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2 ESTADO E CIDADANIA NA SOCIEDADE CAPITALISTA

2.1 CIDADANIA NA SOCIEDADE CAPITALISTA

A cidadania é reconhecida pelo acesso e garantia de um conjunto de direitos conquistados pela humanidade ao longo da História. Segundo Carvalho (2014, p. 15),

“tornou-se costume desdobrar a cidadania em direitos civis, políticos e sociais. O cidadão pleno seria aquele que fosse titular dos três direitos”. Saviani (2013) e Carvalho (2014), com base na definição de Marshall (1967), distinguem os direitos civis (direito à vida, à livre iniciativa, à propriedade privada, à liberdade de expressão, de celebração de contratos e direito à justiça) conquistados no século XVIII, os direitos políticos (direito de participação no poder político, de organizar partidos, de votar e ser votado) conquistados no século XIX e os direitos sociais (acesso de todos a um nível mínimo de bem-estar social: alimentação, moradia, educação, saúde, trabalho, renda, transporte, lazer, aposentadoria, etc.), conquistados no século XX.

Para Carvalho (2014, p. 16), “se os direitos civis garantem a vida em sociedade, se os direitos políticos garantem a participação no governo da sociedade, os direitos sociais garantem a participação na riqueza coletiva”. No entendimento desse autor “os direitos sociais permitem às sociedades politicamente organizadas reduzir os excessos de desigualdade produzidos pelo capitalismo e garantir um mínimo de bem-estar para todos. A ideia central em que se baseiam é a da justiça social”. Bobbio (2004, p. 25), manifesta a preocupação com a garantia dos direitos: “[...] o problema que temos diante de nós não é filosófico, mas jurídico e, num sentido mais amplo, político”. E afirma: “não se trata de saber quais e quantos são esses direitos, qual é a sua natureza e fundamento, se são direitos naturais ou históricos, absolutos ou relativos, mas sim qual é o modo mais seguro para garanti-los [...]”.

A construção da cidadania de todos os seres humanos, por representar algo indispensável para que o homem se torne plenamente humano, parece algo óbvio, porém, tem sido tão complexo, que depois de milênios de história, uma parte significativa da população mundial convive em condições de desigualdade e exclusão social; uma realidade social que nega a dignidade humana (a cidadania) para bilhões de homens e mulheres. Nas sociedades capitalistas, o elemento insistentemente presente é a desigualdade social e a ausência da cidadania para uma parte significativa da população.

A sociedade capitalista globalizada, fundamentada na livre iniciativa e na propriedade privada, baseada em relações de produção de exploração e constituída de classes sociais, dominada hegemonicamente pela burguesia, tem se reproduzido e perpetuado ao longo dos últimos séculos. Nesse estudo, que vincula a cidadania como um dos fins da educação pública universal, nos interessa construir uma leitura crítica sobre a legitimação e reprodução das desigualdades sociais e da exclusão social, e, como se efetiva ou se inviabiliza a construção da cidadania dos indivíduos das diferentes classes sociais no conjunto da sociedade capitalista.

Concordamos com a análise de Souza, (2015, p. 143), apresentada na obra A tolice da

inteligência brasileira ou como o país se deixa manipular pela elite, quando critica as duas

tradições de pensamento hegemônicas no Brasil, que as denomina de ‘culturalista conservadora’ (que vê o mundo capitalista dividido entre sociedades ‘avançadas’ e ‘atrasadas’) e a ‘economicista’ (que percebe a “inserção do Brasil em um esquema global maior, o do sistema capitalista mundial, [...], quase que exclusivamente, apenas na sua dimensão econômica”). O autor inclui na tradição culturalista conservadora conceitos como o “homem cordial” de Holanda (1995) e “o patrimonialismo” de Faoro (2012), que assimilam a ideia que nas sociedades avançadas, tendo os Estados Unidos como referência principal, prevalecem as relações impessoais do “espírito do capitalismo” originário da “ética protestante” que impulsionam o desenvolvimento capitalista, enquanto no Brasil prevalecem as relações pessoais, corporal e afetiva; como se nos Estados Unidos não houvessem relações pessoais, e no Brasil, relações e poderes impessoais. Ou ainda, como se a desigualdade social fosse exclusividade das sociedades capitalistas “atrasadas”. Para Souza, (2015, p. 144), “a teoria social contemporânea não atenta para o que há de universal na reprodução simbólica de todo o capitalismo”.

