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Cinema, Capoeira e Corpo

No documento Luis Vitor Castro Junior (páginas 127-130)

A. de Filgueiras (Org.) Pelo Pelô: história, cultura e cidade Salvador: Ed UFBA, 1995 p 16.

2.2 Cinema, Capoeira e Corpo

Nos últimos anos, os considerados grupos minoritários: os remanescentes de quilombolas, a população indígena, os trabalhadores da zona rural, os moradores da periferia dos grandes centros urbanos e outros têm se utilizado de novos meios para contar e registrar a sua história, criando um discurso224 “próprio”, na tentativa de afirmar a sua “identidade”. Esses grupos, preocupados em querer exercer sua cidadania e pressionar o poder hegemônico, têm se utilizado da produção de filmes e vídeos documentários para informar à sociedade sobre a sua cultura de modo em geral, suas formas de convivência e as suas reais necessidades sócio-históricas.

No caso mais especifico da capoeira, cada vez mais se produzem filmes cujo propósito é registrar a memória dos antigos mestres, ícones da cultura dos capoeiras e

224 O discurso da minoria consiste na ação da emergência, está no ato do poder-potência dos “entre-

lugares” “antagonístico em constante jogo contraditório, reconhecendo e de uma certa maneira afirmando o “status da cultura nacional – e o povo – contencioso e performativo da perplexidade dos vivos em meios das representações pedagógicas da plenitude da vida. Agora não há razão para crer que tais marcas de diferença não possam inscrever uma “história” do povo ou tornar-se lugares de reunião da solidariedade política. Contudo, não celebrarão a monumentalidade da memória historicista, a totalidade da sociedade ou a homogeneidade da experiência cultural. O discurso da minoria revela na ambivalência intransponível que estrutura o movimento equivoco do tempo histórico”. BHABHA, Homi K. O local da cultura. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1998. p. 222.

a trajetória histórica da Capoeira na Bahia, no Brasil e no Mundo. Os filmes documentários: Mestre Pastinha: Uma vida pela capoeira225; O Velho Capoeirista: Mestre João Pequeno de Pastinha226; A capoeiragem in Bahia227, O pulo do Gato228; Mestre Bimba: A capoeira Iluminada229, iê, Viva meu Mestre!230, e muitos

225 “Poeta da capoeira, Vicente Ferreira Pastinha, o legendário Mestre Pastinha, também era conhecido

como “Guardião da Capoeira Angola” , pois no final dos anos 30 recebeu da Velha Guarda da Capoeira da Bahia a missão de defender a Capoeira Angola Tradicional das mudanças introduzidas para aumentar a sua eficiência “enquanto luta”. Graças a Pastinha e seus discípulos, a Capoeira Angola – Essa extraordinária arte afro-brasileira de luta e de dança , mandingueira e mortal, que figura de entre o que de melhor e de mais fino se criou em nosso país – esta é a vida a “novidade” na Capoeira atual: a renovação da capoeira através do reencontro com suas origens e valores mais profundos. Fruto de mais de cinco anos de trabalho, Pastinha: Uma Vida pela Capoeira, um filme do cineasta e capoeirista Antônio Carlos Muricy, é um documentário de 16 mm filmado no Rio de Janeiro, Salvador e Nova Iorque – EUA. Ilustrado com fotos de David Zingg e de Pierre Veger que deu para este filme um de seus últimos depoimentos – e por desenhos e pinturas de Capoeira do próprio Pastinha, representa uma rara oportunidade de se conhecer os fundamentos e a história da lendária Capoeira Angola e de seus maiores Mestres. Pastinha!” Texto retirado da contra-capa do filme.

226 “João Pereira dos Santos, o Mestre João Pequeno, aos 82 anos de idade, é o mestre de capoeira

mais antigo em plena atividade. Herdeiro legitimo das tradições africanas, ele é ícone de nossa cultura e símbolo da história de luta de um povo. Este documentário é mais que um registro, é uma homenagem a um homem que representa um pouco de nossa memória.” Trechos retirados da contra- capa do filme. A direção de Pedro Abib, assistente de direção Marcus Villa e edição de imagens Vinicius Andrade. Salvador. BA. 1999

227 “Capoeiragem na Bahia é o trigésimo terceiro documentário o qual é parte integrante do Projeto de

Mapeamento Cultural e Paisagístico da Bahia, desenvolvido pelo Instituto de Radiodifusão Educativa da Bahia (IRDEB/BA), registros da capoeira (um tipi de dança luta muito popular na Bahia, trazida da África com os escravos, manifestação a qual tem profundas raízes na cultura da Bahia, mas profundamente nostrada pela TV local e cinema até este momento. Com direção, texto e edição de José Humberto, o documentário enfoca um tema controvertido que é a história da origem da capoeira. Uma superposição de características Americo – Afro – Ibérico, sua relação com o candomblé (religião africana) e as tradiçoes de uma dança e luta que se tornou um simbolo do corpo que representa a beleza do gingado baiano. Além disso enfoca-se as mudanças que ocorreram na tradição e o surgimento de novos lideras. Capoeiragem na Bahia mostra raras imagens de duas grandes personalidades da capoeira na Bahia, os Mestres Pastinha e Bimba, que foram retratados nos filmes das décadas de 50 e 60, e foram adaptados para serem exibidos na TV pelo IRDEB; mais a fal do Mestre Artur, da cidade de Nazaré das Farinhas; Nenéu, filho do mestre Bimba; Decâno; João Pequeno: Moraes, César Itapoan; Gil do Alfinete, Januário, todos de Salvador e adjacências. Acordeon, Cobra Mansa e Edna, todos da Bahia, vivem e ensinam capoeira no EUA; o escultor Mário Cravo Neto e o Doutor, ex jogador de capoeira e vice-governador Otto Alencar, falam sobre os trintas anos de preconceitos contra aqueles que jogavam capoeira, perseguidos por praticas capoeira durante o império e a republica jogar ... Texto em inglês traduzido por Maria do Carmo Lopes Castro.

