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Cidade Parque para quem? A centralidade do Estado na gestão urbana de Brasília e a constituição do território desigual

Estrutura da tese

1. A MEDIAÇÃO DO ESTADO NO PROCESSO DE URBANIZAÇÃO DE BRASÍLIA E A GESTÃO DAS TERRAS

1.3 Cidade Parque para quem? A centralidade do Estado na gestão urbana de Brasília e a constituição do território desigual

Esse tópico trata da discussão sobre a constituição desigual do território de Brasília. Neste sentido, recupera-se o debate sobre a produção desigual do espaço como projeto privatista de urbanização de Brasília endossado pelo Estado. A ideia da cidade moderna tão consagrada no plano governamental na construção de Brasília se desenvolve na realidade como território desigual. Os estudos de sobre esse processo no Distrito Federal serão discutidos como mediação ao debate das categorias território e desigualdade.

A expressão “cidade parque” é utilizada por Lúcio Costa no projeto “Brasília Revisitada”, “sugerida como traço urbano diferenciador da capital” (GDF; IPHAN, 1987, p 9). Refere-se ao contato dos habitantes da cidade com “pilotis livres, predomínio de verde, gabaritos baixos” (GDF; IPHAN, 1987, p 12). Esta experiência urbana diferenciada deveria ser expandida a partir da concretização do projeto.

A concepção de "cidade parque" vem na contramão da maioria das realidades concretas de urbanização atuais, alicerçadas em meio a moradias precárias, poluição e miséria.

Assim, as cidades do futuro, em vez de feitas de vidro e aço, como fora previsto por gerações anteriores de urbanistas, serão construídas em grande parte de tijolo aparente, palha, plástico reciclável, blocos de cimento, madeira. Em vez das cidades de luz arrojando-se aos céus, boa parte do mundo urbano do século XXI instala-se na miséria, cercada de poluição, excrementos e deterioração (DAVIS, 2006, p. 28).

Porém, uma outra característica fundante da urbanização de Brasília é o conjunto de barreiras sociais que distanciam grande parte da população do usufruto da “cidade parque”. As condições precárias de moradia são realidades que se constituem longe do centro de Brasília, como forma de separação entre a cidade projetada e a realidade concreta da sua população pauperizada. O espaço urbano de Brasília provoca uma cisão entre o cotidiano dos trabalhadores e o seu patrimônio urbanístico.

Considerando que “são partes orgânicas da vida cotidiana: a organização do trabalho e da vida privada, os lazeres e o descanso, a atividade social sistematizada, o intercâmbio” (HELLER, 2000, p. 18), grande parte dos moradores da região metropolitana do DF circulam cotidianamente no centro da cidade devido a organização do mercado de trabalho neste espaço13. Esta ruptura cotidiana do espaço urbano destinado

ao trabalho com o de descanso, lazer e intercâmbio propicia o acesso seletivo ao usufruto pleno na "cidade parque", transformando o que deveria ser a vivência democrática do espaço público em acessibilidade seletiva dos privilegiados.

No caso da Ride, a mobilidade intra-urbana teve como principal elemento definidor da intensidade e direção dos fluxos a busca por moradias dos segmentos populacionais que ocupam posições menos privilegiadas na estrutura social, em áreas onde existe menor pressão para ocupação por parte dos segmentos de rendas mais elevadas, que conseguem se apropriar das localizações urbanas otimizadas, com acessibilidade ao centro e atividades socioeconômicas privilegiadas (CAIADO, 2005, p. 71).

A mobilidade urbana é uma dimensão elementar da precarização do cotidiano da classe trabalhadora. No caso do Distrito Federal e de sua região integrada, o distanciamento das regiões administrativas do centro articulado à concentração territorial das atividades econômicas fragmenta o cotidiano da população. Apesar do centro da cidade ser um espaço de circulação intensa, não se encontra neste espaço a possibilidade do convívio. Além disso, esta dinâmica não estimula a circulação urbana entre as regiões administrativas sem depender da integração do centro da cidade, o que também proporciona rupturas no movimento de “dispersão e encontro”.

