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(1)UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE ANDRÉ LUIZ FRONZA. O DESIGNER COMO MEDIADOR CULTURAL NA RESSIGNIFICAÇÃO E CIRCULAÇÃO DO ARTESANATO DE COMUNIDADES TRADICIONAIS. São Paulo 2019.

(2) ANDRÉ LUIZ FRONZA. O DESIGNER COMO MEDIADOR CULTURAL NA RESSIGNIFICAÇÃO E CIRCULAÇÃO DO ARTESANATO DE COMUNIDADES TRADICIONAIS. Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em Educação, Arte e História da Cultura da Universidade Presbiteriana Mackenzie, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Educação, Arte e História da Cultura.. ORIENTADORA: Profª. Drª. Regina Lara Silveira Mello. São Paulo 2019.

(3) F936d. Fronza, André Luiz. O designer como mediador cultural na ressignificação e circulação do artesanato de comunidades tradicionais / André Luiz Fronza. 182 f. : il. ; 30 cm Dissertação (Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura) – Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2019. Orientadora: Regina Lara Silveira Mello. Referências bibliográficas: f. 174-178. 1. Design. 2. Artesanato. 3. Ressignificação. 4. Circulação. 5. Mediação cultural. 6. Território. I. Mello, Regina Lara Silveira, orientadora. II. Título. CDD 745.50981 Bibliotecária Responsável: Andrea Alves de Andrade - CRB 8/9204.

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(5) AGRADECIMENTOS. À minha família, principalmente à minha mãe Edmara e ao meu pai Irineu, pelo incentivo, apoio e dedicação. Sem vocês eu jamais teria chegado aqui;. À minha orientadora Profª. Drª. Regina Lara Silveira Mello, pela paciência e confiança durante todo esse percurso, mesmo em momentos difíceis;. Aos professores doutores que gentilmente aceitaram o convite para participar da banca examinadora: Cibele Haddad Taralli e Ivo Eduardo Roman Pons;. Aos artesãos e entrevistados Eliane Guglielme, Paula Dib, Renato Imbroisi e Sérgio Matos, pela colaboração, confiança e comprometimento;. À Universidade Presbiteriana Mackenzie e aos professores do programa de Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura, pela contribuição para o meu amadurecimento acadêmico;. Ao Centro Cultural de São Paulo, pelo rico acervo bibliográfico que auxiliou na construção desta pesquisa – minha segunda casa para estudar e escrever;. Aos meus amigos Anna, Carlos, Fernanda, Larissa, Laura, Husney e Paulinha. Obrigada pelos encontros, festas, conversas, risadas e carinho. Com vocês, o caminho se tornou mais leve..

(6) Djanira da Motta e Silva Cesteiro nº 2, 1957-58 Óleo sobre tela Coleção Vera Moreira da Costa, São Paulo. O artesanato não quer durar milênios nem está possuído da pressa de morrer logo. Transcorre com os dias, flui conosco, desgasta-se pouco a pouco, não busca a morte nem a nega: aceita-a. Entre o tempo sem tempo do museu e o tempo acelerado da técnica, o artesanato é a palpitação do tempo humano. É um objeto útil, mas também belo; um objeto que dura, mas que acaba e se resigna a acabar; um objeto que não é único, como a obra de arte, e que se pode substituir por outro objeto parecido mas não idêntico. O artesanato nos ensina a morrer e, assim, nos ensina a viver (Octavio Paz)..

(7) RESUMO. Observa-se no Brasil o desenvolvimento de projetos em que designers são contratados, via instituições governamentais ou privadas, para prestar consultoria a grupos de artesãos em comunidades tradicionais, com o objetivo de promover sua autonomia e o desenvolvimento socioeconômico local. Neste contexto, foi analisada a circulação do artesanato de uso doméstico na cidade de São Paulo, que foi reconfigurado e ressignificado a partir da mediação cultural do designer. A pesquisa foi bibliográfica, seguida de investigação qualitativa de caráter descritivo, com mapeamento dos designers, observação de pontos de venda dos produtos, e seleção de três projetos que envolveram designers e artesãos de comunidades tradicionais: indígenas, sertanejos e caiçaras. Optou-se pela análise comparativa dos casos para atingir o objetivo da pesquisa. Para entender as relações entre design, artesanato, cultura e território, utilizou-se como base os teóricos Bonsiepe, Magalhães, Borges e Krucken. Para analisar a reconfiguração dos aspectos estético-formais do artesanato, Gomes Filho, e para a circulação, Canclini, Lauer, Santos e Appadurai. Nos três casos estudados notou-se que as técnicas tradicionais de produção e matérias-primas foram mantidas, e novas foram inseridas pelos designers, integrando elementos simbólicos formais que se referem ao território de origem da produção. Ao compreender a circulação comercial deste artesanato, percebeu-se que os intermediários e o mercado controlam a distribuição e venda, operando transformações e deslocamentos de territórios que, somados a reconfiguração dos aspectos estético-formais do artesanato, promovem a sua ressignificação, mantendo poucos produtos expostos em lojas e feiras de decoração para manter a exclusividade e praticamente elevar o artesanato ao status de arte.. Palavras-chave: Design. Artesanato. Ressignificação. Circulação. Mediação cultural. Território..

(8) ABSTRACT It’s observed in Brazil the development of projects in which designers are hired, through government or private institutions, to provide consultancy to groups of artisans in traditional communities, with the objective of promoting their autonomy and the local socioeconomic development. In this context, the circulation of handicrafts for domestic use in the city of São Paulo was analyzed, which was reconfigured and reframed based on the designer's cultural mediation. The research was bibliographic, followed by qualitative research of a descriptive character, with mapping of the designers, observation of points of sale of the products, and selection of three projects that involved designers and artisans from traditional communities: indigenous, sertanejos and caiçaras. We opted for comparative analysis of cases to achieve the research objective. To understand the relationships between design, crafts, culture and territory, the theorists Bonsiepe, Magalhães, Borges and Krucken were used as a basis. To analyze the reconfiguration of the aesthetic-formal aspects of handicrafts, Gomes Filho, and for circulation, Canclini, Lauer, Santos and Appadurai. In the three cases studied, it was noted that the traditional techniques of production and raw materials were maintained, and new ones were inserted by the designers, integrating formal symbolic elements that refer to the territory of origin of the production. When understanding the commercial circulation of this handicraft, it was noticed that the intermediaries and the market control the distribution and sale, operating transformations and displacements of territories that, added to the reconfiguration of the aesthetic-formal aspects of handicrafts, promote their resignification, keeping few products displayed in stores and decoration fairs to maintain exclusivity and practically elevate handicrafts to the status of art.. Keywords: Design. Crafts. Reframing. Circulation. Cultural mediation. Territory..

