• Nenhum resultado encontrado

A assembleia geral das Nações Unidas, em 10 de dezembro de 1948 aprovou um siste- ma de valores considerado humanamente fundado e reconhecido que buscou encorajar e am- pliar o respeito aos direitos fundamentais do homem e às suas liberdades que se denominava “Declaração Universal de Direitos Humanos”. O artigo 19 desta declaração remete à liberdade de opinião e expressão; “... este direito inclui a liberdade de, sem interferências, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios, independentemen- te de fronteiras” (Declaração universal dos direitos humanos, 1948).

Bobbio (1992) afirma que embora os direitos sejam solenemente reconhecidos como do homem, este sistema de valores é válido somente no âmbito do Estado que os reconhece o que os torna, portanto, direitos do cidadão, revelando um problema que não é filosófico e nem jurídico, mas político: não se trata de saber quais são e quantos são esses direitos, mas de co- mo garanti-los e impedir que eles sejam violados.

Desde 1985 quando os civis voltaram a exercer o poder no Brasil vive-se numa demo- cracia, e o acesso à informação passa constituir um direito que deveria ser utilizado em prol dos interesses coletivos. Para Santos (1987, p. 91), as diferenças sociais e o distanciamento geográfico e político entre os cidadãos são fatores que podem impedir a concretização desse direito que seria fundamental para a inclusão de novos atores no cenário político brasileiro.

“Estar na periferia significa dispor de menos meios efetivos para atingir as fontes e os agentes de poder, dos quais se está mal ou insuficientemente informado”.

O autor pontua dois aspectos relevantes: o primeiro é que bons programas de rádio e de televisão requerem apoio técnico e investimentos, favorecendo os grupos de interesse com mais poder aquisitivo; o segundo é que o analfabetismo desfavorece a periferia acentuando as disparidades culturais e o conhecimento acerca de temas como a política, a economia, etc. Deste modo

[...] os responsáveis pela informação descem até os indivíduos, ao passo que estes não podem fazer subir suas aspirações até eles. [...] Por conseguinte, a informação fabricada é econômica e geograficamente concentrada. Dispondo de exclusividade dos canais de difusão, os responsáveis pela informação descem até os indivíduos, ao passo que estes não podem fazer subir suas aspirações até eles. Essa desigualdade é tanto econômica e social quanto geográfica. Quanto mais longe dos centros de po- der, mais difícil é fazer ouvir a própria voz (SANTOS, 1987, p.92).

Se por um lado a utilização dos meios de comunicação de massa deve ser considerada uma oportunidade para integrar os diferentes pontos de vista com o objetivo de superar as desigualdades sociais, por outro lado a questão do poder e do monopólio da mídia ainda é um fator que interfere na concretização do direito à informação como constitutivo da cidadania brasileira. Sem direitos humanos reconhecidos e, acima de tudo, protegidos, não há democra- cia e a informação é, sob este prisma, o sustentáculo para uma cidadania que transcenda a questão de direitos e deveres, e que contribua para a efetiva participação da sociedade na ela- boração de políticas públicas.

Peruzzo (1998) destaca que os movimentos populares brasileiros que, historicamente, estão ligados a diferentes esferas, como aos bens de consumo coletivos; às questões da terra; relacionados às condições gerais de vida; motivados por desigualdades culturais; sobre ques- tões trabalhistas; direitos humanos; ou vinculados a outros problemas específicos; possuem uma trajetória de organização, onde os integrantes propõem, debatem, têm voz ativa nas deci- sões de trabalho. No seio destes movimentos revelou-se a insatisfação com as restrições à liberdade de expressão dos meios massivos, e criaram-se meios alternativos dos setores popu- lares, não sujeitos ao controle governamental ou empresarial.

Embora esses processos de comunicação estivessem, inicialmente, relacionados à cria- ção de meios praticamente artesanais, alternativos e de baixa tiragem, Peruzzo afirma que o

foco de um processo de comunicação cidadão não é o tipo de instrumento, mas o conteúdo das mensagens, e assinala três formas existentes: a comunicação dirigida, a grupal e a massi- va.

No contexto de uma comunicação popular e alternativa, Peruzzo (1998, p.119) mencio- na duas correntes de pensamento: uma que concebe a comunicação popular como revolucio- nária e que se concretiza em meios alternativos de comunicação, contrapondo-se à mídia de massa; e outra que defende a democratização dos meios comunicacionais e da sociedade, não se opondo à comunicação de massa. A coexistência entre as duas linhas de pensamento é pos- sível, pois se considera que

[...] a comunicação popular como uma realização da sociedade civil, que se constitui historicamente e, portanto, é capaz de sofrer as metamorfoses que o contexto lhe impõe, admitindo o pluralismo e ocupando novos espaços ou incorporando canais de rádio e televisão e outras tecnologias de comunicação, como as redes virtuais (inter- net, etc). (PERUZZO, 1998, p 119/120).

A prática da comunicação popular é fundamental para a socialização de informações, a conscientização e a mobilização de determinadas populações em torno dos problemas viven- ciados em comum, e pode caracterizar-se por: primeiro, pelo baixo custo e pela simplicidade de manipulação, dando o acesso a qualquer indivíduo, mesmo que desprovido de um conhe- cimento técnico e específico; segundo pela diversificação que vai desde uma música, um tipo de festa e de celebração, até jornais e rádios comunitários.

