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Mapa 2 – Municípios de Manaus e de Tefé (Estado do Amazonas)

2.4 AS CIDADES DE CASTANHAL E DE TEFÉ

2.4.1 A Cidade de Tefé, no Amazonas

Segundo Pessoa (2005), a ocupação da terra do município de Tefé está intimamente ligada à catequese, realizada tanto por missionários jesuítas, como os carmelitas, funcionários

pagos pelos governos da Espanha ou Portugal. Em 1688, quando o Padre Samuel Fritz, ardoroso defensor dos interesses da Espanha na Amazônia, organizou as missões entre os povos indígenas na Amazônia, fundou uma aldeia a qual deu o nome de Missão de Santa Teresa D’Avila dos Axiuaris, na barra do rio Tapi, no lugar Tambaqui-Paratu, atual Vila Valente, na foz do rio Tapi.

Pela Carta Régia, de 21 de dezembro de 1686, Portugal criou o Regimento das Missões54. Pelo regimento competia ao missionário a administração, controle da Missão, o recrutamento da mão-de-obra, os descimentos, guerras justas, resgates e agarrações. A Missão de Santa Teresa D’Dávila dos Axiuaris foi transferida por frei André da Costa, missionário português, em 15 de outubro de 1718, para a aldeia dos índios Tupebas, a qual deu o nome de Missão de Santa Teresa D’Ávila dos Tupebas ou Tapibás55.

Em 1759, com apenas 41 anos de fundação pelo frei André, a Missão de Santa Teresa D’Ávila dos Tupebas foi elevada a Vila, pela Carta Régia de 06 e 07 de maio de 1755, com o nome de Ega56. O missionário na época, frei José de Santa Teresa Ribeiro, que era o administrador, passou a ser apenas vigário da Vila. Continuou como autoridade, mas nos assuntos demoral e catequese. Segundo Pessoa (2005), na ocasião da elevação de Vila, tinha apenas três ruas, uma que acompanhava o lago e duas transversais. Nessa época, “Ega era uma vila pobre com uma população descendente de índios e brancos [...]” (PESSOA, 2005, p. 27).

A Resolução nº. 44, de 15 de junho de 1855, elevou Ega à categoria de cidade, com o nome consagrado de Tefé, originário do topônimo Tupebas, numa variação sucessiva para Tepé, Tephé, Teffé e Tefé.

O município de Tefé localiza-se na microrregião de Tefé do estado do Amazonas (Mapa 1), situado na região fisiográfica do Solimões, sendo um dos municípios mais centrais do Estado (Figura 1). A distância entre Tefé e a capital do estado, por via fluvial, é de 672km (Mapa 2).

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A Carta Régia, de 05 de maio de 1757, extinguiu o Regimento das Missões e criou o Diretório dos Índios.

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Segundo Pessoa, desde o começo de vida da Missão, os índios chamavam, ora Tapi, ora Tepé, apocopando a palavra Tupeba. “Do nome deste valoroso povo, hoje, desaparecido, vieram as variações Tapi, Tepé, Tephé, Teffé, e finalmente Tefé, consagrado pelo povo tefeense, como símbolo de luta, persistência, tenacidade e vontade de vencer” (PESSOA, 2005, p. 25).

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Pela Carta Régia em vigor, cada povoado era obrigado a ter nome português. O então Governador da Capitania de São José do Rio Negro, Joaquim de Melo e Povoas, colocou o nome de Ega, em homenagem à Vila de Ega do Condato de Candeixas em Portugal (PESSOA, 2005).

Mapa 1 - Localização da Área de Estudo

Fonte: Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá

Ele possui limites com as terras dos municípios de Maraã, Alvarães, Carauari, Coari e Tapauá. Dentre os rios que compõem a hidrografia do município, destaca-se o rio Tefé, o rio Curumitá de baixo, o rio Curumitá de cima, o rio Arabauá, o rio Caiambé e parte do rio Solimões. Além desses rios, o município possui o lago de Tefé, em frente à cidade, o lago de Caiambé, lago do Merinim e o lago de Catuá (Fotografia 1).