(9) LISTA DE SIGLAS ACEMAI AJJ AMJ ARTESOL ASIBA CEART CETESB CNRC CRAB EEJI ESDI FAAP FIESP IBGE IPHAN MÃOS MASP MDIC NACIB ONG OSCIP PAB SCS SEBRAE SEMPE SENAC SENAR AR/DF UFB UFCG UFOP UFPE UFRG. Associação Comunitária das Mulheres Artesãs de Itaiçaba Associação dos Jovens da Jureia Associação dos Moradores da Jureia Artesanato Solidário (OSCIP) Associação Indígena de Barcelos Centro de Artesanato do Ceará Companhia Ambiental do Estado de São Paulo Centro Nacional de Referência Cultural Centro de Referência do Artesanato Brasileiro Estação Ecológica da Jureia-Itatins Escola Superior de Desenho Industrial Fundação Armando Álvares Penteado Federação das Indústrias do Estado de São Paulo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional Movimento de Artesãs e Ofícios Museu de Arte de São Paulo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior Núcleo de Arte e Cultura Indígena de Barcelos Organização Não Governamental Organização da Sociedade Civil de Interesse Público Programa Brasileiro de Artesanato Secretaria de Comércio e Serviços do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas Secretaria Especial da Micro e Pequena Empresa Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial Serviço Nacional de Aprendizagem Rural - Administração Regional Distrito Federal Universidade Federal da Bahia Universidade Federal de Campina Grande Universidade Federal de Ouro Preto Universidade Federal de Pernambuco Universidade Federal do Rio Grande do Sul. LISTA DE QUADROS 01. Designers que atuaram com artesãos .............................................................. 42 02. Comparação das matérias-primas e técnicas ............................................... 120.

(10) 03. Artefatos produzidos antes e depois dos projetos .......................................... 123. LISTA DE FIGURAS 01. 02. 03. 04. 05. 06. 07. 08. 09. 10. 11. 12. 13. 14. 15. 16. 17. 18. 19. 20. 21. 22. 23. 24. 25. 26. 27. 28. 29. 30. 31. 32. 33. 34. 35. 36. 37.. Aloísio Magalhães ............................................................................................. 25 Lina Bo Bardi ..................................................................................................... 26 Janete Costa ..................................................................................................... 27 Artesanatos que foram reconfigurados por designers na loja Artiz ................... 46 Artesanatos que foram reconfigurados por designers na loja Dpot Objetos ..... 47 Artesanatos na exposição A CASA AMA Carnaúba .......................................... 49 Sérgio Matos ..................................................................................................... 54 Localização de Barcelos (AM) ........................................................................... 55 Artesanato produzido pelo NACIB ..................................................................... 56 Artesãs do NACIB, Sérgio e Lílian na Fenearte de 2018 .................................. 58 Artesãos do NACIB ........................................................................................... 59 Artesãs do NACIB com os produtos da primeira coleção .................................. 62 Lílian, Dinalva e artesão no lançamento da coleção na Paralela Gift ................ 63 Post de divulgação do produto no Instagram da Artefacto ................................ 65 Artesã com o vaso da coleção Buriti ................................................................. 65 Catálogo da Rima Casa .................................................................................... 66 Artesanato do NACIB na High Design Expo ...................................................... 67 Fruteira comercializada na loja virtual Westwing ............................................... 68 Renato Imbroisi ................................................................................................. 70 João Gomes ...................................................................................................... 72 Liana Bloisi ........................................................................................................ 72 Tina Moura e Lui Lo Pumo ................................................................................ 73 Cris Barretto ...................................................................................................... 73 Localização de Jaguaruana, Itaiçaba e Palhano (CE) ....................................... 75 Artesã de Sítio Volta, Jaguaruana, produzindo chapéu de palha ....................... 76 Exposição A CASA AMA Carnaúba .................................................................. 78 Chapéus produzidos por artesãos de Jaguaruana ............................................ 79 Artesãs de Palhano na feira .............................................................................. 80 Artesãs com palha tingida ................................................................................. 82 Bolsa de Sítio Volta e Sítio Caiçara com borracha no trançado ........................ 83 Cestos e fruteiras de Santa Luzia ..................................................................... 84 Pufe e mesa de Palhano ................................................................................... 84 Luminária de Itaiçaba ........................................................................................ 85 Banquinhos em forma de jegue e bode ............................................................. 87 Loja do museu A CASA ..................................................................................... 92 Mesa Palhano na exposição Brazil: Essentiality Diverse .................................. 93 Paula Dib ........................................................................................................... 97.

(11) 38. 39. 40. 41. 42. 43. 44. 45. 46. 47. 48. 49. 50. 51. 52. 53. 54. 55. 56. 57. 58. 59. 60. 61. 62. 63. 64. 65. 66. 67. 68. 69. 70. 71. 72. 73. 74. 75. 76. 77. 78. 79.. Renata Mendes ................................................................................................. 99 Localização de Iguape (SP) ............................................................................ 100 Moradia caiçara ............................................................................................... 101 Concha caiçara ............................................................................................... 102 Paula Dib com as artesãs e seus filhos ........................................................... 104 Artesanato produzido antes do projeto ............................................................ 106 Colheres de madeira ....................................................................................... 108 Artesãs na 22ª Craft Design em São Paulo ..................................................... 111 Artesãs Glória, Zeli, Vica, Dalva e Adriana no museu A CASA ....................... 112 Paula Dib e as artesãs Dalva e Glória na feira Mercado Manual .................... 114 Print da página Rede Artesol ........................................................................... 115 Colheres comercializadas no Studio Drê Magalhães ...................................... 116 Brinco Flora Caiçara ........................................................................................ 117 Marceneiro Eugenival com as bases das mesas ............................................ 121 Editorial “Em busca do calor” da revista Casa Claudia .................................... 124 Cesto e banquinhos produzidos em Itaiçaba e Palhano ................................. 125 Artesanato da Jureia (SP) ............................................................................... 126 Artesanato de Barcelos (AM) .......................................................................... 128 Vitória-régia e as peças criadas ...................................................................... 129 Fruto buriti no cacho e peça criada ................................................................. 130 Artesanato produzido antes e depois da ação das designers ......................... 131 Bolsa de palha de carnaúba e borracha .......................................................... 132 Formas do artesanato tradicional e ressignificado .......................................... 133 Artesanato do Baixo do Jaguaribe (CE) .......................................................... 134 Meios de circulação do artesanato de acordo com o objetivo ......................... 141 Mapa de São Paulo com os pontos de venda do artesanato dos projetos ...... 143 Cestos na loja Depósito Kariri ......................................................................... 145 Colheres da Criqué Caiçara expostas na loja Dpot Objetos ............................ 145 Mapa de São Paulo com lojas que comercializam artesanato ........................ 146 Bolsa produzida em Barcelos na vitrine da loja Arte Tribal ............................. 147 Pulseira do NACIB na loja do MASP ............................................................... 148 Bolsas produzidas em Palhano nas lojas Projeto Terra e Cestaria Régio ....... 149 Etiqueta dos produtos Criqué Caiçara ............................................................. 151 Etiqueta dos produtos A CASA AMA Carnaúba .............................................. 151 Perfil da Criqué Caiçara no site Elo7 ............................................................... 153 Trajetórias do artesanato no meio físico e digital ............................................ 155 Preços da fruteira em distintas trajetórias ....................................................... 157 Artesanato do NACIB na feira Abup Home e Gift de 2019 .............................. 159 Artesanato do NACIB no 13º Salão do Artesanato em SP .............................. 160 Tamanho dos pufes em relação às artesãs ..................................................... 162 Pufe com tamanho adaptado por artesã de Palhano (CE) .............................. 163 Mudanças de função do artesanato ................................................................ 165.

