• Nenhum resultado encontrado

4. Turismo oficial (2): souvenirs (e esquecimentos)

4.3 cultura : preservar ou perpetuar?

O discurso patrimonialista se insere no discurso oficial em uma posição que projeta sentidos de cultura (pela própria inserção do patrimônio no eixo de cultura), no discurso turístico, tentamos compreender a produção discursiva do sentido de cultura, a partir de análises daquilo que se quer preservar, para fins turísticos, o que nos permite chegar a um funcionamento entre este primeiro sentido – preservar – e o sentido, constituído diferentemente, a partir de perpetuar, tomando o funcionamento do que se diz sobre a tradição (europeia) e sobre a contribuição (indígena e africana).Na dimensão cultural, projetada a partir do discurso patrimonialista, da museificação das cidades e dos espaços, que diz da preservação, da

salvaguarda e da manutenção, afirma-se o trabalho a que se propõem os órgãos institucionais

citados anteriormente, que definem:

o patrimônio cultural como formas de expressão, modos de criar, fazer e viver. Também são assim reconhecidas as criações científicas, artísticas e tecnológicas; as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; e, ainda, os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.

Ao ler os recortes em torno de designações de tradições e herança – e de sua preservação, pode-se perceber, que nesse aspecto, as sequências dos guias de turismo se filiam, conforme já mencionamos, ao discurso mantido por esse órgão do Governo Federal. Cabe pensar então de que modo o discurso turístico produz sentidos para o que tido como cultura, e para tanto, retomamos brevemente alguns trabalhos que vem tentando pensar a dimensão da cultura em Análise do discurso.

Foi por meio da (já citada) tese desenvolvida por Phillipe Marcel Esteves, que começamos nossas leituras, este autor, por sua vez, menciona os apontamentos teóricos de Maria Cristina Leandro Ferreira, autora que muito se interessa pela problematização da noção de cultura, no âmbito da teoria discursiva materialista. Esteves (2015, 2013), baseado nas reflexões de Ferreira (2011), e a partir de sua pesquisa de doutorado em torno das formações identitárias em discursos sobre a comida no Brasil, afirma que “quando se fala de comida, fala- se [...] de cultura”, de modo que sentidos por vezes naturalizados e banalizados, são mantidos, se não problematizados, “sob o efeito do óbvio” (Ferreira, 2011, p. 59). Ambos autores chegam

a questionar a teoria do discurso sob a possibilidade de se formular um conceito para dar conta desta dimensão, ambos falam em “formação cultural119”, nessa inquietação teórico-analítica, nos interessam os diversos sentidos de cultura postos em circulação em seus escritos.

Esteves, postula a cultura enquanto efeito, partindo de sentidos contíguos do termo

cultura encontrados em Certeau (1995, pp. 193-194, apud Esteves, 2013, p. 64):

Em primeiro lugar, “os traços do homem culto”; em segundo, o arcabouço patrimonial de “obras que devem ser preservadas”; em terceiro, a imagem ou percepção de um “mundo próprio a um meio (...) ou a uma época; em quarto, o conjunto de “comportamentos, instituições, ideologias e mitos” que diferencia uma sociedade de outra; em quinto, uma oposição à natureza, como aquilo que se adquire socialmente; e finalmente em sexto, um “sistema de comunicação”

Esses sentidos identificados na enumeração de Certeau projetam-se como efeito em diversas sequências analisadas até aqui, e que analisaremos a seguir. Os diversos sentidos de

cultura parecem funcionar, tal qual formula Ferreira (2011, p. 59), como um modo de, “ao invés

de apontar para o diferente, [servir] para encobrir o mesmo”. Ferreira (Idem, p. 61) acrescenta ainda o interesse na “possibilidade de pensar a cultura funcionando como um lugar da produção social da memória e do esquecimento”. Pensando junto com a autora, poderíamos afirmar que esse esquecimento, pelo recobrimento da evocação de aspectos culturais, se dá pelo apagamento de outros sentidos (como veremos a respeito dos sentidos de cultura vinculados aos de influência). Do mesmo ao diferente, da memória ao esquecimento, a autora explicita sua reflexão:

Lugar da memória que, ao conservar e reproduzir artefatos simbólicos e materiais de geração em geração, torna-se depositária de toda essa massa de informação social. Lugar do esquecimento, porque em seu funcionamento invertido, demarca as exclusões, os apagamentos, que os sujeitos produzem, inconscientemente, nos modos de ser, representar e estar em sociedade. (Idem)

O dizer da/sobre a cultura ao demarcar os modos de ser funciona produzindo lugares de identificação. O que tentamos perceber, em nossa análise, são os modos pelos quais se constituem e se projetam os processos de identificação nos dizeres que, designando tradições e heranças, e a partir disso projetando sentidos de cultura, discursivizam sentidos identitários para a população – tanto aquela identificada nas formulações (lugar de memória) quanto a que não se formula (lugar do esquecimento).

119 Não fazemos jus aqui à profundidade teórica que ambos autores constituem ao discutir a possibilidade desse conceito, remetemos aos textos acima referenciados para uma apresentação aprofundada da noção de "formação cultural".

4.3.1 a tradição europeia

A partir de nosso gesto de leitura de indagarmos o corpus sobre os sentidos de

tradição, alinham-se sequências discursivas que se constituem em guias brasileiros,

massivamente sobre a região sul. Conforme o exposto anteriormente, há uma vinculação entre os sentidos de tradição e o imaginário que vincula essa região com a ideia da presença de imigrantes europeus, o que cabe perguntar é como, a partir disso, se dá o sentido de tradição nessas formulações, o que isto projeta como sentido do que é tido como “cultura”? Nos indagamos igualmente sobre as projeções de sentido para as “identidades” nesses discursos, e como a vinculação com o discurso patrimonialista (do IPHAN, da UNESCO), se constituem, considerando a distinção entre patrimônio material e imaterial e as diferentes temporalidades, que se textualizam ora por preservar, ora por perpetuar.

SD166: G4R – pag. 44 – Joinville. A tradição alemã da cidade-sede de um dos maiores festivais de dança do mundo pode ser desfrutada em quatro roteiros rurais repletos de cachoeiras e fartas mesas de café colonial.

SD167: GFSP – pag. 329 – Introdução ao Sul. O Sul Multicultural – [legenda de imagem] Castrolanda, cidade de colonização holandesa dedicada a laticínios e produtos agrícolas, em especial a soja, continua celebrando as tradições de danças folclóricas da Holanda.

Primeiramente, formula-se o sentido de tradição determinado por alguma nacionalidade: tradição alemã, tradição germânica e tradição [de danças folclóricas] da

Holanda. Esse é um primeiro aspecto, ao se dizer da existência de tradições o fato delas serem

vinculadas às cidades do Sul, e, por consequência, aos imigrantes europeus. Um segundo aspecto é como se determina essa tradição. A tradição é desfrutada / é evidente / continua sendo

celebrada, determina-se que a tradição, nesses moldes, pode ser desfrutada pelos turistas,

constituindo-se então como um produto turístico. Em relação à cultura como memória de um povo, de uma comunidade, tem-se o sentido da celebração associado às tradições, além disso, põe-se em circulação uma determinada relação da tradição com aquilo que pode ser visto, que é visível, que é inquestionável, que é evidente. Sobre o aspecto evidente da tradição (germânica) a enumeração que determina o sentido de tradição: arquitetura, boa cerveja, culinária e

Oktoberfest (no anexo); sobre Castrolanda, as danças folclóricas se constituem em tradição.

Tem-se aí, segundo esses discursos, os elementos necessários para se falar de tradição, Arquitetura, hábitos culinários e um festival textualizam este sentido, que – como gesto de interpretação – aproximamos dos discursos que projetam sentidos de cultura. Ainda sobre Castrolanda, fala-se em continua celebrando as tradições, o sentido projetado nessa formulação

não é muito distante do sentido de preservação de tradições. Continua celebrando traz uma projeção de temporalidades, que passamos a ver mais detalhadamente a partir das sequências abaixo.

SD168: GFSP – pag. 334 – Santa Catarina e Paraná – [...] Descendentes de imigrantes europeus preservam suas tradições nestes estados, como os austríacos em Treze Tílias.