Mapa 2 – Municípios de Manaus e de Tefé (Estado do Amazonas). Fonte: Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá

O território do município já sofreu sete desmembramentos até o ano de 1981. No inicio possuía 500.000km2. Todos os municípios do Alto Solimões se formaram desmembrados do município de Tefé. Apesar destes diversos desmembramentos, Tefé ainda é um município com uma área territorial de 23.704 km2 e uma densidade demográfica de três habitantes por km2, densidade maior que do estado do Amazonas (dois hab./km2). O município de Tefé ocupa 1,5% da área territorial do estado57.

57 O município de Tefé possui área total de 23.704 km2. O estado do Amazonas possui área total de 1.577.820

Figura 1 – Município de Tefé (Estado do Amazonas). Fonte: Ministério do Trabalho e Emprego (MTE)

Segundo Pessoa, “O transporte fluvial já era praticado pelos índios58 e pelos primeiros descobridores. Era por meio de canoas e remeiros, que se faziam às viagens. A conquista da região foi feita por via fluvial, utilizando-se canoas” (PESSOA, 2005, p. 45). Atualmente, o transporte fluvial é de grande importância para o escoamento de diversos produtos do interior para o resto do estado e países vizinhos. A potencialidade para a navegabilidade é uma característica desta região devido às grandes dimensões de seus rios.

A base da economia do município, em 1890, era a borracha, cernambi (borracha de qualidade inferior), o peixe, o óleo de peixe-boi e de boto tucuxi, manteiga de ovos de tartaruga, junto com o couro de animais silvestres. A indústria, em 1911, é formada por apensas duas olarias manuais.

A produção econômica do município, na década de 1930, compreendia a pesca do pirarucu, que era vendido seco, a castanha que o município era um grande produtor, a borracha em pequena escala, a farinha de mandioca, que mal dava para alimentar a população, mel de cana, açúcar mascavo e cachaça em três engenhos. Além disso, havia em quase todas

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A análise de alguns costumes e hábitos dos antigos povos indígenas (REIS, 2005) antes da chegada dos europeus ao Brasil mostra que por terra era apenas sobre as próprias pernas que a população se locomovia. Os indígenas brasileiros não usavam animais para montaria ou tração. Dispunham, muito simplesmente, de meios de locomoção pelas vias fluviais. Em terra, seguiam a pé as trilhas abertas na mata. A semelhança entre aquela sociedade primitiva e a atual sociedade moderna é que as pernas continuam transportando milhões de brasileiros.

as localidades, pequenas criações de gado. Neste período, existiam ainda somente três olarias, produzindo tijolos e telhas. A coleta de castanha se tornou importante devido às fábricas instaladas em Manaus que compravam toda a produção. A produção de madeira era intensa. A agricultura era incipiente, não produzindo o suficiente para a subsistência da população.

Na década de 1870, devido a sua posição geográfica privilegiada, o município recebeu a imigração nordestina e de outras regiões do Brasil, quando o Nordeste sofreu uma das maiores secas da sua história. Como não podiam trabalhar em sua terra, imigravam para a Amazônia, onde estava iniciando a exploração e produção da borracha, na época, produto de maior valor econômico do município (PESSOA, 2005).

O município de Tefé recebeu, a partir do ano de 1882, imigração de sírios, libaneses, judeus e portugueses, visto que esta cidade era um entreposto comercial mais evoluído e avançado do Alto Solimões (PESSOA, 2005). Eles vinham do exterior para cá e daqui eram distribuídos para os rios Juruá, Solimões e Japurá. Segundo Pessoa (2005), muitos deles fixaram residência na cidade como comerciante, tendo o comércio local ficado nas mãos destes imigrantes ou de seus descendentes.

O início da produção de petróleo no município de Coari, Estado do Amazonas, em julho de 1988, trouxe grandes benefícios para Tefé, quando a estrutura da Petrobrás e das empresas que realizam os mais diversos trabalhados terceirizados, se instalou no referido Município. O escoamento era realizado pelo Rio Tefé, devido durante a seca o Rio Urucu e o Lago de Coari não oferecerem condições de navegação. Em 1996, todavia, com o início da construção do poliduto Urucu-Solimões e do Terminal do Solimões, a Petrobrás se instalou definitivamente em Coari e com ela as empresas prestadoras de serviço.