(12) SUMÁRIO RESUMO .................................................................................................................. 06 LISTA DE SIGLAS ................................................................................................... 08 LISTA DE QUADROS .............................................................................................. 08 LISTA DE FIGURAS ................................................................................................ 09 SUMÁRIO ................................................................................................................. 11 1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS ............................................................................... 13 2. ENCONTROS E DESENCONTROS ENTRE DESIGN E ARTESANATO ............ 19 3. DESIGN + ARTESANATO: ESTÍMULO À DINAMIZAÇÃO CULTURAL .............. 28 4. CIRCULAÇÃO: O DESLOCAMENTO ENTRE TERRITÓRIOS E A TRAJETÓRIA SOCIAL DO ARTESANATO ..................................................................................... 35 5. METODOLOGIA ................................................................................................... 40 5.1 Pesquisa bibliográfica .............................................................................. 40 5.2 Mapeamento ............................................................................................ 41 5.3 Observação participante .......................................................................... 44 5.4 Roteiro entrevista semiestruturada .......................................................... 50 6. SÉRGIO MATOS E OS ARTESÃOS DE BARCELOS (AM) ................................. 53 6.1 Sérgio Matos ........................................................................................... 53 6.2 Barcelos: território, comunidade e artesanato ......................................... 54 6.3 Projeto Brasil Original .............................................................................. 57 6.4 A circulação do artesanato indígena ........................................................ 63 7. RENATO IMBROISI, SUA EQUIPE E AS ARTESÃS DO JAGUARIBE (CE) ....... 70 7.1 Renato Imbroisi ........................................................................................ 70 7.2 Equipe de criadores do projeto ................................................................ 71 7.3 Baixo Jaguaribe: territórios, comunidades e artesanatos ........................ 74 7.4 Projeto A CASA AMA Carnaúba .............................................................. 76 7.5 A circulação do artesanato sertanejo ....................................................... 90 8. PAULA DIB, RENATA MENDES E AS ARTESÃS DA JUREIA (SP) ................... 97 8.1 Paula Dib ................................................................................................. 97 8.2 Renata Mendes ....................................................................................... 98 8.3 Jureia: território, comunidade e artesanato ............................................. 99 8.4 Projeto Criqué Caiçara .......................................................................... 103 8.5 A circulação do artesanato caiçara ........................................................ 110.

(13) 9. ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS ................................................. 118 9.1 A mediação cultural do artesanato ........................................................ 118 9.2 O papel do designer na circulação do artesanato ................................. 136 9.3 A circulação do artesanato ressignificado na cidade de São Paulo ...... 140 10. CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................. 166 REFERÊNCIAS ...................................................................................................... 174 APÊNDICES ........................................................................................................... 179 ANEXO ................................................................................................................... 182.

(14) 13. 1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS. Desde que o homem criou seu primeiro instrumento de pedra lascada, a produção artesanal foi a única forma de fazer e construir objetos. Os artesãos tornaram-se responsáveis pela fabricação, o que lhes conferiu certo poder e representatividade social e política. Porém, em meados do século 18, a função do artesanato “passou de único meio de fabricação para uma forma alternativa de produção” (KUBRUSLY; IMBROISI, 2011, p. 11).. Foi também com a industrialização que surgiu uma nova habilitação profissional: desenho industrial – consequência da ruptura entre projetar e fabricar. Hoje desenho industrial é chamado de design, e a origem da palavra está no latim designare, verbo que abrange o sentido duplo de designar (conceber, projetar, atribuir) e desenhar (registrar, configurar, formar). Portanto, o design trata de uma atividade que gera projetos, no sentido objetivo de planos, esboços e modelos (CARDOSO, 2008).. Borges (2011) afirma que no Brasil, o desenvolvimento do design se deu a partir da ruptura com o saber ancestral da cultura material artesanal. A herança do artesanato foi totalmente desconsiderada e desvalorizada, em prol do feito à máquina, do progresso e do moderno. Para Neto (2007b), é no artesanato, principalmente de comunidades tradicionais, que ainda residem os traços culturais característicos de seu local de origem, esse diferencial cultural é considerado a grande força competitiva para os países em desenvolvimento.. Na transição do século 20 para o 21, começou o desenvolvimento de projetos em que designers (arquitetos, estilistas, decoradores e outros profissionais de criação de produtos) e grupos de artesãos se unem, financiado pelos próprios profissionais ou por instituições governamentais e/ou privadas. Há aqueles profissionais que querem ajudar os artesãos, geralmente para valorizar os produtos e aumentar a renda; os que buscam a troca de conhecimentos; e quem quer apenas encontrar pessoas com destreza técnica para produzir suas criações autorais, muitas vezes para uma coleção única a ser lançada em eventos..

