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Escola de Música do Vale do Capão Centro Gravitacional Musical

4.1 OS EMPREENDIMENTOS: ESTUDO DE CASOS MÚLTIPLOS

4.1.2 Escola de Música do Vale do Capão Centro Gravitacional Musical

O Vale do Capão é um povoado com uma população estimada de duas mil pessoas (sendo que a metade seriam pessoas de outras localidades, que elegeram o povoado para estabelecer moradia), localizado no município de Palmeiras, na Chapada Diamantina. Desde os anos 80, o Vale do Capão vem recebendo pessoas do mundo inteiro e de diversos estados brasileiros, que aos poucos decidiram ali se instalar. Nos últimos seis anos, este processo tem se intensificado, pois muitas pessoas que estão em busca de outro modo de vida deixam as capitais e vão se refugiar junto à natureza. Dentre esta população, muitos são artistas ou profissionais da cultura (artistas, designers, fotógrafos, gestores, produtores, etc.), tornando o pequeno povoado uma grande referência na produção cultural do interior baiano.

É neste cenário que surgem alguns grupos culturais organizados como a Escola de Música Centro Gravitacional Musical, uma proposta de escola de música para a comunidade rural do Vale do Capão. Criada em 2010 a partir do encontro de dois músicos residentes na localidade, um brasileiro e um italiano, a escola oferece, desde então, aulas coletivas de música para a comunidade. É importante frisar que os professores envolvidos na proposta da Escola oferecem aulas particulares, porém estas não são “contabilizadas” como atividades da Escola,

somente as aulas coletivas (método elaborado pelos fundadores) são consideradas atividades do Centro Gravitacional. Para além desta atividade principal, a escola criou o bloco de carnaval “Bloco da União”, que há cinco anos reúne alunos, amigos e visitantes num cortejo carnavalesco, compondo a programação do carnaval do Capão.

Um dos fundadores conta que as aulas foram inicialmente ministradas no espaço do Circo do Capão. Durante este período, muitos alunos não podiam arcar com as mensalidades e por isso estabeleceram-se estratégias de troca de hora de trabalho: em troca das aulas de música, alguns alunos forneceram mão de obra na construção da casa do maestro. Esta prática de troca não monetária perdura até os dias atuais, porém de forma pontual com algumas pessoas que realmente não podem arcar com as mensalidades. Após o espaço do Circo, a escola migrou para o salão comunitário da Vila do Capão e em seguida para o prédio escolar Rufino Rocha, que está abandonado pelo poder público há décadas e é ocupado pela Escola de Música e dois grupos de capoeira. Assim, o Centro Gravitacional Musical não possui sede própria, utilizando espaços ociosos da comunidade.

A escola de música nunca obteve financiamento externo. Desde o início, o motor deste “sonho” foi a vontade de fazer e ensinar música. Vale ressaltar que durante dois anos a pesquisadora contribuiu profissionalmente com um dos fundadores da escola, e que neste período, dois projetos foram financiados via edital público, beneficiando indiretamente o Centro Gravitacional Musical, oficialmente tido como proponente dos projetos. Ou seja, para os órgãos financiadores, a escola de música era a responsável pelas propostas. Após estas experiências (2013 e 2014) não houve mais financiamentos via editais. Os instrumentos utilizados foram, em sua maioria, adquiridos com recursos próprios dos professores ou por doações.

Ao longo dos anos, a Escola de Música construiu algumas parcerias imprescindíveis para a permanência do projeto, como a parceria com professores da Escola de Música da Universidade Federal da Bahia (UFBA), que há quatro anos organiza ACC’s9 no Vale do Capão. As oficinas organizadas pela Escola de Música da UFBA são voltadas para o Centro Gravitacional e para a comunidade como um todo, gerando, durante dois dias, intercâmbio artístico e cultural. Por outro lado, elas permitem aos alunos da capital uma vivência de ensino

9 Atividade Curricular em Comunidade dos alunos da Escola de Música da Universidade Federal da Bahia,

atividade de oficinas de músicas e show durante quatro dias, que servem para avaliar os alunos universitários, bem como oferecer capacitação e intercâmbio musical com os músicos do Vale do Capão.

e aprendizagem diferenciada. Esta parceria fortalece os laços do Centro Gravitacional com a institucionalidade acadêmica e legitima ainda mais sua existência.

