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3. Turismo oficial (1): Retratos do Brasil

3.2 cidades: nomes de memória

Saindo das determinações dos sentidos de Brasil, focaremos neste subcapítulo as nomeações de cidades, a partir da análise do funcionamento discursivo de duas regularidades linguísticas: a antonomásia nas nomeações de cidades (3.2.1) e o nome próprio de cidades (3.2.2), cujo sentido se constitui, a partir do nosso gesto analítico, enquanto um funcionamento de como se, ao retomar nomes de países enquanto nomes de memória. Dois aspectos teóricos se destacam e se imbricam nas análises: o funcionamento discursivo do nome próprio e a questão da memória a partir da noção, ou perspectiva, dos lugares de memória, cujo sentido já evocado em uma de nossas epígrafes, que retoma o texto do escritor Marcel Proust, a respeito do modo como nomes de lugares evocam sentidos e discursos, pela memória.

Em relação ao nome próprio (visto que a antonomásia que analisaremos funciona como tal, e se constitui a partir do mesmo), recorremos ao estudo de Marie-Anne Paveau (2013 [2009]), que em sua obra Os pré-discursos, e em outros estudos (2008), se dedica a analisar os nomes próprios, ou, “os nomes de memória”, para utilizar o termo que ela formula para determinar a sua perspectiva discursiva. A autora especifica que não inclui em sua análise os chamados nomes próprios modificados, “isto é, atualizado por um determinante que lhe permite perder sua unicidade referencial”, neste sentido, a modificação é pensada, por exemplo, para os casos da antonomásia, da metonímia e da metáfora. Apesar de estarmos aqui analisando por um lado o funcionamento da antonomásia, que não é seu objeto, nos aproximamos das suas considerações, visto que, como veremos, nos recortes a antonomásia funciona como um nome próprio. Segundo a autora, “o funcionamento do discurso do nome próprio, seu lugar nas estruturas sociais, nos debates ideológicos, nas guerras territoriais”, e a essa lista acrescentamos, nos discursos turísticos, atestam o caráter de “designador flexível” do nome próprio. Especificamente sobre o nome próprio de lugar, ou topônimos, utilizados como exemplo pela autora, a mesma cita a tese de Geogeta Cislaru sobre os nomes de países (2005, p. 113 apud Paveau, (2013[2009]), p. 186), segundo a qual os topônimos são “dotados de capacidades semântico-referenciais específicas, frequentemente determinadas e enriquecidas pelo contexto: os nomes de países remetem a saberes enciclopédicos, a acontecimentos, ou ainda a estereótipos”. Consideramos essa perspectiva ao analisarmos a constituição do nome do bairro de Penedo, por exemplo, pela antonomásia “a Finlândia brasileira”. A força discursiva do nome

próprio Finlândia, na formulação da antonomásia se constitui por se apoiar em uma determinada memória e em sentidos estereotipados. Ainda segundo Cislaru (Idem, p. 359, apud Paveau, idem, p. 192):

Nas constelações referenciais que se apresentam na superfície dos sítios discursivos, as ocorrências de nomes de países são axiologicamente marcadas por uma referência holística que faz do nome o pivô do acontecimento. O nome adquire assim uma carga de momentos discursivos e julgamentos relativos ao acontecimento. O nome revela assim uma carga representacional que parece estar na base de toda uma rede de relações [...] discursivas.

A relação entre o nome próprio e a memória se mostra de modo incontornável. Pensando na noção de lugar de memória, de Pierra Nora (1984, p. 38), que o considera como um inventário daquilo que é preciso saber, consideramos que o funcionamento discursivo do nome próprio aqui estudado se constitui igualmente como aquilo que se deve saber do/sobre o Brasil. É o trabalho da memória, “enquanto um fio invisível que religa objetos sem relação evidente”, que sustenta dizeres sobre as cidades do Brasil, cujo sentido se constitui a partir de outros lugares de memória. Vejamos esse funcionamento nos recortes que aqui selecionamos.