(15) 14. É importante destacar que o recorte desta pesquisa se deu a partir de projetos em que designers são contratados por instituições promotoras, como Sebrae, Artesol e museu A CASA, para prestar serviços de consultoria aos grupos de artesãos de comunidades tradicionais distantes dos grandes centros urbanos, cujos produtos resultantes são de uso doméstico, para o interior da casa. Nessas ações de design, podem ocorrer reconfiguração de aspectos estéticos-formais dos produtos, otimização de processos de produção e mudança de função dos objetos.. Isso,. em. partes,. corrobora. para. a. ressignificação. do. artesanato. na. contemporaneidade. Essa união de saberes tradicionais, passados de geração em geração, com práticas globais, sob o conceito de hibridização cultural, é tida como promissora no desenvolvimento sustentável local. Para Canclini (2015), o contato com outras realidades colabora para manter viva a cultura tradicional na medida em que a reinventa.. Nesses projetos, é comum o deslocamento do artesanato de um mercado para outro: sendo que geralmente a circulação de nível local e regional passa para o nacional, e não raro, internacional. O design é uma ferramenta estratégica para agregar valor aos produtos, principalmente no aumento da competitividade no mercado (GIANNI apud MARILI, 2004), seja através de elementos estéticos, tamanho das peças, introdução de novos materiais ou pela complexidade de produção. Assim, o preço do artesanato resultante da ação de design acaba sendo maior do que o produzido antes, e o consumo fica restrito ao público de maior poder aquisitivo.. Neste contexto, a pesquisa pretende contribuir para essa reflexão das relações entre design e artesanato, relacionando-os à cultura e ao território a partir do seguinte questionamento: como se dá na cidade de São Paulo a circulação do artesanato produzido em comunidades tradicionais que foi reconfigurado e ressignificado a partir da mediação cultural do designer?. A hipótese levantada é que, ao projetar o artesanato para um mercado que conhece pouco ou desconhece o território de origem, o designer procura adicionar elementos simbólicos que se referem ao local de produção, selecionados pelos seus aspectos.

(16) 15. estéticos-formais. As cores e as formas dos produtos provavelmente seguem as tendências atuais do design de interiores, ditadas pelos grandes centros, aproximando-se mais de um equilíbrio estético refinado, com melhor acabamento, atendendo o gosto do mercado consumidor urbano.. No que diz respeito à circulação desses produtos na cidade de São Paulo, observase que se dá exclusivamente em lojas de decoração em bairros de classe média-alta, dividindo espaço com produtos de origem industrial e até outros importados, numa cenografia planejada que simula o interior da casa.. Provavelmente não são comercializados em lojas típicas de artesanato, que vendem exclusivamente produtos artesanais de origem nacional, como Paiol, Fuchic e Depósito Kariri, locais onde os produtos são expostos lado a lado, e não raro empilhados, revelando o estoque. Nesse ambiente, costumam ficar separadas por diferenças de matéria-prima, estética ou utilidade.. Os produtos devem aparecer com mais frequência nos pontos de venda na época do lançamento da coleção, ou quando são divulgados nas mídias especializadas de decoração e interiores1. Pelo fato de a lógica de produção artesanal ser em baixa escala, poucos produtos circulam pelas lojas, estratégia também adotada para manter a exclusividade. Nesse caso, o artesanato é praticamente elevado ao status de arte.. Assim, o objetivo geral da pesquisa foi analisar na cidade de São Paulo a circulação do artesanato de uso doméstico, feito em comunidades tradicionais, que foi reconfigurado e ressignificado a partir da mediação cultural do designer.. Para isso, foram identificados os designers que atuaram como consultores em design de produto artesanal com artesãos e verificou-se a presença do artesanato resultante das ações de design em pontos de venda na cidade de São Paulo.. 1. Revistas Casa Vogue, Casa e Jardim e Casa Claudia.

(17) 16. Foram analisadas as mudanças promovidas pelos designers na técnica de produção, matéria-prima, função e aspectos estéticos-formais dos objetos, tendo como base a produção artesanal anterior aos projetos. Além das transformações nos objetos artesanais, foi preciso delimitar o papel dos designers na promoção da circulação do artesanato em territórios distintos da origem, para se compreender a ação dos projetos de forma ampla.. A procura por um consumo mais sustentável e responsável por jovens nos grandes centros urbanos pode ser traduzida como uma nova oportunidade para o artesanato produzido com técnicas tradicionais e matérias-primas naturais, ao carregar atitudes ecologicamente corretas e valor cultural e simbólico.. A união do design e do artesanato se apresenta como uma das soluções para os problemas que as comunidades de artesãos enfrentam, como pobreza e desigualdade social. Karl Bergmiller, designer e professor fundador da Escola Superior de Desenho Industrial (ESDI), afirma que “o design em países como o Brasil deve ser prioritariamente orientado para objetivos sociais, que não visam a um lucro imediato. Devem objetivar a racionalidade do uso e da produção” (apud MARILI, 2004, p. 19). Diante de um mercado globalizado, abarrotado de produtos industriais padronizados e sem identidade ligada às culturas locais, existe uma lacuna favorável ao desenvolvimento de produtos artesanais.. É importante gerar conhecimentos sobre projetar na área da produção artesanal, principalmente no desenvolvimento de pesquisas que se configuram em instrumentos para o desenvolvimento sustentável de comunidades originárias e tradicionais do Brasil.. Pela sua relevância, o tema design e artesanato tem sido objeto de pesquisas nos últimos anos. Assim, fez-se necessário verificar como se encontra a produção científica nas áreas relacionadas. Buscou-se artigos científicos, dissertações de mestrado e teses de doutorado que utilizam as palavras-chave design, artesanato, cultura e território..

(18) 17. Entre os encontrados, destacam-se as dissertações “A apropriação do saber fazer artesanal e da imagem do artesão pelo mercado de luxo: o design como mediador”, da autora Viviane Mattos Nicoletti (2018); “Artesanato e design: os efeitos de um encontro”, de Marcela Fonseca Lima (2017); e “Design e artesanato: análise de modelos de atuação de design junto a grupos de produção artesanal”, de Elisa Feltran Serafim (2015).. Decorrente aos distintos recortes das publicações, fez-se um levantamento dos principais teóricos citados: Adélia Borges, Gui Bonsiepe, Lina Bo Bardi, Aloísio Magalhães, Rafael Cardoso, Lia Krucken e Nestor Canclini. Com as leituras desses teóricos para aprofundar-se no tema, juntamente com a análise do estado da arte, foi possível notar que a maioria dos estudos ficam confinados na etapa da produção do artesanato, nas possíveis relações entre design-artesanato, nas vantagens que o design pode agregar, ou nos problemas que uma mediação malfeita pode causar.. Há uma ausência de pesquisas acadêmicas no que diz respeito à circulação desses artefatos em territórios distintos da origem de produção, e às mudanças promovidas na mediação cultural dos designers para o deslocamento do artesanato. Acredita-se que a análise da cultura como produção não pode se concentrar apenas no ato de produzir objetos ou bens culturais, mas de todos os passos de um processo produtivo: produção, circulação e consumo.. De acordo com Nestor Canclini (1983) e Mirko Lauer (1983), é importante analisar a circulação social dos artefatos (intermediários, feiras, mercados e lojas) e os significados que os receptores diferentes lhes atribuem. Esse enfoque, que agrega a perspectiva da circulação, significa dar atenção ao mercado e, através dele, à maneira como se configura o espaço da existência social do artesanato fora de seu local de produção.. Refletiu-se como se dá essa relação de desterritorialização e reterritorialização dos artefatos. Nesse processo, os designers agem como influenciadores diretos sobre a forma dos objetos, pois, ao selecionar o que pode dar certo no mercado urbano, já estão excluindo algumas opções estéticas originais dos artesãos. Os designers.