Nesta sequência, a formulação em torno de preservação de tradições se constitui como um ponto de referência, seguindo o que diz Courtine ([1981] 2009, p. 92) acerca do trabalho de análise, “escolhido arbitrariamente, a partir do qual queremos mostrar a possibilidade de um tal enunciado inscrever-se em uma rede de formulações”. Assim, partindo do fio do intradiscurso, ou seja, de formulações do Guia da Folha de São Paulo, podemos perceber uma relação particular em torno dos sentidos de preservação de tradições, ao mesmo tempo, ao olharmos para as relações “verticais”, na rede discursiva das formulações dos guias, encontramos “laços” entre as mesmas. Nas SDs abaixo, do mesmo guia, a preservação se formula por mantêm e mantém vivos.

SD169: GFSP – pag. 41 – Retrato do Brasil – Mês a mês. Fevereiro, Caxias do Sul. A produção de vinho é o destaque desta festa, que mantém vivos os costumes e tradições dos primeiros imigrantes italianos.

SD170: GFSP – pag. 328 – Introdução ao Sul – O Sul Multicultural. Alemães. Os alemães foram os primeiros imigrantes não portugueses a se instalar no sul do Brasil, na década de 1850. Eles foram para as serras do Rio Grande do Sul e para os vales do nordeste de Santa Catarina. Seus dialetos e tradições se mantêm em muitas áreas rurais, e os estilos de arquitetura alemães são visíveis em cidades como Blumenau e Novo Hamburgo

Pondo as três sequências em relação temos:

SD168: descendentes de imigrantes europeus preservam suas tradições

SD169: a festa mantém vivos os costumes e tradições dos primeiros imigrantes

italianos

SD170: os dialetos e tradições dos alemães se mantêm em muitas áreas [...]

Preservação e manutenção se constituem numa relação de paráfrase, no

intradiscurso, apontando para aquilo que determina o sentido de tradição, quando há determinação: na SD168 não se formula, na SD169 temos a coordenação entre costumes e

tradições, apontando para a distinção e, ao mesmo tempo, a aproximação entre esses dois

elementos, o mesmo efeito pode ser percebido na SD170 a partir da coordenação entre os elementos dialetos e tradições. Trazendo sequências de outros lugares, do Guia 4 Rodas, esse “laço” de sentido ajuda a se compreender tanto o que se entende por tradição, quanto a

vinculação da mesma com a presença de imigrantes e, principalmente, com o efeito de pré- construído que diz da necessidade de sua preservação.

SD172: G4R – pag. 156 – Bento Gonçalves. Se a Serra Gaúcha é a maior região vinífera do país, o Vale dos Vinhedos é o seu principal corte – e 60% dele fica em Bento Gonçalves. Na cidade marcada por vales e escarpas serpeadas por arrojos, mais de 600m acima do nível do mar, encontram-se dezenas de vinícolas – das maiores do país, como Casa Valduga e Miolo, às pequenas e artesanais, guardiãs da tradição dos imigrantes vindos da Itália no final do século 19. Mas há muito mais a percorrer em Bento. Para citar dois exemplos: o roteiro Caminhos da Pedra preserva boas compras e casas típicas dos colonos, e o Vale do Rio das Antas reúne vinícolas e um alambique. [...]

SD173: G4R – pag. 746 – Santa Maria, RS – [...] A região guarda traços fortes da colonização europeia [...]

Na SD172, o sentido de preservação é formulado por guardiãs da tradição dos

imigrantes vindos da Itália, e na SD173, por a região guarda traços fortes da colonização europeia. Traços fortes e tradição se estabelecem numa relação de significação muito próxima.