3.2.1 a Finlândia brasileira e a Roma negra do Brasil

Trazemos abaixo exemplos do funcionamento da antonomásia enquanto lugar de memória, funcionamento, na ordem da forma, como topônimo e trazendo em sua formulação referência de sentidos de etnômicos e gentílicos. Discursivamente, pensamos nos limites entre sinonímia “x = y” e a analogia ou comparação “x é como y”,

Relembramos aqui que a antonomásia é definida nos dicionários como

uma variedade de metonímia que consiste em substituir um nome de objeto, entidade, pessoa etc. por outra denominação, que pode ser um nome comum (ou uma perífrase), um gentílico, um adjetivo etc., que seja sugestivo, explicativo, laudatório, eufêmico, 72irônico ou pejorativo e que caracterize uma qualidade universal ou conhecida do possuidor ( Aleijadinho por 'Antônio Francisco Lisboa'; a Rainha Santa por 'Isabel, rainha de Portugal, esposa de D. Dinis'; o Salvador por 'Jesus Cristo'; o príncipe da romana eloquência, por 'Cícero'; o mantuano por 'Vergílio'; um borgonha, por 'um vinho da Borgonha' etc.), ou vice-versa ( um romeu por 'um homem apaixonado'; tartufo por 'hipócrita' etc.)

A antonomásia faz parte dos chamados nomes próprios modificados, e nestes recortes, trata-se de um caso particular de antonomásia, pois por um lado, ela reescreve os nomes das cidades (ou bairro, no caso de Penedo) – funcionando igualmente como nomes próprios – e, por outro lado, ela se constitui linguisticamente a partir de um outro nome próprio

(que pode ser de uma cidade ou de um país, ou mais raramente de um bairro estrangeiro) determinado por um adjetivo, que pode ser um gentílico – como brasileiro – ou de outra natureza, como colonial e negra. Ou seja, no caso de Penedo, o mesmo é designado pela antonomásia A Finlândia brasileira, que se constitui pelo nome do país determinado pelo gentílico. Passemos agora para a análise do funcionamento discurso da antonomásia, na designação das cidades.

A Montmartre brasileira73. O Caribe brasileiro74. Suíça brasileira75.O bairro de

Santa Tereza, no Rio de Janeiro é apelidado a partir do nome de um bairro de Paris. A cidade alagoana de Maragogi é alcunhada a partir da região banhada pelo mar do Caribe. Nova Friburgo (que teve uma presença de pessoas de origem Suíça) e Campos do Jordão são ambas chamadas de “Suíça brasileira”. Em discursos vinculados ao turismo, é comum se identificar determinados lugares pelo funcionamento da antonomásia. As cidades, países e bairro utilizados na constituição das antonomásias são estrangeiros, na maioria das vezes, europeus, como podemos ver nos exemplos abaixo:

SD33: G4R – pag. 53 – Penedo. Bem-vindo à Finlândia brasileira.

SD34: GR13 – pag. 427 – Le Nordeste – São Luís do Maranhão – [...] on la surnommait « l’Athènes brésilienne »

SD35: GR13 – pag. 495 – Le Nordeste – Recife. [...] Cela étant dit, entre les deux rivières et les multiples canaux qui la traversent et l’ont fait surnommer « la Venise brésilienne », on découvre que la ville recèle une cité ancienne. [...]

SD36: GR13 – pag. 201 – Rio de Janeiro – Paraty – Venise coloniale.

SD37: GR13 – pag. 250 – Minas Gerais – Ouro Preto – l'"Eldorado" brésilien assurant la richesse du Portugal. [...]

Finlândia, Atenas e Veneza têm, segundo o discurso dos guias, suas representantes no Brasil. Temos, Recife como a Veneza brasileira e Paraty como a Veneza colonial. E, remetendo à narrativa lendária, o Eldorado brasileiro. No entanto, sabendo que “não há ritual

73http://www.skyscrapercity.com/showthread.php?t=1394962. Santa Tereza, a Montmartre do Brasil.

74 http://turismo.ig.com.br/destinos-nacionais/maragogi-mergulho-no-caribe-

brasileiro/n1597203813423.html Maragogi: mergulho no Caribe brasileiro.

https://viagemeturismo.abril.com.br/materias/17-provas-de-que-o-estado-do-alagoas-e-o- caribe-brasileiro/ . 17 provas de que o estado do Alagoas é o caribe brasileiro.