(19) 18. compreendem as técnicas de fabricação, os limites das matérias-primas e o respeito à manutenção delas.. A metodologia definida para a pesquisa foi qualitativa e descritiva. Foram analisados e comparados três projetos que envolveram designers com distintas trajetórias profissionais, e grupos de artesãos de comunidades tradicionais oriundos de territórios e culturas diferentes: indígenas, sertanejos e caiçaras. As escolhas se deram para que houvesse mais pluralidade na discussão e por ter mais informações registradas desses projetos..

(20) 19. 2. ENCONTROS E DESENCONTROS ENTRE DESIGN E ARTESANATO. Utilizado de forma indiscriminada, o termo design é frequentemente associado apenas aos aspectos estético-formais, ao efêmero, caro e até mesmo supérfluo (BONSIEPE, 2012). A origem da palavra design está no latim designare, verbo que abrange o sentido duplo de designar (conceber, projetar, atribuir) e desenhar (registrar, configurar, formar). Portanto, o design trata de uma atividade que gera projetos, no sentido objetivo de planos, esboços e modelos (CARDOSO, 2008).. Enfoca o caráter operacional e semiótico dos artefatos materiais, interpretando sua função e a funcionalidade, não somente em termos de eficiência física, mas em termos de comportamento incorporado em uma dinâmica social e cultural. Assim, encontrase na intersecção entre a cultura da vida cotidiana, na medida que desenha informações e ideias, a tecnologia e a economia (BONSIEPE, 2012).. Segundo Niemeyer (2007), o designer se apresenta com frágeis compromissos éticos na sociedade, já que sua atividade está a favor dos interesses do capital internacional e a serviço dos interesses das classes dominantes. Sem consciência ou possibilidade de cumprir seu papel social, uma vez que exerce interferência na cultura material, na segurança, no conforto e na satisfação do usuário dos produtos projetados por ele.. Uma publicação emblemática na área do design que destacou sua responsabilidade social e ambiental foi o livro Design for the Real Word (1972) de Victor Papanek. No livro, o autor convoca designers a sair dos escritórios e olhar à sua volta para projetar soluções para o mundo real, que se desintegrava na época em fome e miséria. Colocava os designers em conflito com um mercado comercial que prospera com a criação excessiva de produtos inúteis ditos pelo autor.. A distinção entre design e outras atividades que geram artefatos, como artesanato e arte, tem sido outra preocupação constante para pesquisadores da área. “A experiência da Bauhaus acabou contribuindo para a consolidação de uma atitude de antagonismo dos designers com relação à arte e ao artesanato” (CARDOSO, 2008, p..

(21) 20. 135). A concepção que temos atualmente do artesanato, como um tipo de trabalho diferenciado e especial, é fruto das mudanças políticas e econômicas e, consequentemente, sociais e ambientais que ocorreram durante o tempo.. De acordo com Lucy Niemeyer (2007), o trabalho de design está intimamente ligado à tecnologia e ao processo de produção industrial, e as mudanças ocorridas nessas atividades decorrem basicamente das transformações na estrutura econômica do Brasil. Assim, a autora divide a história em três fases a partir das mudanças básicas na organização capitalista do país.. A primeira vai do fim do século 19 até 1930, com uma produção manufatureira incipiente. Depois sucede o período de 1930 a 1950, quando Getúlio Vargas assume a presidência do país e impulsiona a industrialização para substituir as importações, centrada basicamente no segmento de produção de bens de consumo. Por fim, a terceira fase ocorre de 1950 a 1964, com o Programa de Metas de Juscelino Kubitschek, com uma industrialização intensiva, crescente internacionalização do mercado interno e aceleração da acumulação de capital (NIEMEYER, 2007).. Em 1963, a institucionalização do design no desenvolvimento da cultura material começa a se estruturar com a criação da escola de Ensino Superior de Desenho Industrial (ESDI) no Rio de Janeiro. A partir desse momento, o país passa a receber fortes influências das escolas italiana, suíça e alemã de Ulm, sendo esta, por sua vez, influenciada pela Bauhaus. Esse fato proporcionou um contínuo confronto entre as particularidades locais brasileiras e os modelos internacionais do design (MORAES, 2005).. A proposta de Max Bill, designer suíço fundador da escola de Ulm, de criar uma escola no Brasil nos moldes da escola alemã, ocorreu em razão de se ter encontrado aqui uma simbiose perfeita de ideologias que favoreciam a identificação: “o positivismo (JK, Brasília, ordem e progresso), o místico cultural bem enraizado e a presença da arte concreta questionando os valores acadêmicos, em particular da tradicional Escola de Belas Artes” (NIEMEYER, 2007, p. 72)..

