discussão mais ampla sobre a identidade nacional. Eis a razão pela qual estas pessoas se tornaram alvos das políticas de saneamento social-urbano; em outras palavras, seu modus

vivendi passou a ser objeto de disputa de diversas entidades assistenciais e governamentais.

Não foram poucos os projetos de intervenção e disciplina sobre estes modos de vida, particularmente após o advento da AIDS (BIEHL, 2007, 1997; COLLINS, 2008, 2007, 2004).2

Significativa parcela destes moradores era usuária de substâncias psicoativas e portadora do vírus da imunodeficiência adquirida. Ao lado desses soropositivos, eram encontradas instituições governamentais e não governamentais que objetivavam “minimizar” o sofrimento desses “pobres diabos”. Através de programas de assistência, pretendiam “incluir socialmente” aqueles que há muito e por diferentes motivos foram marginalizados, em esferas de cidadania.

Contudo, para se tornarem “cidadãos” através das ações das instituições governamentais e ONGs, os soropositivos deviam, como contrapartida, se submeter a certas regras e bio-padrões que não faziam parte de suas práticas cotidianas (COLLINS, 2008). Ao optarem por essa cidadania da sujeição, entretanto, eles desenvolveram certas estratégias aqui denominadas de ações biopolíticas3 (FOUCAULT, 2004).

A principal discussão neste artigo é esse processo de construção de sujeitos através da AIDS como resultado de distintas experiências com a enfermidade na sua inter- relação com estas instâncias de controle e assistência. Dessa maneira, analisei a realidade vivida por pobres urbanos portadores de HIV/AIDS em Salvador, muitos deles sem qualquer acompanhamento ambulatorial continuado. Ao contrário de apresentar um retrato retocado dos “pobres coitados” vítimas da AIDS que vivem na área daquele centro antigo da cidade, pretendo apresentar as estratégias de sobrevivência manufaturadas na condição de portadores de HIV e suas ações biopolíticas, desenvolvidas na sua relação com as instâncias que controlam o “saber” e a “verdade” sobre a AIDS (FOUCAULT, 1993; AGAMBEN, 1998).

Deste modo, o objetivo foi de reconstruir as experiências da doença destes indivíduos, apontando para suas práticas de convivência com a AIDS nessa realidade de “pobreza” e muitas vezes de total exclusão social. Para tanto, busquei compreender e

Cidadania da AIDS e tecnologias do eu

90

evidenciar como se estruturam e se atualizam as relações entre os portadores, as instituições governamentais de saúde pública local e organizações não-governamentais de apoio e assistência, assim como as estratégias individuais e coletivamente compartilhadas em busca de inserção para viabilizar o acesso a esses serviços, como também as formas de controle exercitadas pelas instituições promotoras.

Trabalhar com esta problemática significa pensar a construção da concepção de sujeito na sociedade ocidental a partir da definição legada por Michel Foucault (1995). Dessa perspectiva, sujeito é o indivíduo submetido a certa situação de controle e aprisionamento que tem como suporte a incorporação social de uma – entre muitas – identidade específica. No caso em análise, essa identidade mais inclusiva e determinante seria a própria condição de portador do HIV, que o categoriza e o distingue, o faz reconhecer-se e ser reconhecido por outrem na sua individualidade (FOUCAULT, 1995, p. 235). Esse fenômeno configura, para Foucault, um processo de sujeição de duplo vetor: do próprio sujeito e das instituições que sobre ele atuam.

Os hospitais públicos de referência, ONGs e instituições filantrópicas em Salvador são aqui tomadas como parte dessas instâncias de controle sobre os portadores da síndrome. Essa “assistência”, representada pela administração regular de medicamentos e pela distribuição de alimentos, supostamente credencia/legitima algumas instituições a atuarem tendo em vista uma normatização dos comportamentos, sobretudo aqueles afetos às práticas sexuais e ao uso de substâncias psicoativas, sobretudo quando se trata de usuários de drogas injetáveis, como contrapartida ao reconhecimento do indivíduo como “portador da AIDS”. Em decorrência disso, em muitos casos verifica-se o desencadeamento de um processo de aceitação da condição de portador do HIV/AIDS, em certo sentido passiva, na medida em que se traduz na manutenção de práticas cotidianas classificadas como de riscoriscoriscoriscorisco.