A dinâmica da circulação de pessoas seja um elemento determinante da forma como as relações sociais se desenham no DF. O fato de que as rodovias tangenciam os núcleos urbanos faz com que moradores de uma região administrativa não precisem passar pela outra para circular pela cidade. E como quase todos os serviços, empregos e bens se dão no centro, todos

13 “O volume de pessoas que se movem diariamente no interior da Ride [Região Integrada de

Desenvolvimento do Distrito Federal e Entorno] cresce de 13.328 em 1980, para 132.909 no ano de 2000. Das 132.914 pessoas que se movem diariamente no interior da região, 119.916 (90,2%) deixam municípios localizados no Entorno Imediato em direção ao Distrito Federal, onde estão concentrados os empregos e as atividades que possibilitam geração de renda” (CAIADO, 2005, p. 73).

conhecem o centro da cidade. Essa relação urbana que não se entrelaça torna a imagem do outro espaço mais presente que o convívio com ele. Assim, passar motorizado pela beira dos bairros reforça o estereótipo do que está ou pode estar lá dentro. Zonas de sombras, locais proibidos, zonas perigosas e tudo mais que a imaginação possa criar [...] nesta situação podemos dizer, com clareza, que o transporte coletivo no DF, orientado ao lucro e gerido por burocratas/empresários, não realiza os fluxos urbanos rumo à dispersão e encontro. Ao contrário, serve aos aparelhos de captura, como forma extremamente eficaz de controle na cidade (SANTAREM, 2013, p. 143).

Ao verificar a distribuição do modo de transporte para o trabalho por região administrativa (Anexo I), observa-se que nas áreas mais distantes do Plano Piloto mais de 40% da população se locomovem para o trabalho em ônibus, Santa Maria (63,39%), Planaltina (52%), Ceilândia (48,96%), Samambaia (47,68%) Brazlândia (46,6%), Gama (43,10%) estão entre as RA’s que mais utilizam este meio de transporte. Já nas áreas mais próximas ao centro e valorizadas, a população em sua maioria chegam ao trabalho de automóvel, Lago Sul (90,32%), Sudoeste/Octogonal (87,74%), Parque Way (85,25%), Jardim Botânico (78,98%), Lago Norte (78,99%), Plano Piloto (78,36%), Vicente Pires (71,28%), Águas Claras (63,00%), esta última é a RA que mais utiliza o metrô como meio de transporte para o trabalho (12,56%). Esses dados evidenciam que o metrô não é o tipo de transporte mais utilizado para ir ao trabalho, apesar de todo o esforço em garantir seu acesso privilegiado ao público de Águas Claras. Além disso, infere-se que as populações que residem em áreas mais distantes do centro estão submetidas majoritariamente ao transporte coletivo, ao passo que aqueles que moram nas regiões valorizadas da cidade utilizam o automóvel como transporte, o que demonstra que a mobilidade urbana no Distrito Federal se dá em grande parte de forma privatista pelo consumo da mercadoria automóvel (41,2%).

Ao afirmar que “passar motorizado pela beira dos bairros reforça o estereótipo do que está ou pode estar lá dentro” (SANTAREM, 2013, p. 143), o autor evidencia as rupturas e os distanciamentos do cotidiano urbano comprovado pela reificação automotiva, a mobilidade restrita e solitária. No outro extremo se encontram as populações dependentes do transporte coletivo precário e desconfortável que os penaliza no cotidiano de longas viagens que capturam seu tempo livre.

Sobre indicadores que apontam para as condições de existência da população do Distrito Federal, o mapa do IDHM da RIDE (PNUD; IPEA; FJP, 2014, Anexo II), com base nos indicadores de longevidade, educação e renda, apresenta a distância das realidades sociais entre o centro e as periferias da cidade. No ano de 2010, enquanto as regiões de Brasília, Sudoeste/Octogonal, Águas Claras e Lago Sul possuem os índices

mais elevados, os territórios de Recanto das Emas, Samambaia, São Sebastião, Estrutural (SCIA) e Sobradinho se encontram no extremo oposto. O mapa apresenta e explicita a concentração espacial das populações mais abastadas.

