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6. SÉRGIO MATOS E OS ARTESÃOS DE BARCELOS (AM)

6.4 A circulação do artesanato indígena

Questionado sobre a circulação da primeira coleção, Sérgio Matos diz que as peças foram pensadas para serem apresentadas em 2015, na Paralela Gift em São Paulo, feira anual de design autoral, alta decoração e artesanato contemporâneo no Parque Ibirapuera (SÉRGIO MATOS em entrevista ao autor, 2019).

A Associação Zagaia Amazônia8 atuou junto com Sebrae Amazonas a partir de

convênio firmado entre as duas partes para articulação comercial e venda dos produtos na feira. A associação selecionou as melhores peças para o evento, e sua atuação envolveu o trâmite logístico de trazer os produtos até a capital do Estado (ASSOCIAÇÃO ZAGAIA AMAZÔNIA, 2019b). Nessa ocasião, a Dinalva Campos, coordenadora dos artesãos, foi à feira para representar o NACIB (Figura 13). A coordenadora do projeto Lílian Simons do Sebrae-AM também esteve presente.

Figura 13. Lílian, Dinalva e artesão no lançamento da coleção na Paralela Gift

Fonte: Associação Amazônia Zagaia. Disponível em: <https://www.amazonzagaia.com.br/projetos>. Acesso em: 27 de jun. 2019.

8 A Zagaia Amazônia é uma associação sem fins lucrativos que desenvolve projetos em economia

Sérgio afirma que o ideal é lançar os produtos num lugar que atinja grande público, como feiras de design e decoração, o que gera um retorno financeiro imediato. Lançar numa exposição ou loja chique só é interessante se os produtos forem comprados. “Pode ser importante para dar visibilidade, mas o foco do projeto é mercado” (SÉRGIO MATOS em entrevista ao autor, 2019). Por esse motivo, foi escolhida a Paralela Gift. Na época, o artesanato foi divulgado em revistas nacionais de grande circulação, como Casa Claudia, Casa Jardim e Casa Vogue.

Na feira, o grupo conseguiu fechar um grande pedido com a Artefacto – rede paulista de lojas de mobiliário e decoração de alto padrão.

Durante um ano eles produziam só para a Artefacto essas peças. E era um volume grande, era esse pedido de R$ 80 mil, que aí foi reduzido e a Artefacto comprou novamente algumas vezes. E agora eles tão comercializando com o pessoal da Rima Casa [...] E como eles tavam com esses produtos comprometidos, a gente desenvolveu uma segunda coleção, que é essa coleção chamada Buriti (SÉRGIO MATOS em entrevista ao autor, 2019).

O NACIB produziu por um ano as peças da coleção Vitória-régia exclusivamente para a Artefacto (Figura 14) devido ao volume da encomenda. Não houve um contrato exigindo exclusividade de produção para a rede de lojas, então, depois de atender a esse pedido, os artesãos passaram a vender para outras lojas. Segundo o designer, em São Paulo, o artesanato foi comercializado também na Dpot Objetos, Artiz e Fuchic (SÉRGIO MATOS em entrevista ao autor, 2019).

Como a primeira coleção foi comercializada por uma rede com várias lojas no Brasil, o Sebrae sugeriu produzir uma segunda coleção. Em 2017, Matos retornou à Barcelos e desenvolveu a coleção Buriti (Figura 15). Assim como a primeira coleção, a Buriti é composta de peças grandes destinadas ao interior da casa, com cestos, fruteiras e vasos. A matéria-prima e a técnica de produção são as mesmas. O que difere é a configuração formal dos artefatos inspirados no buritizeiro (palmeira de origem amazônica).

Figura 14. Post de divulgação do produto no Instagram da Artefacto

Fonte: Artefacto. Disponível em: <https://www.instagram.com/p/BMYsUnxB2pK/>. Acesso em: 04 jul. 2019

Figura 15. Artesã com o vaso da coleção Buriti

Fonte: Sérgio Matos. Disponível em: <http://sergiojmatos.blogspot.com/2017/05/territorio- sagrado.html>. Acesso em: 20 ago. 2019

Nesse caso, a Rima Casa, marca paulista fundada em 2018, que comercializa objetos de decoração artesanal com desenho autoral para lojistas, fez um grande pedido para a comunidade, tanto da coleção Vitória-régia quanto da Buriti. Os artesãos novamente produziram exclusivamente devido ao volume da encomenda (SÉRGIO MATOS em entrevista ao autor, 2019). A Rima Casa é o novo agente na cadeia de circulação do artesanato dos artesãos, uma vez que compra do grupo e vende para lojistas. A marca reúne vários produtores de artesanato do Amazonas e Tocantins.