228 O Pulo do Gato – The Cat`s Leap – Copyright 1998 all rights reserved by Mestre João Grande &

Mestre João Pequeno”. O filme é produzido por Jair Moura.

229 È um documentário dirigido por Luiz Fernando Goulart sobre o baiano Manuel dos Reis Machado,

Mestre Bimba, inspirado no livro Mestre Bimba – Corpo de Mandinga, de Muniz Sodré, “conta essa linda e comovente trajetória de vida e mostra a arte e o encantamento da capoeira que Bimba iluminou e que hoje faz com que o Brasil seja admirado em todo o mundo”.

230 “Eles tem entre 7 e 13 anos e já ambicionaram ser mestres de capoeira Angola. Cantam, treinam e

brincam envolvidos por um universo de símbolos e pensamentos que sempre se remete à matriz africana de capoeira. Por meios das reflexões desses pequenos angoleiros, nasce um precioso relato sobre a história da Capoeira Angola, permeado por situações cotidianas que tangem questões como racismo, gênero, identidade e ancestralidade. Este filme foi produzido inicialmente como complemento

outros servem de parâmetro para diagnosticarmos a expansão desse tipo de produção e sua veiculação tanto no âmbito da capoeira como nos meios de comunicação para atender à demanda histórica de querer valorizar a “cultura popular” como tema local, vertente que transforma realidades locais em “folclore-mundo”, sendo consumidas globalmente231.

A utilização de imagem neste universo cultural é uma característica super presente. Geralmente, a ornamentação das academias de capoeira é repleta de fotografias e desenhos que retratam um pouco da memória daquele grupo de capoeira. As exposições fotográficas e exibições de vídeos quase sempre constam na programação dos eventos e, por fim, há uma crescente comercialização de imagens através das revistas especializadas em capoeira e vendidas nas bancas de jornais, pela Internet e no exterior devido a expansão da capoeira em outros países onde as pessoas comercializam essas imagens livremente.

Abrir um capitulo para analisar os filmes em que a capoeira aparece não é uma tarefa muito simples. Exige de nós um certo aprofundamento teórico – metodológico, pois o historiador, ao problematizar suas fontes, precisa cuidadosamente compreender os sentidos que cada gênero de fonte pode lhe oferecer.

Os motivos que me levaram a adentrar neste universo fantástico das imagens em movimento são diversos. O primeiro está relacionado ao próprio período histórico que esta pesquisa abarca, as décadas de 50, 60, 70 e 80. Embora os vetores hegemônicos queiram legitimar a capoeira enquanto uma prática desportiva e folclórica para atender a pujança do turismo, ela aparece também em outro tipo de estética que pode diferenciá-la das abordagens referidas acima, iluminando outros campos de visibilidade, no caso, o cinema. O segundo motivo tem a ver com a nossa inquietação

da tese de Doutoramento de Rosângela Costa de Araújo (mestra Janja) – Faculdade de Educação na Universidade de São Paulo.” Trecho retirado da contra-capa do CDRom.

231 Estou em consonância com Claclini que ao tratar a relação da produção cultural com os novos fluxos

globalizantes diz que “Os processos globalizadores acentuam a interculturalidade moderna quando criam mercados mundiais de bens materiais e de dinheiro, mensagens e migrantes. Os fluxos e as interações que ocorrem nestes processos diminuíram fronteiras e alfândegas, assim como a autonomia das tradições locais, propiciam mais formas de hibridação produtiva, comunicacional e nos estilos de consumo do que no passado. As modalidades classificadas de fusão, derivadas de migrações, intercâmbios comerciais e das políticas de integração educacional impulsionadas por Estados nacionais, acrescentam-se as misturas geradas pelas as indústrias culturais “ CLACLINI, Nestor.

Culturas Híbridas: estratégias para sair e entrar na modernidade. São Paulo: EDUSP, 2003, folha

em saber quais os discursos produzidos nos filmes e quais as implicações da presença dos capoeiristas neste contexto cinematográfico. O terceiro motivo consiste em perceber nos filmes os molejos do corpo-capoeira. Por fim, objetivamos compreender os significados que os produtores tinham da cultura dos capoeiras na época.

Nesse sentido, o propósito neste capitulo consiste em compreender as várias representações simbólicas da capoeira presentes nos filmes: suas tramas e seus discursos, identificando os significados a partir da enunciação232 que os atores e os personagens-capoeirista produzem na imagem em movimento e, ao mesmo tempo, analisar a gestualidade corporal através dos movimentos, percebendo a plasticidade da arte-capoeira na arte do Cinema.

No documento Luis Vitor Castro Junior (páginas 127-130)