Ao mesmo tempo, é posto, pelo efeito de pré-construído, que os imigrantes possuem tradição, que dizer de tradição é dizer também dos imigrantes, e que ela precisa ser preservada, guardada, ter guardiões. Na SD172, após a descrição da natureza em Bento Gonçalves, e das casas produtoras de vinho que são guardiãs das tradições dos imigrantes vindos da Itália, aproximamos – como gesto de interpretação – a ideia de guardiãs com o discurso da preservação. Falar em preservar e guardar (aqui no sentido de proteger) seria o eco de um discurso que afirma que a manutenção destas tradições estaria em risco? Seria apenas contra o trabalho do tempo, do esquecimento, da perda da tradição que o discurso da preservação se constitui? Apontando ainda mais para a verticalização desses discursos, no interdiscurso, podemos indagar se haveria um discurso que defenda ou que afirme a preservação de outras influências e “heranças”, assim como percebemos em relação à herança e à tradição dos imigrantes europeus. Ou seja, este tipo de análise nos permite formular questionamentos que abrem para se pensar no modo como são chamadas as “tradições” de origem africana e indígena, se as mesmas são chamadas de tradições e se sobre elas se formula um discurso que afirma a necessidade de sua preservação, perguntas que tentamos investigar no próximo ponto (4.3.2). Conforme já mencionado, no discurso do turismo se faz repetidamente presente o sentido de preservação, o que questionamos aqui é o modo pelo qual (não) se fala de outras influências, e no que diz respeito ao presente recorte, de que modo a preservação destas influências é formulada nesses discursos.

A preservação formulada, por exemplo, em até hoje é comum ver os habitantes

conversando em alemão além de que a colonização está evidente nos cabelos loiros, no idioma e na gastronomia local, nos permite pensar se, por exemplo, em relação aos indígenas, esses

elementos, assim enumerados, projetam igualmente um discurso que diz da preservação. Afinal de contas, se falar a sua língua, se evidenciar sua raça/etnia e ter uma alimentação constituem, para o indígena, esse mesmo efeito, tanto de turístico, quanto de "cultura a ser preservada". O que produzem como efeito de sentido discursos turísticos que dizem de uma preservação nesses moldes? No sentido que estamos analisando, preservação se associa ao sentido de imitação de determinadas cidades, conforme vimos no capítulo 3:

SD174: GFSP – pag. 353 – Rio Grande do Sul – Nova Petrópolis. Os imigrantes alemães que chegaram na década de 1820 foram os primeiros habitantes das montanhas ao norte de Porto Alegre. Nova Petrópolis fundada em 1858, continuou relativamente isolada até meados do século XX e preserva muitas características alemães até hoje. Estendendo-se pela avenida 15 de novembro, o centro comercial da cidade tem vários edifícios em estilo alemão. Na metade dessa avenida fica o interessante Parque Aldeia do imigrante, que homenageia os primeiros colonizadores da região. [...] A igreja luterana, casas, escola, ferraria e cemitério ajudam a recriar a atmosfera de uma aldeia alemã do século XIX. [...] As aldeias e fazendas em volta de Nova Petrópolis também têm um toque germânico. Aqui o alemão ainda é língua dominante e preservam-se a música e a dança do Velho Mundo.

SD175: GFSP – pag. 355 – Rio Grande do Sul – Vale dos Vinhedos. Alguns dos melhores vinhos do Brasil são produzidos no vale dos Vinhedos. A maioria dos habitantes aqui é da região do Vêneto, Itália, e a vida no vale dos Vinhedos segue um padrão bem similar ao daquele canto do nordeste da Itália. Numa área de monocultura, a uva define a atividade anual, e as capelas católicas são cruciais para a manutenção das tradições italianas.

SD176: GFSP – pag. 357 – Rio Grande do Sul – Flores da Cunha. [...] A cidade de Flores da Cunha em si não tem grandes atrativos em si, mas as vilas dos arredores poderiam ser facilmente confundidas com aldeias do norte da Itália, pois mantêm o dialeto veneziano de seus imigrantes, o que faz dela a mais italiana das cidades brasileiras.

Os sentidos de preservação das características alemães (SD174) e de manutenção

das tradições italianas (SD175), ou até mesmo a manutenção do dialeto veneziano (SD176)

produzem como efeito o fato dessas cidades se identificarem, não com características brasileiras, mas com as de outras cidades, as cidades europeias de onde vieram os imigrantes. Podemos observar esse efeito, na regularidade que diz dessa similaridade entre as cidades daqui, e as cidades europeias:

SD174: recriam a atmosfera de uma aldeia alemã

SD175: bem similar ao daquele canto do Nordeste da Itália

Os sentidos que se projetam é o de que essas cidades sejam mais, ou menos, brasileiras, ou ainda, "se pareçam" com cidades europeias, que façam com que elas possam ser

facilmente confundidas com aldeias do norte da Itália, retomando o que vimos no capítulo 3

na análise das imagens do Facebook do Ministério do Turismo, e pensando no espaço de enunciação do Brasil, podemos afirmar que a posição com a qual se identifica esse órgão e a que se projeta dos guias brasileiros, tendem a ser muito próximas, quiça a mesma. Pode-se identificar o sentido de que, para ser turística, como a cidade de Flores, a mais italiana das

cidades brasileiras, precisa parecer não-brasileira. Uma autêntica cidade "não-brasileira", ou,

podemos parafrasear dizendo que "o dialeto italiano faz dela a menos brasileira das cidades brasileiras". Esse tipo de exercício parafrástico, nos abre para a discussão acerca daquilo que os guias formulam como “identidades”. Os discursos sobre a preservação e manutenção das características e tradições dizem também de uma determinada “identidade” atribuída a essas cidades, à região, a essa parte do Brasil. Diz também de um determinado olhar sobre essas influências e de como as mesmas são formuladas como produto de interesse turístico, em guias brasileiros. O discurso de preservação das tradições – europeias – é, desse modo, um discurso que diz também da preservação das identidades (culturais). É nesse tipo de formulação que se pode perceber um vínculo entre o que se chama identidades e um discurso que diz (não- dizendo) da raça/etnia.

O discurso sobre (a preservação das) identidadades se produz a partir da relação entre tradições e cultura. A ideia da preservação da arquitetura, da tradição e da herança – retomando o segundo sentido de cultura segundo De Certeau de “arcabouço patrimonial de ‘obras que devem ser preservadas’” (que nos parece ser o mesmo sentido que se formula nas palavras do IPHAN, citado anteriormente) – é o que parece nortear o sentido de cultura como uma regularidade que atravessa as sequências deste recorte. A partir dessa definição, vemos, novamente, emergir no discurso, o sentido de patrimônio. Nesse sentido, a distinção entre o

material e o imaterial é reatualizada nos sentidos da tradição visível e evidente, dos imigrantes

europeus, apesar de se afirmar que os “saberes” são bens imateriais, nos quais poderíamos inserir as línguas, os dialetos italianos, os costumes, as tradições europeias, por exemplo, há algo nos discursos turísticos que projeta um efeito “palpável” a estes elementos, mesmo quando não está falando da arquitetura. Postas em relação com o traçado arquitetônico – bem material –, até mesmo os costumes, funcionariam de modo similar a um bem material, quando se trata das tradições europeias, de modo que se materializa o imaterial da identidade cultural "europeia" do Sul do Brasil.

A própria definição de patrimônio pelo IPHAN se formula como o que vai identificar o “patrimônio cultural brasileiro”. No modo como se definem as diferentes tradições quando de origem europeia percebemos um equívoco interessante, se falar de patrimônio diz de uma certa identidade, e se nas diferentes sequências analisadas, vimos formulações que dizem de identidades não-brasileiras, "menos brasileira", preservadas e mantidas, podemos perceber que falar em tradições e de manutenção de identidades, se constituem em modo de não se falar da presença africana e indígena nessas regiões, isso fica como um não-dito, não que não haja, mas isto não se diz. Neste sentido, é interessante se pensar que sentidos de cultura se vinculam, pelo discurso da preservação, a sentidos de identidade dos grupos (no último subcapítulo iremos detalhar o discurso sobre as identidades). Veremos, antes, os modos pelos quais as influências africanas e indígenas são significadas, para tentar responder às questões formuladas nesta primeira parte.

4.3.2 a contribuição africana e indígena

Analisamos aqui a forma diferente de se falar de influência, quando esta é referência da cultura europeia, preservada e digna de orgulho, e quando se trata de outras influências. Seja a influência indígena – a questão da temporalidade do acontecimento da enunciação aqui é incontornável –; seja a africana, na qual uma outra temporalidade é posta em funcionamento, a africana dá sempre lugar ao que permeia uma outra cultura, e que também já se vê ultrapassado pois diluída em outros laços identitários. Ambas projetam temporalidades distintas, mas de diferentes modos. Começamos pelos sentidos de influência indígena.

Procurando por formulações que dizem do indígena, percebemos que muito do que

Documentos relacionados