Na plataforma online Issuu, é possível visualizar o catálogo da Rima Casa (Figura 16) e os respectivos preços dos produtos. Já nas primeiras páginas, constam a foto do Sérgio Matos e um texto apresentando o designer e a coleção. Não existem fotos e não são apresentados os grupos de artesãos que confeccionam as peças, há simplesmente um apagamento da imagem deles, e o foco recai sobre o designer consultor.

Figura 16. Catálogo da Rima Casa

Fonte: Rima Casa. Disponível em: <https://issuu.com/cecilia6917/docs/id_rima_casa>. Acesso em: 04 jul. 2019.

Em agosto de 2018, a Rima Casa apresentou os produtos na feira High Design Expo (Figura 17) em São Paulo – feira de negócios exclusiva para revendedores, arquitetos, designers e demais profissionais da área. Como estratégia de divulgação, a empresa trouxe a coordenadora Dinalva e o designer para um bate-papo sobre o artesanato.

Figura 17. Artesanato do NACIB na High Design Expo

Fonte: Rima Casa. Disponível em: <https://my.matterport.com/show/?m=SiYtGVqXjxB>. Acesso em: 04 jul. 2019

Em abril de 2019, a marca, juntamente com a Apex-Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos e o Consulado-Geral do Brasil, levou o artesanato da comunidade para a mostra Brazil: Essentiality Diverse, na Itália, durante a Semana de Design de Milão. Essa estratégia foi adotada para vender os produtos no mercado internacional. Segundo o designer, “isso é uma tática de mercado da Rima, que tá comercializando as peças delas. A Rima quer atingir o mercado europeu, foi uma oportunidade pra eles” (SÉRGIO MATOS em entrevista ao autor, 2019).

Em agosto de 2019, a Westwing – loja de decoração e design que trabalha com campanhas temáticas em seu e-commerce – lançou uma campanha intitulada “Marcelo Rosenbaum & Sérgio Matos” em parceria com a Rima Casa, cujos produtos foram ofertados pela marca (Figura 18). Assim como o catálogo da Rima Casa, no site da campanha, houve a valorização dos designers, com fotos e textos sobre eles. O próprio nome da campanha já revela a apropriação das imagens dos profissionais para a comercialização. Em nenhum momento, os artesãos são citados como os

detentores do saber-fazer e produtores das peças, ao contrário, há o completo apagamento de suas imagens.

Figura 18. Fruteira comercializada na loja virtual Westwing

Fonte: Westwing. Disponível em: <https://www.westwing.com.br/fruteira-petalas-piacava-d-marrom- 63cm-3098333.html?c=os-nomes-da-vez>. Acesso em: 13 ago. 2019.

Outro fator importante que aumenta a circulação e a comercialização do artesanato é o uso das redes sociais. Sérgio Matos publica com frequência em seu Instagram e Facebook as fotos das coleções que desenvolveu para a comunidade. Segundo o designer, muitos lojistas entram em contato via redes sociais querendo comprar. Ele encaminha o telefone dos artesãos para fazer o pedido, uma vez que ele próprio não as comercializa.

A gente tem uma jornalista que escreve os textos, a respeito desses projetos, e as fotos [...] sou eu que faço e, bom, isso ajuda bastante na divulgação das peças. Até mesmo antes de a gente lançar as peças, as meninas já tinham pedido de produtos; já aconteceu algumas vezes isso. De eu estar dentro da consultoria, fazer uma foto, colocar um texto, e antes de lançar o produto elas já tinham gente interessada em comprar (SÉRGIO MATOS em entrevista ao autor, 2019).

Um dos problemas enfrentado pela comunidade é a logística no Amazonas, uma vez que as distâncias são enormes e falta infraestrutura para promover uma melhor

distribuição dos produtos. “Uma coisa que facilita pra eles são Correios, eles despacham as mercadorias deles pelos Correios. Se é um volume maior manda pra Manaus e de lá despacha para uma transportadora” (SÉRGIO MATOS em entrevista ao autor, 2019).

De acordo com Matos, depois do projeto muitas coisas mudaram na vida dos artesãos, “a maioria hoje tem uma vida mais digna. Não precisa trocar artesanato por comida, não precisa trocar artesanato por roupa”. Com o dinheiro adquirido da venda, alguns compraram moto e televisão, por exemplo. Além da questão financeira, houve uma mudança de mentalidade. “Eles são totalmente empreendedores, conseguem enxergar mercado, conseguem entender o que o mercado quer, qualidade que esse mercado exige, tudo isso eles entendem já” (SÉRGIO MATOS em entrevista ao autor, 2019).