Embora se reproduzam formas tradicionais de trabalho, com base em uma economia agrária – agricultura, extrativismo vegetal, pesca e pecuária – com contingentes de trabalhadores nativos, a densidade demográfica na cidade cresce e a índices altos. Ainda que com taxa geométrica cada vez menor, sua população urbana é crescente, conforme demonstrado pela taxa de urbanização (Tabela 1) – medida pela relação entre a população urbana e população total – a qual passa de 51% em 1980, para 74% em 2000.

Tabela 1 – População urbana, rural e total, taxa de urbanização e geométrica, população economicamente ativa no município de Tefé nos anos 1980, 1991 e 2000

População Ano 1980 1991 2000 População urbana 15.797 39.057 47.698 População rural 14.939 14.913 16.759 População Total 30.736 53.970 64.457 Taxa de urbanização 51% 72% 74% Taxa geométrica - 9% (entre 80 e 91) 2% (entre 00 e 91)

População Economicamente Ativa (PEA) 19.931 35.495 45.253

Fonte: Censo Demográfico, IBGE. Elaboração: Salim (2006).

O acesso à cidade é feito somente por meio de transporte fluvial ou aéreo. A cidade possui dois grandes lagos. Um é o lago de Tefé, em frente ao núcleo urbano. O outro é o Lago do Xidariním59 localizado pelo lado direito da cidade (Fotografia 1).

Fotografia 1 – Cidade de Tefé (Estado do Amazonas). Fonte: Autor Desconhecido

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Fotografia 2 – Cidade de Tefé (Estado do Amazonas). Fonte: www.google.com.br

Embora a população urbana fosse de 47 mil habitantes (IBGE), a cidade de Tefé não possuía plano de planejamento de desenvolvimento urbano, diferentemente da cidade de Castanhal, que desde o ano de 1978 possui um Plano de Desenvolvimento Urbano

Tradicionalmente, como em inúmeras outras cidades amazônicas, o abastecimento da população da cidade, principalmente no que se refere aos alimentos frescos - carne, peixe e verduras - é feito diretamente na feira ou no mercado municipal. Nestes lugares estavam localizados dois pontos com maior número de moto-taxistas da cidade (Fotografia 3).

Fotografia 3 – Ponto de Moto-Táxi na Feira da Cidade de Tefé (Estado do Amazonas). Fonte: Salim (2006)

Os detalhes da fotografia acima, se inseridos no seu contexto histórico, adquirem uma significação particular. A cidade é formada por vários bairros. Entre eles, destaca-se o Bairro do Abial, por estar localizada numa ilha próximo do centro da cidade (Fotografia 4). Recebeu esse nome devido à abundância de abieiros (planta cuja madeira se utiliza no fabrico de instrumentos musicais, cabos de ferramentas etc.) no local. É um bairro importante, com razoável urbanização, separado do centro urbano pelo lago de Xidariním, onde vários de seus moradores faziam a travessia diariamente para estudar e trabalhar no centro da cidade. A travessia pelo lago era realizada por catraia60, meio de transporte fluvial bastante utilizado na região, uma espécie de canoa com motor.

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A catraia passou a ser utilizada como meio de transporte em 1968. Na época, estava surgindo o bairro do Abial, separado por um igarapé, que nas enchentes, atinge até cem metros de largura entre a cidade e o bairro. Como não havia transporte para a população do Abial, um cidadão chamado Sr. Daniel, solicitou ao Prefeito permissão para colocar uma ou duas catraias para o transporte do povo. No começo as embarcações eram movidas a remo. Porém, atualmente só podem trabalhar barcos movidos por motores de até 40 hp.