O Distrito Federal enquanto território desigual reproduz a lógica de isolamento e controle do cotidiano da classe trabalhadora precarizada, rompe com o entrelaçamento das diversas realidades, além de reproduzir o rebaixamento das condições de subsistência desta classe. Um indicador que aponta para esta realidade na dimensão da moradia é o déficit habitacional.

O déficit habitacional como categoria é por vezes enganosa, pois não se trata necessariamente de uma falta da oferta de habitação em relação ao número de habitantes. Boulos (2015, p. 18) mostra que [nas metrópoles do Brasil] “de 2007 a 2012 o número de pessoas que sofrem de gasto excessivo com aluguel subiu 35,3%, chegando a 2.660.000 famílias. Em 2011 e 2012 o déficit habitacional nas metrópoles brasileiras subiu 10%, alçada pelo aumento dos aluguéis”.

É importante problematizar esse conceito, como trazem Paviani(2010) e Rolnik (2015), “noticia-se o engodo do chamado ‘déficit habitacional’, pois as grandes cidades apresentam enorme quantidade de casas e apartamentos vagos” (PAVIANI, 2010, p.211). Portanto não se trata de uma “demanda reprimida de casas a serem construídas[…] trata- se de um instrumento de fomento à atuação do setor da indústria da construção civil” (ROLNIK, 2015, p.282). Essa é uma das razões do banco de dados da CBIC (2017) conter os números referentes ao déficit habitacional. O interesse do mercado imobiliário em dar visibilidade para esses dados não invalida a existência de condições precárias de moradia. Os dados referentes ao déficit habitacional do DF apresentados a seguir foram publicados pela Fundação João Pinheiro – FJP, instituição de pesquisa vinculada ao governo de Minas Gerais. Na nota técnica sobre a metodologia da pesquisa, a fundação de fato se afilia a concepção de que o déficit habitacional se relaciona a necessidade imediata de construção de novas moradias.

A partir do conceito mais amplo de necessidades habitacionais, a metodologia desenvolvida pela FJP trabalha com dois segmentos distintos: o déficit habitacional e a inadequação de moradias. Como déficit habitacional entende- se a noção mais imediata e intuitiva da necessidade de construção de novas moradias para a solução de problemas sociais e específicos de habitação detectados em certo momento. A inadequação de moradias, por outro lado, reflete problemas na qualidade de vida dos moradores: não está relacionada ao dimensionamento do estoque de habitações e sim às suas especificidades internas (FJP, 2013, p. 4).

Os dados que integram o déficit habitacional apresentam a necessidade de mudança das condições de moradia destas famílias, o que não corresponde necessariamente a construção de novas moradias. Apesar desta discordância conceitual, a metodologia da FJP trabalha com variáveis detalhadas que compõe quatro componentes.

O déficit habitacional é calculado como a soma de quatro componentes [...] O primeiro componente, habitações precárias, considera no seu cálculo dois subcomponentes: os domicílios rústicos e os domicílios improvisados. Os domicílios rústicos são aqueles sem paredes de alvenaria ou madeira aparelhada. Em decorrência das suas condições de insalubridade, esse tipo de edificação proporciona desconforto e traz risco de contaminação por doenças. Já os domicílios improvisados englobam todos os locais e imóveis sem fins residenciais e lugares que servem como moradia alternativa (imóveis comerciais, embaixo de pontes e viadutos, carcaças de carros abandonados, barcos e cavernas, entre outros), o que indica claramente a carência de novas unidades domiciliares. O segundo componente, coabitação familiar, também é composto por dois subcomponentes: os cômodos e as famílias conviventes secundárias que desejam constituir novo domicílio. Os cômodos foram incluídos no déficit habitacional porque esse tipo de moradia mascara a situação real de coabitação, uma vez que os domicílios são formalmente distintos. Segundo a definição do IBGE, os cômodos são domicílios particulares compostos por um ou mais aposentos localizados em casa de cômodo, cortiço, cabeça de porco e outros. O segundo subcomponente diz respeito às famílias secundárias que dividem a moradia com a família principal e desejam constituir novo domicílio. O terceiro componente do déficit habitacional é o ônus excessivo com aluguel urbano. Ele corresponde ao número de famílias urbanas, com renda familiar de até três salários mínimos, que moram em casa ou apartamento (domicílios urbanos duráveis) e que despendem 30% ou mais de sua renda com aluguel. O quarto e último componente é o adensamento excessivo em domicílios alugados que corresponde aos domicílios alugados com um número médio superior a três moradores por dormitório (FJP, 2013, p. 5)

