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4.1 OS EMPREENDIMENTOS: ESTUDO DE CASOS MÚLTIPLOS

4.1.3 Circo do Capão

A Escola de Circo e Ponto de Cultura Circo do Capão é um espaço de cultura e arte dedicado à formação, criação e difusão das artes circenses, bem como outras linguagens como o Teatro, a Dança, a Música e a Cultura Popular. Criado em 1998 por um casal franco brasileiro, o Circo do Capão tem uma longa história de produção e militância em prol do desenvolvimento cultural e artístico local. As principais atividades desenvolvidas são: escola de circo para crianças e jovens, cursos particulares de técnicas circenses para adultos, espaço de criação e

11 Os moradores do Vale do Capão são caracterizados pela instabilidade, devido à flutuação sazonal, falta de

comprometimento com as atividades engajadas, grande propensão a mudanças de vida (viagens, cursos, retiros espirituais, maternidade, mudança de trabalho, etc.)

treino para artistas locais e de passagem (sob a forma de residência artística) e espaço de difusão de espetáculos circenses, bem como outros eventos como mostras de dança e música.

Nestes quase vinte anos de história, o Circo do Capão conseguiu, com recursos próprios (investimento dos fundadores), a aquisição de um terreno e de uma lona. Em 2002 o circo adquiriu uma lona de dois mastros, aumentando sua capacidade de público e melhorando sua estrutura. Em 2005, adota estatuto jurídico de associação, a Associação Safar Miramas de Artes no Circo, e em 2008 é contemplado pelo edital de “Pontos de Cultura” do Programa Cultura Viva do Ministério da Cultura, tornando-se Ponto de Cultura, o que possibilitou uma estruturação significante em termos de infraestrutura (equipamentos de som, arquibancadas, aparelhos circenses) e também a manutenção da equipe de professores durante os três anos de convênio. Desde então, o circo tem sido contemplado por diversos editais nacionais e estaduais de apoio e fomento às artes circenses. Nestes 8 anos, nos conta a gestora e fundadora, foram uma média de 20 projetos aprovados, o que corresponde a mais de dois projetos ao ano. É claro que estes números podem ser ponderados, na medida em que os financiamentos via editais dizem respeito ao apoio econômico a atividades específicas, não atendendo necessariamente aos gastos anuais do empreendimento. Por outro lado, vale lembrar que assim como no caso do Espaço Imaginário, o repasse dos recursos não é obtido de maneira continuada, deixando, muitas vezes, longos períodos sem recursos disponíveis.

Os projetos realizados são focados, em sua maioria, na formação continuada em artes circenses voltada para o público de crianças e jovens do Vale do Capão, ou produção e circulação de espetáculos circenses. O financiamento público vem dar uma segurança ao pagamento da equipe de professores, coordenação pedagógica e manutenção do espaço, visto que o recurso gerado pelas mensalidades não é suficiente para arcar com essas despesas. Outros projetos tiveram como foco a infraestrutura, como a aquisição de uma lona nova em 2012, ou ainda a realização de eventos multilinguagem, como o Circuito Cultural em 2011.

Para além destes apoios financeiros via editais, o Circo do Capão sempre desenvolveu mecanismos de troca não monetária, seja para pagamento de mensalidade de alguns alunos, seja para equipamentos, hospedagem, alimentação, etc. A construção de parcerias locais, nacionais e internacionais também é outro ponto de extrema importância para o projeto. A própria origem do Circo do Capão está ligada às parcerias firmadas com a escola de circo Picolino (Salvador) que ofereceu, durante anos, oficinas de circo no Capão (que deram origem ao Circo do Capão); companhias circenses francesas que forneceram materiais e qualificação; pousadas e

restaurantes locais que sempre apoiaram com hospedagem e alimentação para os artistas e eventos realizados. Assim, a história do Circo do Capão é uma história de trocas e parcerias.

Apesar desta trajetória de conquistas, o Circo do Capão sempre enfrentou grandes dificuldades em se manter financeiramente. Os projetos aprovados são financiamentos pontuais destinados à execução de atividades específicas, que proporcionam um certo fôlego, mas não necessariamente a sustentabilidade econômica da estrutura. Atualmente, assim como em 2012, quando foi realizado o relatório sobre a entidade12, o circo passa por grandes dificuldades, não tendo no momento nenhuma fonte de financiamento externo e sem recursos próprios para se manter. Algumas atividades ainda acontecem, como as aulas de circo para crianças e jovens, bem como as aulas particulares para adultos, mas os gestores declaram não ter mais energia para investir na estrutura, que custa caro e não dá retorno financeiro. As relações com os parceiros locais se encontram desgastadas; algumas entidades parceiras locais (associativas e privadas) responsabilizam a falta de gestão do Circo, enquanto os gestores do circo atribuem o desgaste à grande concorrência com outras iniciativas culturais que também solicitam apoio localmente.