75 Nos discursos sobre o turismo, o efeito de único é sempre posto à prova. Em relação à Veneza, por exemplo, cada país tem uma. Temos então Bruges, na Bélgica, como a “Veneza Belga”, Amsterdam “Veneza do Norte Europeu”, ou a “Veneza holandesa”. Sobre as Suíças brasileiras, temos no Brasil, segundo esses discursos, pelo menos duas: Campos do Jordão (SP)

https://www.guiaviajarmelhor.com.br/19-fotos-que-comprovam-que-campos-do-jordao-e-a- suica-brasileira/ e Nova Friburgo (RJ): https://g1.globo.com/rj/regiao-serrana/noticia/nova- friburgo-rj-ganha-titulo-oficial-de-suica-brasileira.ghtml .

sem falhas” (PÊCHEUX, 1978 [1988]), há uma formulação que rompe com essa série e é a partir dessa ruptura que se pode perceber a produção de sentido produzindo efeitos imaginários para o Brasil turístico, e para algumas de suas facetas descritas nos guias. Trata-se da sequência abaixo:

SD38: GR13 – pag. 551 – Le Nordeste – Salvador [...] la “Rome noire” Salvador é a « Roma negra”. Tomando Penedo como caso exemplar, tem-se:

A Finlândia Brasileira A Roma negra

Podemos perceber o trabalho do pré-construído e da memória por esse funcionamento, não somente pelo nome próprio, mas igualmente pela sua determinação, por brasileira e negra nas sequências. A quebra da série se dá na ruptura ao não se chamar Salvador de Roma brasileira, o não uso do gentílico é recoberto pela determinação racializante. Sendo assim, podemos formular que Salvador é a Roma não-brasileira. Se temos Roma negra, podemos igualmente formular que Penedo é a Finlândia não-negra, logo, ela é branca? Disso, poderíamos ainda dizer que Salvador é a Roma não-branca. A partir dessa projeção de sentidos, podemos perceber que brasileira aponta estar em uma posição diferente, talvez antagônica em relação à (ou excluindo o sentido de) negra. O apelo à memória se dá, desse modo, pela oposição entre Finlândia e negra. Temos ainda, como gesto analítico, um funcionamento discursivo que atravessa a tese, o como se, seja no nível da formulação, seja, como é o caso aqui, no nível da interpretação analítica. Finlândia brasileira pode ser interpretada do seguinte modo, “é como se fosse a Finlândia, mas é no Brasil”, Salvador, do mesmo modo, “é como se fosse Roma, mas é negra”. Se percebe a força discursiva tanto do nome próprio, quanto da antonomásia, que no discurso turístico diz de um determinado olhar, que se projeta como exterior ao país (apesar de se tratar de uma sequência em português, sobre Penedo, e uma em francês, sobre Roma) ao buscar referências europeias para construir a identificação das cidades. Exterior pois não há uma identificação regional, por exemplo, Salvador e Penedo poderiam ser, respectivamente, a “Roma nordestina/baiana” e a “Finlândia

Retomando o enunciado de onde foi retirada a antonomásia que identifica Salvador, temos igualmente um outro paralelo interessante entre duas cidades, Rio de Janeiro e Salvador, trazido desta vez na própria formulação do guia, em francês:

SD38: GR13 – pag. 551 – Le Nordeste – Salvador da Bahia. [...] Um nom mythique, légendaire! On se prend à imaginer les caravelles d’antan laissant leurs lourdes ancres s’accrocher pour des siècles auc côtes du Brésil. On songe aux sombres cales des navires négriers chargées des esclaves, qui débarquaient enchaînés en terre inconnue, peuple du silence arraché aux dieux de

l’Afrique. [...] Troisième ville du pays par sa population, elles est de fait la première par son coeur. Car si Rio fait rêver pour son site naturel et sa baie splendide, Salvador, ville la plus africaine du continent, fascine le voyageur par son caractère tropical et afro-brésilien. On l’a d’ailleurs surnommée « la Rome noire » du Brésil... Rome pour le nombre impressionant d’églises que compte la ville (365, une pour chaque jour de l’année, dit-on). Et noir, parce que Salvador est aujourd’hui une métropole peuplée à 80% des descendants des anciens esclaves africains. [...]

= Rio faz sonhar pelo seu sítio natural e sua baía esplêndida

= Salvador = cidade mais africana do continente = fascina pelo seu caráter tropical e afro- brasileiro.

SD38a = Rio fascina por seu sítio natural e baía esplêndida?

SD38b = Salvador faz sonhar por seu caráter tropical e afro-brasileiro? SD38' = Salvador não faz sonhar por seu sítio natural e baía esplêndida? SD38'' = Rio não fascina por seu caráter tropical e afro-brasileiro?