Não seria correto afirmar que as repercussões dessas práticas normatizadoras sobre os portadores são homogêneas. Alguns soropositivos não aceitam essa cidadania de subordinação. Isto sugere o questionamento das implicações dessa negação de alguns portadores da síndrome à essa imposição de práticas e valores exógenos e sua conseqüente marginalização do sistema oficial e mesmo extra-oficial de assistência. Por outro lado, vista sob a ótica da “insubordinação” (FOUCAULT, 1995) tal recusa pode representar, por parte do sujeito, uma resistência, um contra poder que visa assegurar a sua integridade enquanto indivíduo e resguardar sua liberdade de optar por um modo de vida que considera legítimo. Desse ponto de vista, poder-se-ia inferir que essa “insubordinação” constitui, de fato, uma negação do poder centralizador das instituições médicas e assistenciais sobre a doença e o doente. Em última análise, representa a assunção de uma postura crítica à “instância de controle global”4 representada pelo Estado (FOUCAULT, 1977).

A metodologia utilizada no estudo foi norteada pelo conceito de dispositivo, dispositivo, dispositivo, dispositivo, dispositivo, que para Foucault significa um “conjunto decididamente heterogêneo que engloba discursos, instituições, organizações arquitetônicas, decisões regulamentares, leis, medidas administrativas, enunciados científicos, proposições filosóficas, morais, filantrópicas [...]. O dispositivo é, portanto, a rede que se pode estabelecer entre esses elementos” (FOUCAULT, 1995, pág. 244). Assim procedendo, tive em vista a análise situacional da gênese dos “saberes” sobre a AIDS que toma como referência o cenário sociopolítico e econômico no qual se movimentam os indivíduos. Objetivei apreender os microprocessos sócio-político-econômicos dos indivíduos no âmbito da saúde, tendo como pano de fundo a noção de “cidadania”, fundamental para situar as suas formas de inserção no

Roselene Alencar

91

mundo. Tal dimensão “subjetiva” é constituída nas relações cotidianas do indivíduo. Investiguei, do ponto de vista dos indivíduos, por um lado, em que medida a condição de portador do HIV/AIDS, aliada a uma situação de baixo poder aquisitivo, atua como um mecanismo reforçador das clivagens sociais, aprofundando o sentimento de exclusão das “obrigações, direitos, e inclusão na comunidade política” (BROWN, 1997, p.5), que conformam a noção de cidadania, tão em voga nos tempos atuais. Por outro lado, essa mesma condição é, em certos casos, incorporada pelos indivíduos enquanto uma possibilidade de “melhoria de vida”, isto é, uma estratégia para assegurar a prestação de bens e serviços aos quais de outro modo não teriam acesso. Pois ter AIDS confere um status diferenciado5 no que se refere tanto à assistência médica, quanto à aquisição de

outros benefícios, oriundos de instituições de caridade e ONGs.

O conceito de cidadania foi utilizado como eixo articulador das discussões engendradas, enquanto um modelo “ideal” que sintetiza os atributos que positivam a condição do indivíduo moderno (BROWN, 1997). Para os objetivos em pauta, interessou- me mais especificamente explorar o conceito de cidadania a partir da perspectiva liberal – que torna explícitas as relações entre o indivíduo e o Estado - posto ser o meio de informar as políticas públicas nos países de ideologia “individualista” (DUMONT, 1993) como é o caso do Brasil.