Observa-se uma queda do déficit habitacional no DF em relação ao total de domicílios pesquisados, sobretudo a partir de 2010, apesar da ligeira elevação de 2014 para 2015. Porém, os números absolutos cresce no decorrer dos anos, com pequenas quedas entre 2007, 2008 e 2009, assim como em 2013 e 2014. Agregou-se aos dados do déficit habitacional o número de domicílios vagosem condições de serem ocupados ou em construção e reforma para mostrar que a déficit não necessariamente representa a demanda reprimida para a construção de novas moradias. O número de domicílios vagos no DF cresce ao longo dos anos, com destaque para os anos de 2010, 2011 e 2015, as quedas mais abruptas se dão de 2005 para 2006 e 2013 par 2014.

A coabitação familiar, que era o componente de maior expressão do déficit no DF em 2000, passa por queda durante os anos sobretudo de 2012 a 2014 e volta a crescer no ano de 2015. Os componentes habitação precária de adensamento excessivo também tiveram queda quando se analisa a série histórica. Na contramão destes, o ônus excessivo de aluguel amplia sua participação no decorrer dos anos e passa a ser a partir de 2012 o

principal componente do déficit habitacional do DF. Isso significa o aumento no número de famílias que vivem com até 3 salários mínimos e dispendem mais de 30% de sua renda em aluguel. O mercado imobiliário captura mais de um terço da fonte de subsistência de famílias que já vivem em situações precárias, o que evidencia a reprodução ampliada da valorização imobiliária, que afeta todos os seguimentos da classe trabalhadora.

Tabela 1 – Déficit Habitacional por componente e nº de domicílios vagos no Distrito Federal (2000 a 2015) Ano Habitação precária Coabit. Familiar Ônus excessivo aluguel Adens. Excessivo total total 14relativo domicílios vagos 2000 18.154 64.537 28.731 ... 111.422 20,7 ... 2005 8.774 57.778 51.998 8.346 126.896 18,9 39.587 2006 5.991 69.022 49.596 6.822 131.431 18,7 27.070 2007 4.417 63.358 50.327 6.182 124.284 17,1 41.056 2008 7.870 53.007 55.995 4.270 121.212 16,8 31.707 2009 4.243 45.785 54.957 8.936 113.921 14,5 34.629 2010 10.013 56.715 50.659 8.782 126.169 16,3 62.704 2011 3.680 55.511 53.359 7.971 120.521 13,9 73.598 2012 12.578 39.750 63.725 4.677 120.730 14,1 71.616 2013 3.290 31.119 70.600 6.578 111.857 12,4 63.425 2014 7.625 27.746 73.496 8.843 117.710 12,5 59.465 2015 3.572 36.181 87.307 5.843 132.903 13,5 69.447

Fonte:Fundação João Pinheiro (2008,2009,2010,2014, 2015) Elaboração da autora

Sobre as faixas de renda das famílias, com excessão do ano de 2010 que tem uma participação maior das faixas mais elevadas, é evidente que as famílias que estão nas situações que compõe o déficit habitacional tem uma renda inferior à 3 salários mínimos. As populações mais pobres são submetidas reiteradamente à condições precárias de trabalho com baixos salários, o que leva a precarização de sua substistência nas dimensões mais elementares como a moradia.