Pensemos primeiramente nos verbos. Fascinar e fazer sonhar: há algo de edênico nos aspectos naturais, associados ao Rio, há algo de fascinante e de surpreendente, nas características tropical e afro-brasileiro, associados a Salvador. Em se tratando de uma sequência em francês, os sentidos “naturalistas” atribuídos ao Rio poderiam ser associados a uma determinada memória do viajante, pensando nas praias como exemplo desse caráter paradisíaco e edênico atribuído à cidade, e ao país? Ao mesmo tempo, o aspecto fascinante do

caráter tropical e afro-brasileiro de Salvador aponta para efeitos de pré-construídos que

parecem se construir de modo antagônico com os sentidos atribuídos ao Rio. Trata-se de duas naturezas, a do Rio e a da tropical Salvador. Vimos os sentidos de tropical e o modo como esta forma de determinação de sentidos regionais convoca uma memória da colonização/dos viajantes. Pensando na coordenação que se produz entre tropical e afro-brasileira, podemos questionar quais sentidos se produzem ao se determinar conjuntamente o sentido de uma cidade por um aspecto geográfico/natural e outra por um aspecto racializante. Estariam ambas características associadas na memória de um discurso que se filia, novamente, aos sentidos dos viajantes e colonizadores? Talvez seja o caso aí do funcionamento de uma memória da alteridade (aquilo que fascina no outro), além do movimento de filiação com a memória da colonização (tropical), que se mostra mais claramente na forma de se falar do esplendor da natureza que faz sonhar. Ao mesmo tempo, faz fascinar quem? Parece que aí se constrói um imaginário de Europa não-negra, não-mestiça, um imaginário que perceberemos em outros momentos de análise, neste caso, o próprio corpo funciona como paisagem, como elemento turístico, volta o exótico. Vale apontar igualmente o sentido que se projeta para o Brasil em

Há outras cidades/países com predominância negra no continente, podemos citar Cuba e Colômbia, no entanto, Salvador é assim designada; ao mesmo tempo podemos pensar que, de fato, é o Brasil que é projetado como continente, e esse sentido foi visto no subcapítulo anterior, formulado assim, o discurso projeta a memória francesa a respeito de Brasil e a respeito de outros países da América do Sul com os quais teve menos contato, durante o período da colonização. O Brasil como continente projeta igualmente uma memória que atualiza discursos a respeito do isolamento (linguístico e cultural) em relação ao demais países da América do Sul. Além disso, há efeitos de pré-construído trazidos pelo funcionamento da partícula “se”: todo mundo sabe que o Rio faz sonhar pelo seu sítio natural e sua baía esplêndida. O “se’, ao mesmo tempo em que traz esse pré-construído, aponta para uma direção que muda o sentido em relação àquele trazido para o Rio, fazendo esse efeito funcionar a partir de uma relação construída – compara-se Rio e Salvador (isso por si, não é outro efeito de pré-construído? O que faz com que seja evidente que se compare aspectos do Rio e de Salvador, ambas são muito turísticas? Antigas capitais coloniais? Ou esses nomes próprios convocam na memória sentidos que se opõem?). A tensão dos sentidos trazida pela oscilação entre africana, negra e afro-

brasileira, pode ajudar a responder essas questões. Cidade mais africana. Roma negra. Caráter afro-brasileiro. (há também descendentes de escravos africanos, mais reservamos a análise dos

etnômicos para o próximo subcapítulo). Dizer afro-brasileiro é não dizer do negro, nem do africano, e é dizer do não-brasileiro. O sufixo afro parece negociar de modo perverso com a memória sobre o negro, apagando a contradição com os sentidos de brasileiro. Se Salvador é a

cidade mais africana, por que ela não pode ser chamada de Roma africana? Longe de significar

uma sinonímia, essa oscilação na determinação demonstra que esses termos não são intercambiáveis discursivamente, parece que não se pode dizer negra para qualquer coisa, nem

africana. São esses diversos sentidos que são atualizados ao se dizer do Rio comparado a

Salvador.