Na visão de Gilberto Velho (1987), o Brasil é constituído de gradações diferenciadas entre hierarquia e individualismo, tornando difícil defini-lo de acordo com os modelos culturalistas tradicionais. Entretanto, o modelo hierarquizante atua de forma decisiva na sociedade brasileira, muito embora saibamos que ele não é o único. Acrescentando-se a isso a presença massiva do Estado, deparamo-nos com “os limites dos indivíduos enquanto sujeito moral e político”. Para ele, esses são alguns dos motivos da frágil noção de cidadania no Brasil, acrescentando “embora na lei tenhamos, de um modo geral, definidos direitos e liberdades extensivos a todos os membros da sociedade brasileira, na prática temos cidadãos de primeira, segunda e terceira classes e mesmo não-cidadãos, isto é, indivíduos sem voz, sem espaço e sem nenhum respaldo real nas instituições vigentes” (VELHO, 1987, p. 146).

É característico do sistema liberal que as políticas sejam definidas como ações concebidas e normatizadas pelos próprios cidadãos, com finalidade essencialmente instrumental. Como explicita Brown: “no liberalismo, cidadãos são considerados como dotados de direitos corporais. Sociedade reflete e assegura cidadãos garantindo formalmente, através da constituição escrita que confere um status amplamente legal aos cidadãos” (BROWN, 1997, p. 6).

Nesse sentido, cabe indagar se os portadores de HIV/AIDS tratados nesta pesquisa detêm algum tipo de cidadania, uma vez que se encontram, em sua maioria, desprovidos até mesmo dos signos primários que a definem?6 Quais princípios ou critérios nortearam

a elaboração das políticas públicas que conformam o conjunto de instituições que assistem e apóiam os portadores de HIV/AIDS? Como são percebidas por seus usuários?

Conforme Fleury (1996), a intervenção estatal nas problemáticas ditas sociais, através da implementação das políticas públicas, institui uma relação de direito positivo do Estado para com o indivíduo que, em última análise, é condição necessária para o surgimento daquilo que se convencionou denominar “cidadania”. Desta forma, busquei analisar de que modo as políticas públicas em saúde, particularmente no que se refere aos soropositivos vivendo em situação de pobreza, atuam no sentido de fornecer subsídios para a construção da cidadania desses sujeitos sociais.

Cidadania da AIDS e tecnologias do eu

92

Como dito anteriormente, para pensar a construção de sujeitos (cidadãos) pela AIDS utilizei como referência a discussão foucaultiana sobre sujeito e poder. Foucault, em dado momento da sua trajetória intelectual, voltou-se, a partir de uma genealogia nietzschiana, para a explicação de valores, instituições e práticas sociais por meio das quais emergem os sujeitos sociais. Essa nova direção em seu pensamento despertou-lhe uma atenção mais acurada à questão do poder e do corpo no seu relacionamento com as ditas ciências humanas. Para ele, na sociedade contemporânea existia uma organização difusa denominada de “poder biotécnico” que estava vinculado ao “crescente ordenamento em todas as esferas sob o pretexto de desenvolver o bem-estar dos indivíduos e das populações” (FOUCAULT, 1995), tendo por objetivo o aumento do próprio poder.

O biopoder é a forma moderna de poder que pode ser caracterizado pelo aumento da organização e do bem-estar da população, objetivando o aumento da força e da produtividade. Daí porque é possível entendermos o papel das organizações governamentais que desenvolvem políticas públicas para promover o bem-estar dos “corpos doentes” e do ativismo das ONG que atuam no sentido de organizar os soropositivos, em torno dos seus direitos, como duas formas diferentes e complementares de exercício do biopoder.

Foucault tenta nos mostrar de que maneira a nossa cultura “normaliza” os indivíduos por meio de técnicas progressivamente racionalizadas, tornando-os sujeitos com sentido e objetos dóceis (FOUCAULT, 1977). Mais uma vez, é possível vislumbrar a pertinência dessa análise para a compreensão da temática da AIDS, à medida que proponho entender de que maneira os diferentes discursos biomédicos e sociais sobre a AIDS docilizam os corpos e constroem os sujeitos da AIDS (soropositivossoropositivossoropositivossoropositivossoropositivos). AIDS serviu como um pano de fundo onde foi possível perceber as relações entre sujeito, poder e verdade no momento atual e em nossa sociedade.