A análise de um Roberto DaMatta no Brasil e na América Latina é extraordinariamente semelhante à análise de Niklas Luhmann na Alemanha. Não parece existir nenhum ‘abismo teórico’ entre as explicações dominantes no centro ou na periferia do debate científico em relação a essas questões. O racismo mal disfarçado em ‘culturalismo’ das teorias da modernização tradicionais - que

substancializam e essencializam supostas heranças culturais como até cem anos atrás se essencializavam supostas diferenças raciais – está presente nos dois (SOUZA, p.146).

Considerando que nosso foco é o papel da educação na construção da cidadania, o que nos interessa saber é como a sociedade capitalista de classes legitima a reprodução das desigualdades sociais e atribui às próprias vítimas a culpa pela própria exclusão. Souza (2015, p. 151), vê “[...] profundamente equivocado, do ponto de vista científico, e de conservador do ponto de vista político, em ambas as ideias, é o fato de que assume a ‘ideologia meritocrática’ do capitalismo tardio como se fosse verdade”. Essa teoria da meritocracia, “[...] torna invisíveis os pressupostos sociais de todo sucesso individual, naturalizando a desigualdade social e o privilégio permanente seja nas sociedades avançadas, seja nas sociedades periféricas”.

Para Souza (2015, p. 20-21), a teoria da meritocracia constitui um ‘racismo culturalista’, que junta o ‘racismo científico’ cuja tese afirmava a hipotética superioridade ‘racial’ dos povos brancos, e uma versão ‘culturalista’ desse racismo, ao afirmar uma hipotética “[...] superioridade de certo ‘estoque cultural’ das sociedades do ‘Atlântico Norte’ como fundamento da ‘superioridade’ dessas sociedades”. Segundo Souza (2015), no Brasil, a ideologia da meritocracia desse ‘racismo culturalista’, estruturou-se pela junção do ‘culturalismo conservador’ do homem cordial de Holanda (criado pela ampliação do mito da democracia racial de Freyre), o ‘patrimonialismo de Faoro’ (que seria uma leitura mal transportada de Weber) e o ‘racismo de classe’, que apenas implícito em DaMatta (Carnavais,

malandros e heróis; A casa e a rua) é explicitado em Lamounier e Souza (A classe média brasileira: ambições, valores e projetos de sociedade). Para o autor, o ‘culturalismo

conservador’ e o ‘racismo de classe’, não passam de ‘versões apologéticas’ do ‘sujeito liberal’ de Weber, cujo uso distorcido do autor legitima um verdadeiro ‘racismo científico’. “[...] A obra de Max Weber foi utilizada em sua versão apologética para conferir ‘prestígio científico’ a uma visão de mundo atrelada a interesses particulares que se mascaram com a universidade e a neutralidade apanágio do prestígio científico” (Souza, 2015, p. 21).

Weber (2013) interpreta que a formação do espírito do capitalismo (atitude racional e disciplinada) decorre da ética protestante - do protestantismo ascético, caracterizado por uma ética religiosa e de vida, cujas virtudes e obrigação moral, são o trabalho e a busca da riqueza. O racismo culturalista distorce, na interpretação, a teoria weberiana, ao supor que é da iniciativa individual que surge a ética protestante e o espírito do capitalismo, quando ocorre o contrário, é da ética protestante – uma instituição histórica, impessoal, que se desenvolve a

atitude individual, disciplinada, capitalista. Ao não interpretar corretamente a teoria weberiana, o racismo culturalista, acaba acreditando que as sociedades “inferiores” são decorrentes da predominância de relações pessoais, onde faltaria o “espírito capitalista” e a “meritocracia” individual. A distorção do racismo culturalista produz uma interpretação equivocada, como se nas sociedades “superiores” não houvessem relações pessoais e nas sociedades “inferiores” não houvessem relações impessoais. Para Souza (2015, p. 46), “o ‘culturalismo’, pretensamente weberiano, esquece o principal de Weber, que é a percepção aguda de quão profundamente o horizonte institucional [...] molda e conforma a ação humana individual”. Outro esquecimento desse modo de pensar, é o fato que no capitalismo, enquanto que a produção é socializada, a apropriação da riqueza produzida é individualizada.