(22) 21. Nas propostas originais dos cursos de design no Brasil, estava expressa a preocupação de que fosse encontrada uma linguagem formal em design capaz de unir as concepções artísticas contemporâneas com elementos da tradição nacional, como a produção artesanal. Nos anos 1950, alguns designers desenvolveram trabalhos seguindo essa concepção, como Geraldo de Barros, Antonio Maluf, Zanine Caldas, Sérgio Rodrigues e Joaquim Tenreiro. Porém, quando o curso da ESDI foi implantado, a estética racionalista da escola de Ulm prevaleceu (NIEMEYER, 2007).. Segundo Adélia Borges (2011), o desenvolvimento do design no país se deu a partir da ruptura com o saber ancestral da cultura material artesanal. A herança dos artefatos foi totalmente desconsiderada e desvalorizada, em prol do feito à máquina, do progresso e do moderno. Nos países escandinavos, além de Itália e Japão, o desenvolvimento industrial se dá como uma (con)sequência do artesanal.. Com foco no artesanato existente na América Latina, o escritor mexicano Octavio Paz (1991) diferencia o papel social do artesanato, da obra de arte e do objeto industrial. Para o autor, a obra de arte, na sociedade moderna, tem status de religião, podendo tornar-se divindade, fadada à contemplação, eternizada em museus. O objeto industrial é funcional, tende a desaparecer com a mesma velocidade com que surge, assim que novas técnicas, materiais ou demandas o condenam à obsolescência. Já o artesanato é o meio-termo entre esses dois polos: ora é relacionado à obra de arte devido a sua beleza e originalidade formal, ora é ligado ao significado de utilidade e funcionalidade dos objetos industriais.. Conceituar o artesanato na contemporaneidade é cada vez mais complexo. No Brasil, a portaria no 29 de 5 de outubro de 2010, editada pela Secretaria de Comércio e Serviços2 (SCS) do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), padronizou e fixou a definição do artesanato que norteia as políticas públicas nas esferas federal, estadual e municipal. Neste estudo, utilizou-se a definição do decreto, no qual diz que o artesanato 2. Trata-se de uma secretaria do Governo Federal cujo objetivo é fortalecer e desenvolver os setores de comércio e serviços, contribuindo para agregação de valor, melhoria nas capacidades empresariais, inovação e diversificação produtiva..

(23) 22. compreende toda a produção resultante da transformação de matériasprimas, com predominância manual, por indivíduo que detenha o domínio integral de uma ou mais técnicas, aliando criatividade, habilidade e valor cultural (possui valor simbólico e identidade cultural), podendo no processo de sua atividade ocorrer o auxílio limitado de máquinas, ferramentas, artefatos e utensílios (BRASIL, 2010).. Diante da questão artesanal, o Estado desenvolveu diretrizes a partir de 1977 com a criação do Programa Nacional de Desenvolvimento do Artesanato, que em 1981 passou a ser chamado de Programa do Artesanato Brasileiro (PAB). Hoje é gerenciado pela Secretaria Especial da Micro e Pequena Empresa (SEMPE) do MDIC.. O PAB tem como objetivo promover o desenvolvimento integrado do setor artesanal e valorizar o artesão, elevando seu nível cultural, profissional, social e econômico. Implantar e consolidar canais públicos de comercialização dos produtos artesanais, e divulgar o artesanato como expressão da diversidade cultural brasileira (BRASIL, 2018). Em 11 de junho de 2018, a SEMPE tornou público a portaria no 1.007-SE do programa, que dispõe as classificações da produção artesanal no Brasil, a partir da origem, natureza de criação e produção, e dos valores históricos e culturais dos produtos.. De acordo com Eduardo Barroso Neto (2007a), essa necessidade em definir, conceituar e estabelecer diferenças entre as produções artesanais é uma preocupação de críticos, acadêmicos e técnicos que necessitam compreender melhor uma prática da qual estão distantes. Os programas e projetos desenvolvidos por instituições públicas e privadas necessitam desses esclarecimentos para situar melhor suas ações e ajustar os limites de mudanças promovidas pelos projetos. De acordo com a portaria, a produção artesanal se classifica em: I - Artesanato tradicional: a produção, geralmente de origem familiar ou comunitária, que possibilita e favorece a transferência de conhecimentos de técnicas, processos e desenhos originais, cuja importância e valor cultural decorrem do fato de preservar a memória cultural de uma comunidade, transmitida de geração em geração; II - Arte Popular: caracteriza-se pelo trabalho individual do artista popular, artesão autodidata, reconhecido pelo valor histórico e/ou artístico e/ou.

(24) 23. cultural, trabalhado em harmonia com um tema, uma realidade e uma matéria, expressando aspectos identitários da comunidade ou do imaginário do artista; III - Artesanato Indígena: é resultado do trabalho produzido por membros de etnias indígenas, no qual se identifica o valor de uso, a relação social e a cultural da comunidade, sendo os produtos, em sua maioria, incorporados ao cotidiano da vida tribal e resultantes de trabalhos coletivos, de acordo com a divisão do trabalho indígena (...); IV - Artesanato Quilombola: é resultado do trabalho produzido coletivamente por membros remanescentes dos quilombos, de acordo com a divisão do trabalho quilombola, no qual se identifica o valor de uso, a relação social e cultural da comunidade, sendo os produtos, em sua maioria, incorporados ao cotidiano da vida comunitária (...); V - Artesanato de Referência Cultural: produção artesanal decorrente do resgate ou da releitura de elementos culturais tradicionais nacionais ou estrangeiros assimilados, podendo se dar por meio da utilização da iconografia (símbolos e imagens) e/ou pelo emprego de técnicas tradicionais que podem ser somadas à inovação; dinamiza a produção, sem descaracterizar as referências tradicionais locais; VI - Artesanato Contemporâneo-Conceitual: produção artesanal, predominantemente urbana, resultante da inovação de materiais e processos e da incorporação de elementos criativos, em diferentes formas de expressão, resgatando técnicas tradicionais, utilizando, geralmente, matéria-prima manufaturada reciclada e reaproveitada, com identidade cultural (BRASIL, 2018).. As produções artesanais analisadas nesta pesquisa, segundo a tabela acima, incluem o artesanato tradicional (I), indígena (III) e de referência cultural (V). Em alguns casos essas classificações são encontradas em conjunto, somando definições. No Brasil, as tradições artesanais de origem indígena se incorporaram às técnicas trazidas pelos africanos, portugueses, e mais tarde, outros imigrantes, criando a diversidade de hoje (NETO, 2007a).. É importante deixar claro que o artesanato mencionado nesta pesquisa se refere a um fenômeno heterogêneo, complexo e diversificado, disseminado por todo o território brasileiro. É uma atividade em que objetos são ou podem ser reproduzidos em série. Esses artefatos são projetados a partir de premissas normalmente atribuídas ao design, como atender a uma função a partir do uso de matérias-primas e de determinadas técnicas de produção. As técnicas podem ter sido transmitidas por gerações ou criadas recentemente por uma ou mais pessoas..