Nesse sentido, neste artigo busquei compreender e explicar um fenômeno da nossa história, no momento da sua plena efervescência. Comparando-se a AIDS com o que foi a questão da sexualidade estudada por Foucault, em História da Sexualidade, foi possível apontar algumas convergências. Como o discurso sobre a sexualidade, a AIDS trouxe no seu bojo também uma incitação ao discurso sobre o sexo, com a confissão das práticas sexuais, com ênfase especial para as práticas “aberrantes” (sodomia), costumes de vida ilícitos como o uso de drogas, bissexualidade, adultério, sexo informal e grupal. Nunca e em tempo algum uma enfermidade gerou tantos congressos, encontros e uma mobilização sem precedentes em torno de formas de arregimentação, isto é, “normatização” do comportamento das pessoas. Como ensejadora de práticas divisoras, a AIDS vem encetar um potente dispositivo de saber e poder da atualidade, estabelecendo um modo de subjetivação dos sujeitos por meio da classificação de “portadores” em relação às pessoas sadias e também através das práticas individualizadoras do cuidado de si.

Outro fator importante, no que toca a AIDS como um moderno dispositivo de saber e poder, diz respeito aos jogos de força – relações de saber, poder e verdade – entre os sujeitos e as instituições, tanto no que se refere à instância central que é o Estado, quanto com as instituições da sociedade civil, as organizações não governamentais. Pode- se questionar aí a instrumentalidade desses sujeitos para com essas instituições e vice- versa.

É exatamente essa correlação de saber, poder e verdade referente à AIDS que age sobre os indivíduos contaminados pelo HIV/AIDS. As instituições médicas, governamentais e não-governamentais atuam sobre os indivíduos através de aparatos

Roselene Alencar

93

médicos e técnicos sob a forma de registros, prontuários, práticas invasivas da medicina, difusão de preceitos éticos e morais de sexo seguro explicitado pela tão requerida educação preventiva. O indivíduo também age retroalimentando essas instituições. A partir do momento em que recebem a sorologia positiva para HIV, os indivíduos passam por um processo do “aprender” a viver com HIV/AIDS, ou seja, encaminham-se a uma “cidadania da AIDS”.7

Com relação às trajetórias pessoais que foram estudadas, utilizei a categoria ana- lítica “conjunto” para me referir àqueles que se integram primariamente através da experiência da doença em condições de marginalidade e graus diferenciados de assujeitamento ao biopoder. Além do fato de serem todos soropositivos, viverem na mesma área da cidade e “compartilharem” semelhantes condições materiais de vida, não há unidade ou convergência de objetivos entre suas ações. Contudo, a convivên- cia com o HIV exige o desenvolvimento de uma série de estratégias que os levam de um extremo de subordinação ao biopoder à insubordinação, através das ações biopolíticas, representadas pelos meios de lidar com o sistema e instituições buscan- do obter vantagens pessoais. Em outras palavras, busquei compreender como os indivíduos, no processo de sujeição às instâncias de controle global (FOUCAULT, 1995) criam espaços para manipulação, a partir dos elementos fornecidos pelas próprias instâncias controladoras do seu comportamento.

A partir da idéia de biopoder, resgato a noção de biopolítica, como sendo um poder que recobre a “administração dos corpos” e o gerenciamento “calculista da vida” (FOUCAULT, 1993, pág. 131), para entender como se dá a relação dos sujeitos com as instâncias de poder. Entretanto, ao me apropriar dessa noção de biopolítica faço no sentido de uma política micro, empreendida pelos indivíduos. Se como dito acima o biopoder administra corpos e gere calculadamente a vida, argumento que nas ações biopolíticas os indivíduos operam uma auto-administração dos corpos e uma auto-gestão calculista da vida. Seria essa a forma como as pessoas soropositivas se relacionam com essas estruturas que controlam a doença, ocupando uma margem de manipulação que lhe é própria. No nível micro, seria o tipo de relação que esses indivíduos mantém com as instituições e os agentes externos que controlam a epide- mia da AIDS através de mecanismos relativos de negociação.