Ressaltamos que brasileira, nas antonomásias, se formula tanto em português quanto em francês, e que apesar de negra e colonial apenas ser formulado em francês, nos exemplos encontrados, não se pode afirmar que sejam específicos desses guias. Apontamos também que deixamos para o capítulo 4, a análise dos sentidos de colonial, tal qual se formula sobre Paraty, a Veneza colonial. Retomando as sequências do início (na página 81, SDs 33 a 37), é interessante se perceber que na construção dessas diversas antonomásias, e na textualização das mesmas por modos distintos, ora determinadas por brasileira, ora por

diferentes posições que se projetam. Dessas posições se projetam diferentes temporalidades, São Luís, ainda hoje é, no discurso publicitário, nos discursos orais/ordinários, na literatura, na música, chamada de “Atenas brasileira” (além de outras cinco antonomásias76), no entanto no discurso turístico ela é posta entre aspas e introduzida por um verbo no passado. Do mesmo modo temos Ouro Preto como o “Eldorado” brasileiro. Apenas Eldorado está entre aspas, apontando para aquilo que a cidade representou no ciclo do Ouro, e para a referência lendária ao mito do Eldorado. O mesmo se percebe em Recife, “Veneza brasileira” com aspas, ao passo que temos a Finlândia brasileira, e Paraty, chamada de Veneza colonial, sem formulação acompanhada de aspas. Trata-se marcas da indicação autonímica77 que aponta para um distanciamento entre quem chama, e entre quem enuncia discursivamente, se percebe por colonial e brasileira sem aspas, um recorte temporal, e talvez seja essa temporalidade – do Brasil colônia e do Brasil dos imigrantes europeus – que se marque na ausência de aspas, mais do que (ou tanto quanto) nos adjetivos. Uma temporalidade que talvez também aponte para os vestígios patrimoniais (construções) que há em Penedo e em Paraty, e que não há em Recife ou em São Luís. Há uma historicidade nas aspas, que parecem funcionar como projeções de temporalidades outras, diferentes da temporalidade da antonomásia como um todo.

No par de sequências abaixo, a antonomásia (que também é um tipo de metonímia) aponta ao mesmo tempo para a negociação com a memória em relação aos sentidos racializantes, e para discursos que dizem da economia e da cultura. Trata-se de fato de uma regularidade a de associar discursos culturalistas, discursos que remetem a diferentes sentidos de cultura (cf. capítulo 5.3), ao se mencionar o aspecto afro-brasileiro.

SD39: GFSP – pag. 9 – Introdução ao Brasil – Bahia. Coração cultural do Brasil africano. [...] A afro-brasileira Salvador.

SD40: GFSP – pag. 62 – Introdução ao Sudeste – Rio de Janeiro, Espírito Santo, Minas Gerais e São Paulo constituem o coração econômico do Brasil [...]

Bahia: Coração cultural do Brasil africano. Sudeste: Coração econômico do Brasil [ ].

Além de se apontar para sentidos de cultural e de econômico, como distintos, há uma convocação de discursos que dizem do Sudeste (e especificamente, São Paulo, mar de

concreto, locomotiva do Brasil, G4R, p. 778) como a região que faz a economia do Brasil, e,

76 Vale apontar que nesses outros discursos, há uma formulação muito popular sobre São Luís como A Jamaica brasileira, referente à cultura do reggae que existe muito fortemente em todo o estado do Maranhão. No entanto, como discutimos ao longo da análise, há formulações que não podem ser ditas no discurso turístico, esta parece ser uma delas. 77 (AUTHIER-REVUZ, 1978, 1979, 1990 [1982], 2008 [2004], 2016 [1980])

ao mesmo tempo, remetendo a discursos estereotipados sobre o Nordeste, a “região pobre”, “de pessoas preguiçosas”, “que vivem do bolsa família”. Talvez cultural também ganhe esse sentido, daquilo que é posto em uma discursividade diferente daquilo que gera economia, daquilo que é produtivo. Estaria igualmente o capitalismo, o sentido do que gera renda, como fora do que é cultural? Além disso, há no enunciado sobre os quatro estados do Sudeste um não-dito sobre raça/etnia, junto com o sentido de econômico; sobre a afro-brasileira Salvador, o coração cultural é de um Brasil, mas não qualquer Brasil, ou do Brasil como um todo: um

Brasil africano (pobre e que não gera renda?). Se pode dirimir, além de que há de fato essa

associação cultural / afro-brasileiro / africano, o fato de que há um Brasil africano e há um (outro) Brasil, não-africano? O Sudeste é (de) um Brasil cuja identificação de raça não é necessária, ou seja, é não-marcada, ao passo que para a Bahia a necessidade de situá-la não como do Brasil, mas de um certo Brasil, parte dele ou fora dele, um Brasil africano.

O funcionamento do discurso dos guias do turismo passa desse modo também pelo recurso às figuras de linguagem, no anexo se pode ter acesso às demais figuras de linguagem, como a comparação com cidades norte-americanas, com antonomásias que evocam sentidos de

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