(25) 24. Outro ponto a ser levado em conta é que a maior parte dos artesãos no Brasil são na realidade artesãs. Desde 2001, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulga a existência de 8,5 milhões de artesãos, mas alertando que esse dado é impreciso, porque há um grande número de trabalhadores informais. Desse total, 87% são mulheres, pois trata-se de uma atividade primordialmente feminina (BORGES, 2011). Isso se reflete nos casos analisados nesta pesquisa.. Design, arte e artesanato têm muito em comum, e hoje os designers percebem o valor das relações com a cultura local e o fazer manual. Essa mudança de paradigma ocorreu, em parte, graças a três nomes pioneiros que insurgiram contra a importação acrítica do pensamento europeu: Aloísio Magalhães, Lina Bo Bardi e Janete Costa.. Aloísio Magalhães (Figura 1), artista plástico e designer pernambucano, participou da fundação da ESDI, onde lecionou durante alguns anos. Teve uma vida profissional ativa e foi dono de um dos bem-sucedidos escritórios de design no país. Aos poucos, sua atuação foi se direcionando para a formulação de políticas públicas para a cultura (BORGES, 2011).. Em 1975, fundou e dirigiu o Centro Nacional de Referência Cultural (CNRC), em Brasília, cuja finalidade era mapear, registrar e entender as riquezas materiais e imateriais da cultura brasileira, além de impulsionar atividades culturais caracterizadas por seus bens culturais vivos. Para Aloísio, era preciso voltar ao passado para extrair dele a força para o futuro. Esse conhecimento iria impedir, a seu ver, o achatamento do mundo, a perda ou diminuição de caracteres próprios das culturas (MAGALHÃES, 1997). O CNRC funcionou durante quatro anos, e em 1979 houve a fusão com o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN).. Vários projetos foram desenvolvidos durante sua atividade no centro: tecelagem popular no Triângulo Mineiro, cerâmica de Amaro de Tracunhaém (PE) e artesanato indígena no Centro-Oeste. Aloísio se preocupava com a produção artesanal ao institucionalizar uma abordagem socioeconômica do cultural, com conhecimentos e alternativas de desenvolvimento local..

(26) 25. Figura 1. Aloísio Magalhães. Fonte: Acervo Aloísio Magalhães. Disponível em: <https://www.itaucultural.org.br/ocupacao/aloisiomagalhaes/o-artista-plastico/>. Acesso em: 01 nov. 2019.. Lina Bo Bardi (Figura 2), arquiteta italiana, chega ao Brasil em 1946 e se impressiona com a capacidade do povo brasileiro em resolver seus problemas. Em 1958, a convite da Universidade Federal da Bahia (UFB), começou a ir com frequência para a Bahia, onde teve contato com o artesanato e a arte popular. Encantada, passou a pesquisar, defender e promover o artesanato como uma rica atividade proveniente da cultura popular (BORGES, 2011).. Bardi converteu o espaço público em seu campo de ação, como centros culturais, espaços expositivos, museus e montagens de exposições, dentre elas: “Bahia no Ibirapuera”, em São Paulo, em 1959, “Civilização”, em 1963, no Museu de Arte Popular em Salvador, e “A mão do povo brasileiro”, no Museu de Arte de São Paulo, em 1969, remontada em 2016 (PEDROSA; TOLEDO, 2016).. A arquiteta sugeria que os projetos deveriam ser criados sobre a base autêntica do trabalho do artista brasileiro, “chegar até suas raízes populares é compreender a história de um país. E um país em cuja base está a cultura do povo é um país de enormes possibilidades” (BARDI, 1994, p. 20). Afirma ainda que o processo acelerado da industrialização brasileira impossibilitou o desenvolvimento natural da cultura nacional, nesse sentido, uma desculturação estava em curso..

(27) 26. Figura 2. Lina Bo Bardi. Fonte: Bob Wolfenson. Disponível em: <https://www.archdaily.com.br/br/758509/citacoes-de-lina-bobardi>. Acesso em: 01 nov. 2019.. Durante a consolidação da indústria no Brasil, especialmente nas décadas de 1960 e 1970, Aloísio e Lina propuseram o desenvolvimento econômico industrial de forma a valorizar aspectos culturais da sociedade brasileira para encontrar um caminho próprio, e não tomando como referência principal a mimese dos modelos projetuais provenientes do exterior.. Janete Costa (Figura 3), arquiteta e decoradora pernambucana com uma cartela de clientes em várias regiões do país, atuou em outra frente, à margem das instituições, mas não com força menor. Ela estudou, colecionou e divulgou o artesanato e a arte popular, usando-os em seus projetos desde a década de 1950 para dar visibilidade às identidades culturais locais (BORGES, 2011). Sua preocupação estava voltada para a sobrevivência do artista e artesão, desde sua inserção no mercado até a venda dos produtos por um preço justo no combate à miséria (PROGRAMA ARTESANATO SOLIDÁRIO, 2002).. Janete foi curadora e montou dezenas de exposições sobre o tema. A pioneira foi “Artesanato como um caminho”, em 1987, na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP), na qual preconizava que a indústria usasse como base a tradição artesanal do país para o desenvolvimento de produtos. Outras exposições.

(28) 27. organizadas por ela procuravam chamar a atenção de arquitetos e decoradores sobre as possibilidades e a importância de utilizar peças artesanais em ambientes requintados (BORGES, 2011).. Figura 3. Janete Costa. Fonte: Casa Claudia. Disponível em: <https://casaclaudia.abril.com.br/arquitetura/mulheres-naarquitetura-a-pernambucana-janete-costa/>. Acesso em: 01 nov. 2019..

(29) 28. 3. DESIGN + ARTESANATO: ESTÍMULO À DINAMIZAÇÃO CULTURAL. Na transição do século 20 para o 21, pode-se observar uma movimentação dos designers, financiada pelos próprios profissionais ou por instituições governamentais e/ou privadas, buscando encontrar grupos de artesãos para valorizar e preservar técnicas produtivas artesanais que haviam sido passadas através de gerações. Nestes encontros podem ocorrer a reconfiguração de aspectos estéticos-formais dos produtos, otimização de processos de produção e mudança de função dos objetos (BORGES, 2011).. Na década de 1970, Paz (1991) já destacava o crescimento da procura por objetos artesanais, este é um dos sintomas da grande mudança da sensibilidade contemporânea. Para o autor, estamos diante de uma expressão crítica à religião abstrata do progresso modernista; a popularidade do artesanato é um sinal de saúde da sociedade.. Segundo Neto (2007b), no artesanato ainda residem os traços culturais característicos de seu local de origem, cujo diferencial cultural é a grande força competitiva para os países em desenvolvimento. Como os produtos artesanais procedentes dos países asiáticos são sempre mais baratos, e é difícil competir nesse quesito, no Brasil temse como opção, além de investir na melhoria qualitativa dos produtos, agregar valor destacando os aspectos culturais. “Estes produtos oferecidos deverão incorporar algo mais, serem exclusivos, singulares, com uma história própria” (NETO, 2007b, p. 2). Borges (2011) e Paz (1991) utilizam o termo “revitalização” para caracterizar essas mudanças no artesanato tendo como foco o mercado. No dicionário online Michaelis, a palavra revitalização significa “série de ações planejadas, a fim de dar nova vida a algo que se encontra decadente ou abandonado” (MICHAELIS, 2019).. Esses projetos de design são, sem dúvida, compostos de uma série de ações planejadas, porém nem sempre têm como objetivo dar nova vida às peças. Pode acontecer apenas mudanças no processo produtivo, otimização dos recursos, e.