Tabela 2 - Distribuição percentual do déficit habitacional urbano por faixa de renda média familiar mensal (SM) - Distrito Federal (2000 a 2014)

Ano Até 3 SM Mais de 3 a 5 Mais de 5 a 10 Mais de 10 Total

2000 75,7 11,3 8,2 4,7 100 2005 85,1 9,2 4,3 1,4 100 2006 86,8 6,6 4 2,6 100 2007 84,3 7,8 5,2 2,8 100 2008 84,8 5,3 6,5 3,3 100 2009 88,7 7,8 2,6 1 100 2010 62,7 12,1 12,2 13 100 2011 78,2 11,4 4,9 5,5 100 2012 79,8 9,1 4,7 6,4 100

14 Porcentagem do total do déficit habitacional (urbano e rural) em relação ao total dos domicílios particulares permanentes e improvisados pesquisados (FJP, 2013).

2013 83,8 6,9 5,8 3,6 100

2014 81,4 7,7 6,4 4,5 100

Fonte:Fundação João Pinheiro (2008,2009,2010,2014, 2015) Elaboração da autora

A distribuição espacial do déficit de habitação no DF (Anexo III) mostra a desigualdade social presente neste território. Enquanto o centro da cidade e suas áreas de valorização como o Plano Piloto, Sudoeste, Águas Claras, Lago Norte e Lago Sul apresentam as menores proporções, as áreas do SCIA (região onde se inclui a cidade Estrutural), Ceilândia, Taguatinga, Samambaia, Paranoá e São Sebastião contém as maiores proporções.

Os indicadores sociais destas onze RA’s (Apêndice A) apresentam a disparidade entre as populações residentes das áreas centrais e as periféricas. Foram considerados os indicadores de raça/etnia; naturalidade; condição de estudo e escolaridade; atividade; posição de ocupação; onde trabalha; renda domiciliar mensal; condição de domicílio; infraestrutura urbana disponível (CODEPLAN, 2016a).

Em relação à raça e etnia, apesar dos dados semelhantes entre Taguatinga e Águas Claras, há uma prevalência das pessoas brancas nas regiões centrais, enquanto que na Estrutural 26,35% da população se declara branca, no Lago Sul este público salta para 69,53%. Ao passo que 73,65 da população da Estrutural se declara negra, contrastando com os 30,27% no Lago Sul (CODEPLAN, 2016a). Este dado mostra que a desigualdade sócio-espacial também se apresenta na dimensão racial.

No que tange ao processo de migração, é possível observar a quantidade expressiva de pessoas naturais de outros estados em todas as RA’s. Porém, as regiões de origem das populações mostram que a cisão social da Geografia do Brasil se reproduz no DF. Nas RA’s com maior déficit habitacional (Samambaia, Taguatinga, Ceilândia, Estrutural, Paranoá e São Sebastião), a maior parte de seus imigrantes são naturais da Região Nordeste, já nas RA’s com menor déficit habitacional (Águas Claras, Lago Norte, Lago Sul, Plano Piloto, Sudoeste/octogonal), a maioria de sua população imigrante veio do Sudeste (CODEPLAN, 2016a).

A desigualdade regional está presente no processo de migração para o Distrito Federal historicamente. As áreas construídas até a inauguração de Brasília foram reservadas para os funcionários do Estado, na sua maioria naturais dos estados do Sudeste. Os trabalhadores responsáveis por este grande feito arquitetônico, muitos de origem nordestina, foram expulsos do centro da capital.

No momento da construção de Brasília, já se presencia a seletividade espacial, pois o Plano Piloto, desde o início, caracterizava-se como espaço urbano destinado ao funcionalismo público federal e à pequena burguesia, enquanto as cidades-satélites eram formadas a partir da pressão exercida pela população migrante dos trabalhadores menos qualificados (ligados sobretudo à construção civil), que possuíam como perspectiva de moradia apenas as proximidades dos canteiros das obras, seja nos seus alojamentos ou nas denominadas “invasões” (MEDEIROS; CAMPOS, 2010, p. 112).