A sociedade capitalista globalizada, fundamentada na livre iniciativa e na propriedade privada, constituída de classes sociais, dominada hegemonicamente pela burguesia, tem se perpetuado ao longo dos últimos séculos. Na sociedade capitalista, além do mercado, papel importante também ocupa o Estado. Souza (2015, p. 78), observa a importância do Estado e do mercado nas sociedades capitalistas modernas (centrais ou periféricas); para ele, nessas sociedades, “[...] os dois poderes impessoais mais importantes são o Estado e o mercado capitalistas”, e por isso, apresentam as mesmas dinâmicas de funcionamento, de hegemonia, dominação e reprodução (onde o mundo social estruturado legitima sua dimensão simbólica, e esta, a sua reprodução). Os poderes impessoais do mercado capitalista e do Estado, praticamente criam o ‘indivíduo’ e são poderosos elementos transformadores da vida individual, inclusive da ‘consciência subjetiva individual’. Mas isso se dá num processo complexo da vida moderna.

Como explicam a teoria vigotskyana da “formação social da mente” e a pedagogia freireana da “libertação dos oprimidos”, analisado por Alves (2012), os indivíduos são ativos e interagem com esses valores simbólicos e com os outros indivíduos na prática social – daí que o indivíduo é resultado primeiro de relações interpsicológicas e posteriormente de processos intrapsicológicos, ou seja, o indivíduo, como ser inacabado, é resultado das práticas sociais, sujeito e objeto da realidade e da transformação social.

Na sociedade capitalista, o mercado torna-se o principal poder impessoal, cujas relações impessoais na sua reprodução, reproduzem também seus valores simbólicos. Mas, os indivíduos não só reproduzem os valores do mercado, também podem, mediados pelas práticas sociais e interesses da classe social a que pertencem, transformar esses valores, bem como disputar a hegemonia na correlação de forças no poder impessoal do Estado. Assim, de forma dialética, apresenta-se a possibilidade de transformação social - dos valores simbólicos,

dos indivíduos, do Estado, do mercado e da sociedade - não necessariamente nesta ordem, nem necessariamente no sentido do avanço do bem-estar coletivo, cujo resultado depende das práticas sociais.

Entender como se processa a formação da cidadania de cada indivíduo no seio da sociedade de classes, e no seio de cada classe dessa sociedade, de como nas práticas e nas relações sociais se dá o desenvolvimento das pessoas, de como cada indivíduo obtém sua cidadania, sua inclusão ou exclusão social, com ou sem acesso e apropriação dos direitos civis, políticos e sociais na sociedade de que faz parte, passa a ser de fundamental importância. Negando a ideologia da meritocracia, que coloca a meritocracia como único elemento diferencial à posição individual na sociedade de classes sociais, Souza (2015, p. 227), aponta que “o ponto decisivo aqui é que os indivíduos, são constituídos, em seus limites e possibilidades na competição social, de modo muito distinto dependendo de seu ponto de partida de classe. Esse ponto de partida envolve, basicamente, ‘três capitais’: o econômico, o cultural e o social”.

Segundo Souza (2015, p. 225-226), o conceito de ‘capital’ desenvolvido inicialmente por Marx, restrito ao capital econômico, foi ampliado por Bourdieu, incluindo “tudo aquilo que passa a ser decisivo para assegurar o acesso privilegiado a todos os bens e recursos escassos em disputa na competição social”. Bourdieu, acrescentou ao conceito de capital econômico, o conceito de capital cultural, entendido como “tudo aquilo que logramos aprender e não apenas os títulos escolares” e ainda “a faceta mais importante do ‘capital cultural’ [que] é o fato de ser uma ‘incorporação’, literalmente, ‘tornar-se corpo’ de toda uma forma de se comportar e agir no mundo”, que constitui a “superação da ideia da oposição entre corpo e espírito”, onde o corpo passa a ser “compreendido como um ‘emissor de sinais’ e prenhe de significados sociais”. Esse avanço científico de Bourdieu, “[...] permite perceber o trabalho da gênese e da reprodução das classes sociais e, portanto, da produção diferencial do seres humanos que ela constitui [...]”.

Diferente do que pressupõe o racismo culturalista descrito por Souza (2015), não é o capital social (o conjunto de relação pessoais) que possibilita o acesso ao capital econômico e cultural, mas o oposto, o acesso aos capitais impessoais – econômico e cultural que permitem ao indivíduo ampliar o capital social e o conjunto de relações pessoais e sociais. Com base nesse pressuposto, de que a cidadania numa sociedade capitalista, implica uma qualidade de vida, um tipo de cidadão ativo e uma condição de “trabalhador útil” para o mercado ou ao Estado, que requer apropriação desses três capitais – econômico, cultural e social. Diferente de Marx que identifica duas classes sociais – a burguesia (dona dos meios de produção) e o

proletariado (que vende sua força de trabalho), Souza (2015, p. 227), identifica quatro classes sociais – “a capitalista, a média, a trabalhadora e a ralé”. O que diferencia essas classes sociais são os níveis de acesso ao capital econômico e cultural principalmente. A classe capitalista já possui o capital econômico e a partir dele tem facilidades de adquirir o capital cultural; a classe média busca no capital cultural uma melhor posição para aumentar sua apropriação de capital econômico; a classe trabalhadora, mal tem e mal consegue capital econômico para sua sobrevivência e encontra dificuldades de apropriação de capital cultural.