Em entrevistas, os gestores revelam que no início a Escola contava com mais parceiros, como o Circo do Capão e a comunidade (Salão Comunitário onde ocorriam as aulas), cedendo espaços para as aulas. A comunidade, notadamente os “nativos”10, participavam em maior

proporção das aulas, pois o valor cobrado era irrisório ou inexistente. A partir do momento em que os valores praticados passaram a ser um pouco mais condizentes com toda carga horária ofertada, mesmo que permanecendo ainda baixos se comparados com os valores praticados no mercado cultural ou no próprio mercado local, muitos alunos deixaram de frequentar as aulas. A Escola não participa de nenhuma instância de controle social como conselhos ou colegiados.

Apesar de pontuarem a precariedade em termos de infraestrutura e gestão, os dois fundadores ressaltaram o fato de a Escola de Música ter sido o berço da criação de alguns grupos musicais que hoje compõem a cena local. Ao menos três grupos musicais, Mundarejo, Perfume Cigano e GIC, nasceram do encontro de artistas dentro das aulas e vivências oferecidas na escola. Para os fundadores, este já seria um dos aspectos a serem levados em conta na reflexão sobre a sustentabilidade da iniciativa. Interrogados sobre o surgimento de uma nova escola de música há três anos na comunidade, ambos os fundadores dizem que a relação entre as entidades é de cooperação e não de competição, que os programas didáticos são complementares, mas dizem que as parcerias e redes poderiam ser mais fortes e efetivas.

Do ponto de vista da organização interna, a equipe é formada por dois professores de Música (contando pontualmente com a participação de mais professores a depender das parcerias feitas) que ministram as aulas e cuidam da parte de planejamento pedagógico e coordenação geral. A comunicação é assumida de forma voluntária pelas esposas dos professores e o secretariado (relativo principalmente ao pagamento das mensalidades) é gerenciado por uma das alunas em troca das aulas de música. A Escola não possui sede própria, utilizando um espaço ocioso da comunidade, mas que se encontra em condições precárias (sem banheiro, telhado, pisos e paredes danificadas, etc.). Juridicamente, a escola não possui formalização, utilizando o MEI de seu fundador quando necessário.

Sem muita estrutura física, jurídica e organizacional, a escola encontra dificuldades em manter suas atividades e sustentar financeiramente sua equipe. Em entrevista, um dos

10 Como são chamadas aquelas famílias que residem há gerações no Vale, em contraposição aos “de fora” ou

fundadores, que atualmente se afastou da gestão da escola, ressalta a falta de planejamento e de visão de futuro deste “sonho”, o que ele identifica como uma das causas do desgaste e das dificuldades no funcionamento do projeto (escola).

Atualmente a escola conta com uma dezena de alunos e interrompeu as aulas durante um semestre para a reformulação do projeto acadêmico. Segundo o gestor que está mais a frente atualmente, a atual estratégia é reformular o currículo, oferecendo um curso de música com carga horária e resultados parecidos com cursos de especialização universitários. Quando questionados sobre o número reduzido de alunos, os fundadores têm versões um pouco diferentes. Para o ex-gestor, há vários motivos: grande instabilidade do público11, falta de um projeto a longo prazo e de uma gestão elaborada, criação de uma nova escola de música “concorrente”, pouca capacidade de trabalhar em rede. Para o gestor que está assumindo atualmente a liderança da Escola, essa mesma média de público persiste há anos, mas explica a dificuldade em se atrair mais alunos associando-a ao tipo de relação que as pessoas da comunidade nutrem com o excesso de oferta de diversos serviços culturais existentes, o que resulta na instabilidade do público.

Uma semana tem oficina de uma “super” cantora afro-cubana que está de passagem, na semana seguinte tem curso de massagem ayurveda ou de dança sagrada... E por aí vai, a pessoa chega aqui e quer fazer tudo, vai consumindo tudo e não consegue absorver tudo isso...