Ao longo da sua história, o Circo conheceu períodos de forte adesão do público local. Nos tempos iniciais da Escola, a grande maioria dos jovens e crianças da comunidade faziam aulas de circo. Com o passar dos anos essa adesão foi diminuindo. Os gestores atribuem esse cenário ao fato de o Vale do Capão ter, atualmente, um grande número de oferta de atividades (dança, música, etc.). No início de 2016, o Circo ameaçou fechar as turmas, alegando não ter dinheiro para pagar os professores necessários. Logo, uma campanha de mobilização dos pais foi realizada, com o intuito de trazer as famílias como parceiros corresponsáveis pela continuidade das aulas, evitando a inadimplência, problema recorrente desde a criação da escola. Nos primeiros meses, esta iniciativa trouxe bons resultados e permitiu que os professores fossem remunerados pelas aulas, porém, com o passar do tempo, o problema da inadimplência voltou e as relações entre gestores e pais e gestores e professores começaram a se desgastar.

É importante salientar que o quadro de professores da escola de Circo do Capão, assim como a pequena companhia circense, é composto, em sua maioria, por jovens adultos iniciados e formados na própria escola, passando de alunos a monitores e, em seguida, instrutores. Ou seja, apesar das dificuldades e descontinuidades do projeto, o Circo está na sua segunda geração

12Pesquisa realizada pela pesquisadora para trabalho de mestrado em Desenvolvimento de Projetos artísticos e

de monitores, o que demonstra um certo grau de adesão da comunidade local ao projeto e êxito na formação de multiplicadores.

No que diz respeito ao aspecto organizacional, a entidade conta atualmente13 com uma equipe de cinco professores, dois monitores e uma coordenadora pedagógica e gestora. Estas funções não são fixas, variam de acordo com as necessidades do circo e ofertas de pessoas disponíveis. Assim, o quadro de professores pode mudar a depender da disponibilidade dos instrutores e quantidade de demanda do circo, ou o papel do capataz14, que pode ser assumido durante um certo período por algum viajante que esteja de passagem pelo Capão e que em troca de hospedagem exerça essa função (neste momento não há nenhuma pessoa nesse cargo). Essa flexibilidade não é válida para os cargos de diretores, assumidos pelo casal de fundadores, que exercem também as funções de professor e de coordenação e gestão. O Circo possui sede própria e estatuto jurídico associativo. Este último é vivenciado mais como uma condição para concorrer a editais, não havendo de fato uma vida associativa (reuniões, eleição, controle social, discussão e planejamento das atividades, etc.) dentro da estrutura.

Quando interrogados sobre o funcionamento da associação enquanto espaço de construção política e planejamento estratégico participativo para o empreendimento, a gestora e co-fundadora alegou que a ideia é interessante, mas que ao longo dos anos percebeu que nem a equipe de professores e monitores nem os próprios pais (público alvo), se interessaram em contribuir e participar dessa construção. A questão da falta de mobilização dos pais de alunos para manter as atividades da Escola durante o ano de 2016 é apresentada como ilustração de que estes não se posicionam mais como parceiros da entidade e não se mostram, em regra geral, interessados em integrar a associação.

A falta de financiamentos em 2016, aliada a perda de alunos, a desmobilização dos pais e a diminuição da adesão da comunidade local às atividades e eventos propostos, levam os diretores a repensarem sobre o sentido e as estratégias de continuidade do Projeto. Segundo a gestora, “é hora de se tornar itinerante”, buscar outras praças, outros públicos que deem mais valor à arte ofertada”. Para ela, o Capão possui uma crescente e intensa oferta de atividades culturais, que acabam se tornando “concorrentes”, o que não é necessariamente negativo, mas que demanda à Escola um novo posicionamento diante da comunidade e de seu projeto a médio e longo prazo. No momento em que este capítulo está sendo escrito, acabamos de receber a boa

13 Em momentos de maior atividade e projetos aprovados o número de integrante da equipe já foi maior. 14 Capataz de circo: responsável por montar, desmontar e cuidar da manutenção da estrutura do circo

notícia que o Circo conseguiu aprovar dois projetos nos editais da Secretaria Estadual de Cultura da Bahia, um novo fôlego em meio a este contexto.