Em relação a “ralé”, Souza (2015, p. 231- 232), defende que o essencial é “a percepção de que formam uma ‘classe social específica’ com gênese, reprodução e ‘futuro provável’ semelhante”. Caracteriza-se como uma classe social reduzida à ‘energia muscular’, muito encontrada nas periferias das grandes cidades e também no campo, “pois não dispõe – ou não dispõe em medida significativa – das precondições para a ‘incorporação do capital cultural’ indispensável no capitalismo moderno para o trabalho no mercado competitivo”. Trata-se de uma classe social ‘moderna’, que não pode ser confundida “[...] com o ‘lumpemproletariado’ marxista, o famoso ‘exército de reserva do capital’, posto que no capitalismo do tempo de Marx a quantidade de incorporação de conhecimento necessário ao trabalhador era mínima [..]”. Por outro lado, muito pertinente para compreender a relação da vida dessa população e as dificuldades da construção de sua cidadania é a constatação de Marx & Engels (2009, p. 32), de que “[...] são os homens que desenvolvem a sua produção material e o seu intercâmbio material que, ao mudarem essa sua realidade, mudam também o seu pensamento e os produtos do seu pensamento. Não é a consciência que determina a vida, é a vida que determina a consciência”. Ou seja, a situação de exclusão, de precariedade, de não trabalho ou trabalho repetitivo, de analfabetismo ou pouca escolarização, tende a reproduzir essa realidade, se não houver a inserção em outra realidade.

Segundo Souza (2015, p. 197-200, grifo do autor), recorrendo a Bourdieu, as condições de vida desde da infância criam um habitus na vida das pessoas.

A meu ver, o grande aporte crítico da teoria do habitus é a ênfase no aspecto ‘corporal’ e automático do comportamento social. O que para grande parte da tradição sociológica é ‘internalização de valores’, o que evoca tendencialmente uma leitura mais racionalista que enfatiza o aspecto mais consciente e refletido da reprodução valorativa e normativa da sociedade, para Bourdieu seria o contrário, o condicionamento pré-reflexivo, automático, emotivo, espontâneo, ‘inscrito no corpo’, de nossas ações, disposições e escolhas. Nossos corpos são, nesse sentido, na sua forma, dimensão, apresentação, etc., a mais tangível manifestação social de nós mesmos. [...] É com base nesses sinais visíveis que classificamos as pessoas e os grupos sociais e lhe atribuímos prestígio ou desprezo (SOUZA, 2015, p. 199-200, grifo do autor).

Podemos concluir que a reprodução das classes sociais que se dá na reprodução da sociedade capitalista, não se dá só de forma econômica, mas também de forma cultural e social. A ascensão social de um indivíduo de uma classe social para outra depende do acesso ao capital econômico e cultural. Mas diferente da ideologia da meritocracia que apenas vê a posição ocupada ou o ponto de chegada, inclusive como defesa da condição de classe privilegiada, precisamos analisar, dialeticamente, também o ponto de partida. Para Souza, (2015, p. 232- 236), “no caso da ‘ralé’, a carência e o abandono são tamanhos que a questão principal é a da ausência – em maior ou menor medida – dos próprios pressupostos indispensáveis ao aprendizado do papel social de ‘produtor’ útil no contexto da economia competitiva”. Pois, esse ponto de partida da “ralé”, esse habitus, impede ou dificulta a “[...] incorporação da tríade: disciplina, autocontrole e pensamento prospectivo, pressuposta em qualquer processo de aprendizado na escola e em qualquer trabalho produtivo no mercado competitivo [...]”, tendo em vista que “o capital cultural é constituído por ambas as coisas: tanto as precondições afetivas e psíquicas para o aprendizado quanto pelo aprendizado em si do conhecimento julgado útil”. Outro fato agravador da condição da “ralé”, especialmente as crianças e os jovens dessa classe social, é que, pelas condições de vida diária, vivem em permanente “insegurança ontológica” (ver nota 19) que amplia as dificuldades de aprendizado e desenvolvimento humano – por consequência a inserção na sociedade capitalista.

