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3.2 Gestão Social: conceito em emergência

3.2.1 Cidadania deliberativa

A defesa de uma ação gerencial voltada para o entendimento, de um consenso alcançado comunicativamente que dá o status de uma verdadeira gestão social, está assentada na con- cepção procedimental de política deliberativa desenvolvida por Habermas, na medida em que ele compara duas distintas concepções de política: a política liberal e a política republicana.

Cabe diferenciar especificamente o papel que cumpre o processo democrático no âmbito de cada concepção e a mudança provocada na arquitetônica liberal do Estado e da sociedade na medida em que valores como a solidariedade e a orientação para o bem comum são estabe- lecidos como fonte de integração social.

Para Habermas (1995, p. 40) na concepção liberal a política se esgota numa função de mediação, sendo papel do processo democrático ajustar o Estado no interesse da sociedade, que segundo o autor “[...] é um sistema estruturado em termos de uma economia de mercado, de relações entre pessoas privadas e do seu trabalho social”. O que se diferencia essencial- mente na concepção republicana é que a função política do processo democrático se estabele- ce como constitutiva do processo de formação da sociedade como um todo, de modo que além do Estado e do mercado, surge a solidariedade como terceira fonte de integração social. “Essa formação horizontal da vontade política, orientada para o entendimento ou para um consenso alcançado argumentativamente, deve mesmo gozar de primazia, seja geneticamente, seja de um ponto de vista normativo” (HABERMAS, 1995,p. 40).

A autonomia da sociedade civil em relação à administração pública e o intercâmbio com o privado são valores que garantem a proteção da comunicação política, tanto do aparato Esta- tal quanto da estrutura de mercado, promovendo o que Habermas denomina de “autodetermi- nação cidadã”, ou “formação horizontal da vontade política”, fatores estes que são orientados para o entendimento ou para um consenso alcançado argumentativamente.

Bobbio (1987, p. 15) ao explicar o significado de república, relembra a definição cice- roniana do termo res publica, ou “coisa do povo”, entendendo por povo uma sociedade man- tida junta, mais que por um vínculo jurídico, pela utilitatis comunione. Outro desdobramento para o significado de público é no conceito de democracia direta que se concretiza na assem-

bleia de cidadãos, e o processo decisório deve ser aberto de modo a que qualquer cidadão pos- sa ter acesso, a exemplo do que ocorria no ágora dos gregos (BOBBIO, 1987, p. 30).

Ao resgatar o princípio de representação e publicidade de poder Bobbio (1987) declara que o “segredo” é incongruente com a atividade pública; neste caso pressupõe-se que o pro- cesso democrático no sentido republicano (HABERMAS,1995), concretiza-se na esfera da publicidade, que pode ser compreendia quando o autor a relaciona com a teoria dos arcana imperii, dominante na época do poder absoluto segundo qual o “poder do príncipe é tão mais eficaz, e portanto mais condizente com seu objetivo, quanto mais indiscreto está dos olhos do vulgo, quanto mais é à semelhança do de Deus, invisível” (BOBBIO, 1987, p.29).

A invisibilidade de poder relaciona-se com o processo democrático liberal, espaço ca- racterizado pela “incontrolabilidade do poder” assegurada na medida em que as decisões polí- ticas são tomadas em “gabinete secreto” e pela não publicidade das mesmas decisões de mo- do que a república democrática – res pública (BOBBIO, 1987) exige a visibilidade, e o con- trário da incontrolabilidade pode ser descrito como o controle social, que prescinde de um fluxo informacional equitativo e transparente.

Na concepção de um moderno Estado de direto, a publicação de atos e documentos re- servados é o que legitima o poder, e tais práticas comuns em governos totalitários jamais de- saparecem na medida em que ainda existe “...ocultamento através da influência que o poder público pode exercer sobre a imprensa, através da monopolização dos meios de comunicação de massa, sobretudo através do exercício sem preconceitos de poder ideológico”. Deste modo, a ideologia cumpre papel de “cobrir com véus as reais motivações que movem o poder”. (BOBBIO, 1987, p.30-31).

4 COMUNICAÇÃO E POLÍTICAS PÚBLICAS

O estabelecimento de um processo democrático orientado para a formação horizontal da vontade pública pode ser viabilizado quando os fluxos de comunicação contribuem para a integração entre os atores sociais e sujeitos participantes, protegendo e garantindo a autono- mia do mundo da vida, incentivando o diálogo e a troca de significados que são do interesse da sociedade e não do sistema (HABERMAS, 2005).

Destacam-se dois aspectos da comunicação no âmbito das políticas públicas: a emer- gência dos meios de comunicação de massa e a necessidade de processos de comunicação cidadãos.

Se por um lado o poder da mídia contribui com a exclusão da sociedade dos processos de discussão pública, é fundamental considerar que o ambiente social contemporâneo é rico em informações e caracteriza-se pela pluralidade de fontes e pelo crescente acesso do cidadão aos meios técnicos. A difusão de imagens, vídeos e informações das quais a mídia tradicio- nalmente exerce o seu poder já não é de uso exclusivo da indústria cultural (THOMPSON, 2011).

Outro aspecto é o acesso à informação como um direito que deve ser utilizado em prol dos interesses coletivos especialmente no âmbito de estratos sociais em que o distanciamento geográfico e político são fatores que impedem a inclusão de novos atores no cenário de parti- cipação política (SANTOS, 1987).

O conceito de comunicação cidadã está conectado à necessidade de reconhecimento e da proteção dos direitos humanos, onde o direito à informação é imprescindível para concreti- zar a participação da sociedade na elaboração de políticas públicas. Os processos de discussão dependem da qualidade das informações que circulam entre os participantes da esfera pública, sobretudo de uma pluralidade de canais que, alternativos ou tradicionais, tem o poder de inte- grar diferentes pontos de vista.