Peruzzo (2005) considera que o acesso à informação e a comunicação comunitária é um direito humano, aspecto que está intimamente ligado à questão da democratização da comuni- cação2, que tem se fortalecido globalmente por fóruns e campanhas como é o caso da Campa- nha Continental pelo Direito à Comunicação (Decal), e a Campaign for Communication Rights in the Informat Society (CRIS), que reafirmam o acesso universal à informação e às tecnologias de comunicação como um direito do cidadão.

A dimensão do direito à comunicação e as liberdades de informação postas em questão pela autora dizem respeito ao acesso ao poder de comunicar, e resgata em certa medida um

2 Conforme destaca Peruzzo (2005), este debate tem acontecido desde os anos de 1970 e 1980, quando a Organi-

zação das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco) passa a discutir a necessidade de uma nova ordem para em torno de políticas democráticas de comunicação.

estatuto do receptor, sujeito que não tem somente o direito às informações de qualidade, mas o direito de acesso e utilização aos meios de comunicação social, expressando e manifestando as ideias e interesses do seu conjunto por meio de organizações sociais.

Para Ramos o mundo da informação e da comunicação e a convergência de conteúdos proporcionada pelos meios técnicos, marcados fundamentalmente pelos computadores e pela Wolrd Wide Web só tem legitimado a organização hegemônica do capitalismo, tornando im- perativo o debate sobre o direito à comunicação enquanto uma forma de avançar em sistemas democráticos que visam a igualdade social, o que implica algumas mudanças de perspectiva:

[...] fornecimento de meios mais numerosos e variados a maior número de pessoas, mas não se pode reduzir simplesmente alguns aspectos quantitativos a um suplemen- to de material. Implica acesso do público aos meios de comunicação existentes, mas este acesso é apenas um dos aspectos da democratização. Significa também possibi- lidades mais amplas – para as nações, forças políticas, comunidades culturais, enti- dades econômicas e grupos sociais – de intercambiar informações num plano de igualdade, sem domínio dos elementos mais fracos e sem discriminações (RAMOS, 2005, p.249).

Essas mudanças requerem informações procedentes de uma pluralidade de fontes, rela- cionando-se com o pensamento de Peruzzo (1998, 2005), que pontua a necessidade de se ter o envolvimento da sociedade na elaboração de informações. Isso implica no desenvolvimento de oportunidades para o cidadão tomar decisões baseadas no conhecimento de diferentes pon- tos de vista. A participação dos leitores, espectadores e ouvintes na constituição de programas nos meios de comunicação social é um caminho que viabiliza a realização de uma verdadeira democratização de tais meios, um dos pontos cruciais para que se observe o estilo de comuni- cação a ser adotado em políticas públicas de desenvolvimento territorial.

Os processos de comunicação pelo viés da cidadania evidenciam-se mais precisamente no contexto dos estudos latino-americanos, em que autores como Canclini (1998) e Martin- Barbero (1997) priorizam o enfoque entre comunicação e cultura, desviando o foco exclusivo nos meios comunicacionais e privilegiando as mediações da recepção. Estes estudos tem co- mo laboratório de análise as comunidades de países considerados subdesenvolvidos e que foram colonizados por países Europeus como a Espanha e Portugal, carregando ainda as he- ranças políticas como uma base de alianças informais e relações rústicas de força e caudilhos que continuam guiando as decisões políticas. Mesmo diante de um regime de representativi- dade constitucional, a governabilidade de tais sociedades ainda carece de coesão social e da modernização da cultura política (CANCLINI, 1998, p. 25).

A crescente urbanização, afirma Canclini tem transformado a realidade de comunidades rurais com culturas tradicionais, e de comunidades com fortes raízes indígenas que estão ex- postas a uma oferta simbólica heterogênea, ou híbrida, pois

Passamos de sociedades dispersas em milhares de comunidades rurais com culturas tradicionais, locais e homogêneas, em algumas regiões com fortes raízes indígenas, com pouca comunicação com o resto de cada nação, a uma trama majoritariamente urbana, em que se dispõe de uma oferta simbólica heterogênea, renovada por uma constante interação do local em redes nacionais e transnacionais de comunicação (CANCLINI, 1998, p. 287).

Há dois aspectos pontuados por Canclini (1998); o primeiro está relacionado à emer- gência de reivindicações culturais e relacionado à qualidade de vida que suscita um espectro diversificado de órgãos porta-vozes, como os movimentos sociais, que se fragmentam e tor- nam-se cada vez mais difíceis de totalizar. O segundo é de que a eficácia desses movimentos depende de uma reorganização dos espaços públicos, e de um sistema de expressão que am- plie os poderes locais, que dê voz à sociedade ecoando nos meios eletrônicos de informação a agenda de problemas relacionados ao bem comum. Ainda para o autor, “[...] o massivo deixa de ser um sistema vertical de difusão para transformar-se em expressão amplificada de pode- res locais” (CANCLINI, 1998, p. 288).

5 TERRITÓRIOS DA CIDADANIA EM AÇÃO: ANÁLISE DOS PROCESSOS DE COMUNICAÇÃO, TRANSPARÊNCIA E PUBLICIZAÇÃO