A educação tem um importante papel na cidadania contemporânea. É essa perspectiva no papel da universalização da educação à construção da universalização da cidadania, do papel histórico, que o Estado (e nele os municípios) cumpre ou deveria cumprir em relação ao acesso das classes populares à educação escolar que move esse estudo. Aqui entra em campo outra questão: que fim a educação pretende? Que capital cultural, que homem, que sociedade serão reproduzidos ou construídos? Certamente continuamos aqui na velha contradição: como libertar os trabalhadores das classes populares dentro de uma sociedade de classes ou como superar a sociedade de classes? Nas diferentes concepções teóricas e políticas, a educação escolar pode buscar diferentes fins.

Mészáros (2008, p. 49-52, grifo do autor), partindo dos conceitos de “manutenção” e “mudança" de Gramsci, afirma que “[...] seja em relação à ‘manutenção’, seja em relação à ‘mudança’ de uma dada concepção de mundo, a questão fundamental é a necessidade de modificar, de uma forma duradoura, o modo de internalização historicamente prevalecente”. Evidenciando que uma educação (prática privilegiada de internalização) para além do capital precisa superar a forma reprodutora historicamente prevalecente de internalização dos valores

da sociedade capitalista. Mészáros (2008, p. 65, grifos do autor), reforça o papel da educação: “[...] tanto para a elaboração de estratégias apropriadas e adequadas para mudar as condições objetivas de reprodução, como para a automudança consciente dos indivíduos chamados a concretizar a criação de uma ordem social metabólica radicalmente diferente”. E acrescenta que “[...] na concepção marxista, a ‘efetiva transcendência da autoalienação do trabalho’ seja caracterizada como uma tarefa inevitavelmente educacional”. Para o autor, a grande questão é combinar na tarefa educacional “[...] a universalização da educação e a universalização do

trabalho como atividade humana autorrealizadora”. Isso representa mais um desafio na

construção da cidadania das classes populares, historicamente excluídas da educação e submetidas ao não trabalho pelo desemprego e subemprego ou ao trabalho repetitivo de esforço físico.

Freire (2014, p.55) aponta que a “pedagogia do oprimido que, no fundo, é a pedagogia dos homens empenhando-se na luta por sua libertação, tem suas raízes [...] [na] [...] inserção crítica das massas na sua realidade através da práxis, pelo fato de nenhuma realidade se transformar a si mesma”.22 Martins (2010, p.14) concorda com o educador Antônio Joaquim

Severino, “[...] ao afirmar que a educação, como prática institucionalizada, isto é, como educação escolar, deva preparar os indivíduos para os domínios necessários ao tríplice universo que rege sua existência concreta”.

Numa sociedade organizada, espera-se que a educação, como prática institucionalizada, contribua para a integração dos homens no tríplice universo das práticas que tecem sua existência histórica concreta: no universo do trabalho, âmbito da produção material e das relações econômicas; no universo da sociabilidade, âmbito das relações políticas; e no universo da cultura simbólica, âmbito da consciência pessoal, da subjetividade e das relações intencionais (SEVERINO, 2002, p.11 apud MARTINS, 2010, p.14).

Para Tardif e Lessard (2005, p. 203, 228, grifo do autor), “os objetivos escolares

definem uma tarefa coletiva, complexa e temporal com efeitos incertos e ambíguos” e

acrescentam que “os resultados do trabalho docente trazem inevitavelmente a marca das exigências sociais, culturais e ideológicas em torno das quais nunca se tem um consenso definitivo e claramente definido num determinado período”.23

22 Segundo Freire (2014, p. 57), “a pedagogia do oprimido, como pedagogia humanista e libertadora, terá dois

momentos distintos. O primeiro, em que os oprimidos vão desvelando o munda da opressão e vão comprometendo-se, na práxis, com a sua transformação; o segundo em que, transformada a realidade opressora, esta pedagogia deixa de ser do oprimido e passa a ser a pedagogia dos homens em processo de permanente libertação”.

23 Segundo Tardif e Lessard (2005, p. 199), “por exemplo, se dirá que a função da escola é reproduzir a

A síntese dos extremos apontados por Paulo Freire, “educar para libertar, não para domesticar”, torna presente que a definição dos fins da educação é uma decisão política, geralmente tomada pelos donos do capital ou pelos governos, mas que deveria ser construída de forma democrática, em debate público com a sociedade civil e suas representações no plano nacional, estadual e local, bem como nas comunidades escolares, com a participação dos professores, dos pais e dos alunos.

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