A experiência de campo na pesquisa, permite afirmar que a ação biopolítica é um poder de vetor complementar ao biopoder. O biopoder emana das instituições sobre os sujeitos, determinando-os, e a esfera biopolítica se constrói a partir das ações dos sujeitos. Dessa forma é possível escapar do determinismo que é imputado às análises de Michel Foucault e, por outro lado, conseguir penetrar na problemática discutida sobre os modos de subjetivação de umumumumum sujeito, a “tecnologia do eu”.

A biopolítica é uma tecnologia do eu, que uso para entender os significados das ações dos sujeitos soropositivos. Esses são biopoderes,biopoderes,biopoderes,biopoderes,biopoderes, porque se realizam no corpo, são adquiridos através da enfermidade que as pessoas procedem de um modo específico em sua relação com a estrutura social abrangente. O poder biopolítico é constituído por estratégias desenvolvidas pelos indivíduos para conviver com o fato de ter AIDS em situação de pobreza e diante também do saber instituído pelos órgãos que lidam com AIDS. O biopoder se exerce através da atuação das ONGs, Ministério da Saúde, o Estado de um modo geral e formulam políticas de controle da epidemia e de assistência às

Cidadania da AIDS e tecnologias do eu

94

pessoas que têm AIDS. Os pressupostos básicos dessas instituições são que as pessoas, de uma maneira geral, estão sempre dispostas a aceitar todas essas políticas de saúde e controle da epidemia, que todas as pessoas são susceptíveis a um processo de docilização dos corpos (FOUCAULT, 1977) como resultado de um discurso exterior que lhe é imposto, ou que todas as pessoas aderem a essas políticas da mesma maneira e estão satisfeitas com isso.

Foucault entende como biopoder todos os mecanismos de controle social sobre a vida e a morte. Assim, o exercício do biopoder com relação à AIDS se dá através das políticas de controle, das ações de atendimento e assistência aos soropositivos, através das práticas divisoras e intervenções sobre o corpo implementadas pelas instituições e através dos discursos oficiais de todos os envolvidos com a enfermidade. Dessa forma, o próprio mecanismo que cria o poder soberano deixa margem para a criação da esfera biopolítica.

Se, por um lado, o exercício do biopoder é prerrogativa das instituições, por outro, as ações biopolíticas são aquelas engendradas pelos indivíduos em sua relação com as instituições que produzem esse biopoder. Nesse sentido, essas ações são, por sua vez, bio

biobio bio

biopolíticas porque também têm como referencial social o corpo corpo corpo corpo corpo do soropositivosoropositivosoropositivosoropositivosoropositivo, sendo a condição de soropositividade o elo de ligação entre essas duas esferas: a esfera macro do biopoder e a esfera micro da ação biopolítica.

Para entender as ações biopolíticas, analisei contrastivamente as histórias de vida, as trajetórias pessoais, experiências da doença e as práticas de meus interlocutores, buscando, a partir daí entender a dinâmica do processo de subjetivação, isto é, da subordinação ao biopoder, e da construção de siconstrução de siconstrução de siconstrução de siconstrução de si, através das ações biopolíticas. Tentei, assim, demonstrar como essa problemática se constrói tanto no plano estrutural quanto no plano dos indivíduos.

Dentre algumas formas de ação biopolítica comuns entre as pessoas que estudei, estão duas práticas bastante recorrentes: 1) a não revelação da soropositividade aos parceiros sexuais; 2) a não notificação de casos e óbitos por HIV às instituições que fazem o controle epidemiológico da AIDS. É possível compreender que tanto no que se refere às relações sexuais interpessoais, quanto no que se refere às relações com as instituições, o exercício do biopoder é ameaçado, na medida em que os sujeitos envolvidos não se submetem totalmente ao discurso e às práticas controladoras. É notável, neste caso, que o discurso produzido pelas instâncias de controle global, que exercem o biopoder sobre a AIDS, não consegue penetrar em certas esferas da vida dos indivíduos soropositivos, nem produzir um noção de “cuidado de si”, importantíssimo para a subordinação aos mecanismos institucionais de controle.

Além dessas duas ações, pode-se destacar, a partir dos dados disponíveis, seisseisseisseisseis tipos