Fotografia 4 – Bairro do Abial, Cidade de Tefé (Estado do Amazonas). Fonte: Autor Desconhecido

A maioria dos moto-taxistas (Fotografia 5) aguardavam passageiros que se deslocavam ao bairro do Abial. Uma parte dos moto-taxistas residiam no bairro e enfrentavam algumas dificuldades para o transporte das motocicletas durante a travessia do lago devido à pequena dimensão das catraias, que ainda tinham que dividir espaço com os demais passageiros da embarcação.

Fotografia 5 – Moto-Taxistas aguardando Passageiros do Bairro do Abial, Cidade de Tefé, Estado do Amazonas. Fonte: Salim (2006)

Na cidade, o deslocamento dos habitantes era realizado, basicamente, por dois meios: não motorizado ou individual. A mobilidade urbana por meio individual na cidade era realizada, em sua maior parte, através de motocicleta desde a década de 1980. Seus condutores e passageiros, em sua maioria, não utilizavam o capacete que é um equipamento de segurança obrigatório nesse transporte (Fotografia 6). A ausência desse equipamento foi observada entre a maioria dos indivíduos do moto-táxi. A circulação urbana por meio não motorizado era feita a pé, porém, com risco devido à precariedade ou ausência de calçadas. O uso da bicicleta era baixo61. O número de automóveis que circulavam era bastante reduzido. Não foram vistos carroças nem cavalos circulando pela cidade.

Fotografia 6 – Usuários de motocicletas sem capacete Fonte: Salim (2006)

Afinal, como visto anteriormente acerca do Transporte Alternativo e o CSM, o transporte alternativo surge em função da deficiência do sistema regular de ônibus no atendimento das necessidades da demanda (baixa qualidade dos serviços). Em Tefé, o deslocamento por meio de transporte coletivo era inexistente. Na verdade, o deslocamento por meio de transporte coletivo era realizado por apenas três ônibus que faziam o itinerário entre o

61 Há relatos de alguns moto-taxistas entrevistados dizendo que antes da motocicleta as pessoas andavam com

núcleo urbano e duas importantes comunidades: a agrovila da Empresa Amazonense de Dendê (EMADE), e uma outra agrovila, de nome não identificado. Esses três ônibus, na cidade, circulavam somente em horários e locais pré-determinados pela prefeitura, cobrindo apenas alguns poucos bairros62.

A população da cidade de Tefé nunca teve transporte coletivo regular de ônibus. Não se pode afirmar, portanto, que o transporte coletivo da cidade de Tefé veio perdendo espaço ao longo do tempo para o transporte individual. Na década de 1990, depois do surgimento do moto-táxi, a cidade contou com a circulação de um único ônibus. Ele foi impedido, no entanto, pelos próprios moto-taxistas de continuar circulando.

O baixo nível de segurança na circulação em Tefé pode estar relacionado à má qualidade do uso do espaço urbano. A estrutura de circulação da cidade de Tefé era caracterizada por ruas estreitas e pouco sinalizada (Fotografia 7). Na época da pesquisa de campo, a cidade tinha apenas um sinal de trânsito luminoso em um cruzamento, quantidade extremamente baixa, considerando o número de vias e o tamanho de sua população. As faixas de sinalização urbana eram raras, concentrando-se pouquíssimas em apenas algumas vias centrais. A cidade não possuía ciclovia nem ciclo faixa.

Fotografia 7 – Pedestre atravessando fora da faixa de sinalização na cidade de Tefé Fonte: Salim (2006)

62 Há relatos de alguns moto-taxistas entrevistados que já houve tentativa fracassada de se colocar Kombi, mais

Embora o moto-táxi esteja presente em outras cidades do estado do Amazonas, o núcleo urbano de Tefé registra uma quantidade considerável, sendo, no período da pesquisa de campo, o único tipo de transporte alternativo observado.

Em resumo, observa-se que os habitantes da cidade de Tefé não tinham acesso amplo e democrático ao espaço urbano, através dos modos não motorizados e coletivos de transporte. Foi confirmado um dos fatores em função dos quais surge o transporte alternativo (ANTP/NTU, 1997): deficiência do sistema regular de ônibus no atendimento das necessidades da demanda (baixa qualidade dos serviços).