A seletividade espacial também se expressa no acesso à educação, que reproduz a desigualdade histórica entre aqueles com maior ou menor qualificação profissional. O indicador escolaridade das populações mostra que nas RA’s com menor déficit habitacional a maioria da população possui ensino superior, chegando a 58,09% e 55,17% no Lago Sul e Sudoeste/Octogonal, respectivamente. Com exceção de Taguatinga, nas RA’s com menor déficit habitacional este público não ultrapassa 6,68%. Nestas regiões, há prevalência de estudantes vinculados à escola pública, ao passo que a realidade se inverte nas regiões centrais, com exceção de Plano Piloto e Lago Norte (CODEPLAN, 2016a).

Considerando a relação intrínseca entre educação, trabalho e renda, os indicadores mostram as distâncias sociais desenhadas no espaço. A quantidade de desempregados no Paranoá (11,07%) é quase três vezes se comparados com o Sudoeste/Octogonal (3,72%). Os índices de desemprego reduzem drasticamente entre as regiões analisadas, assim como os vínculos de emprego sem CTPS. Se na Estrutural e no Paranoá está a maior incidência deste tipo de vínculo precário, as RA’s centrais apresentam uma quantidade menor desta realidade. Ainda no campo da posição de ocupação, observa-se uma concentração considerável das áreas de residência dos servidores públicos e militares. Se na Estrutural 1,1% da população ocupada está sob este regime, no Sudoeste este público é de 44,14% (CODEPLAN, 2016a).

Quanto a distribuição espacial do trabalho, o Plano Piloto é o local onde a grande parte da população trabalha, mais da metade desta, quando se trata das RA’s com menor déficit habitacional. No caso do Sudoeste 80,43% da sua população ocupada trabalha no Plano Piloto. Cabe mencionar que as RA’s mais antigas, fundadas a partir das remoções das moradias improvisadas no centro da cidade como Taguatinga e Ceilândia, mais de 40% de população está ocupada na cidade que reside. Estas RA’s já consolidadas, construíram historicamente estratégias que as viabilizassem como cidade que contém uma dimensão econômica que se relaciona com centro da cidade, mas não é totalmente dependente deste. Também é importante destacar que as condições de trabalho mais

protegidas e melhor remuneradas são mais recorrentes nas pessoas residentes nas RA’s de menor déficit habitacional.

O espaço urbano central foi reservado para o funcionalismo público federal e pequena burguesia já na sua inauguração, como bem coloca a citação de Medeiros e Campos (2010). As áreas do Plano Piloto, Lago Sul e Lago Norte se constituem com esta característica. Porém, também há um número expressivo de funcionários públicos e militares em Águas Claras e no Sudoeste, regiões construídas a partir de 1990 para acolher a demanda habitacional da classe média. A distância da renda mensal familiar é consequência desta realidade. Metade da população da Estrutural (50,47%) tem uma renda familiar mensal de até 2 SM, ao passo que 62,74% da população do Lago Sul vivem com mais de 20 SM (CODEPLAN, 2016a).

A estratificação social apresentada acima reflete diretamente nas condições de domicílios destes sujeitos, porém de forma diversa entre as RA’s, diferente dos dados vistos até aqui. Entre as RA’s de maior déficit, em Taguatinga, Ceilândia e Samambaia, a maior parte da população reside em domicílio próprio quitado em área regular. Estas regiões passaram historicamente por um processo de regularização de terras e políticas habitacionais, como é o caso de Samambaia.

Em 1981, elaborou-se o estudo preliminar - Projeto Samambaia, implementado oficialmente em 1982. Em 1988, foram construídas 3.381 casas financiadas pelo Banco Nacional destinadas às famílias de baixa renda. Mas, no período de 1989 a 1992, a localidade foi ocupada por um grande contingente populacional oriundo de invasões, cortiços e inquilinos de fundo de quintal, em consequência do grande fluxo migratório, à época. O Governo do Distrito Federal – GDF agregou essa população sob o “Sistema Concessão de Uso” em lotes ainda semi-urbanizados (CODEPLAN, 2016b, p. 14).

Esta é uma realidade que não se entende para as demais RA’s com maior déficit