(30) 29. criação de embalagens ou marca, por exemplo. Sem, contanto, precisar modificar o produto e dar uma nova vida.. O termo também sugere que o artesanato está decadente, abandonado, sem vigor, e que precisa de uma “repaginada”, o que não é bem assim. Toda e qualquer produção artesanal existe e resiste no tempo por ter algum valor comercial e/ou simbólico, sendo que pode talvez não ter grande produção e consumo, mas tem importância para alguém em algum lugar. Assim, não é adequado utilizar o termo “revitalização” para definir esses projetos. Nesta pesquisa, adotou-se o termo “ressignificação” do artesanato cunhado pelo antropólogo argentino Nestor Canclini (1983). Para o autor, com a subordinação das culturas tradicionais ao capitalismo, as peças de artesanato ocupam posições diferentes durante o seu percurso de produção, circulação e consumo. Tudo isso está aliado aos conflitos entre classes, etnias, e das relações entre espaço rural e urbano.. Nesse sentido, quando o artesanato é deslocado dos seus produtores, perde o contexto, o exílio do seu espaço nativo, e migra para outra cena: a cultura burguesa, a loja urbana, o museu e o e-commerce. A reelaboração do lugar do artesanato promove sua descontextualização e ressignificação que a cultura hegemônica cumpre diante das culturas subalternas (CANCLINI, 1983). Assim, é mais adequado usar o termo ressignificação do artesanato do que revitalização para esses projetos.. Nessas ações, pode ocorrer a reconfiguração dos aspectos estéticos-formais dos artefatos e a mudança de função, por exemplo, objetos utilitários ou cerimoniais de comunidades tradicionais passam a ser decorativos em residências urbanas. O designer pode atuar em vários pontos em projetos desse tipo, como: melhoria da qualidade de objetos; aumento da percepção consciente dessa qualidade pelo consumidor; redução de matéria-prima; redução ou racionalização de mão de obra; otimização de processos de fabricação; combinação de processos e materiais; interlocução sobre desenhos e cores; adaptação de funções; deslocamento de objetos de um segmento para outro mais valorizado pelo mercado; intermediação entre comunidades e mercado; comunicação dos atributos intangíveis dos objetos artesanais; facilitação do acesso dos artesãos ou de sua produção à mídia; contribuição na gestão.

(31) 30. estratégica das ações; explicitação da história por trás dos objetos artesanais (BORGES, 2011, p. 129).. Dois designers pioneiros inauguraram essa aproximação com os artesãos: Renato Imbroisi e Heloísa Crocco. Ambos atuaram em diversas comunidades na condução de oficinas de reconfiguração e ressignificação do artesanato.. Renato cursou Comunicação Visual pela Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP) em São Paulo, e fez diversos cursos de tecelagem manual. Desde o começo da carreira, trabalha com a valorização da tradição artesanal no Brasil, principalmente na área têxtil (MARILI, 2004). Em 1987, no primeiro projeto autoral de Imbroisi, sem instituição envolvida, no povoado de Muquém em Carvalhos (MG), o designer diversificou a produção da tecelagem das artesãs sem alterar a técnica e incluiu outras matérias-primas locais no acabamento (BORGES, 2011).. Já Heloísa Crocco é formada em Artes pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRG) e também realizou trabalhos com diferentes comunidades de artesãos do país. Crocco começou a trabalhar com artesãos em 1993 a convite do artista plástico, pesquisador e professor José Alberto Nemer da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP). Devido ao turismo voraz e à busca indiscriminada pelo artesanato de souvenir, a produção do artesanato local em pedra-sabão estava condenada a mesmice. Crocco e Nemer, com apoio da universidade e da prefeitura, promoveram oficinas unindo artesãos e designers. Nessa ação, provocaram o olhar dos envolvidos para identificar os símbolos da arquitetura barroca, que foram inseridos nos artefatos posteriormente (CROCCO, 2000).. Mais tarde, outros profissionais passaram a desenvolver projetos junto às comunidades de artesãos. Lars Diederichsen, designer mexicano residente em São Paulo, também teve importância nessa aproximação. Atuou como consultor na área artesanal desde 1996, contratado principalmente pelo Sebrae, em diversas comunidades em todo o território nacional (BORGES, 2011)..

(32) 31. Inicialmente, muitos projetos ocorriam de forma independente, e com iniciativa vinda dos próprios designers, eles mesmos bancavam financeiramente as ações. Porém, em 1998, as iniciativas de ressignificação do artesanato ganharam impulso com a entrada de instituições. A de maior alcance foi a implantação do Programa Sebrae de Artesanato em todo território nacional. A atuação do Sebrae é norteada a partir de seis eixos: estudos e pesquisas, inovação e tecnologia, capacitação empresarial, acesso a mercados, serviços financeiros e políticas públicas (MASCÊNE; TEDESCHI, 2010). O programa apresenta orientações para mudança do artesanato com foco no mercado.. Outra instituição fundada em 1998 foi o Artesanato Solidário (Artesol) no governo Fernando Henrique Cardoso sob a liderança da antropóloga Ruth Cardoso. A instituição nasceu como programa ligado ao governo e, no final do mandato do presidente, foi transformada em Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), sem fins lucrativos, para que os projetos tivessem continuidade. A Artesol nasceu com o propósito de “apoiar a salvaguarda do fazer artesanal de tradição, promovendo a autonomia dos artesãos e o desenvolvimento socioeconômico dos grupos produtivos” (ARTESOL, 2019a). Desde o princípio, seu foco se deu sobre o artesanato tradicional, ou seja, aquele que é passado de geração a geração.. Em 1997, na cidade de São Paulo, foi fundado o museu A CASA, outra instituição sem fins lucrativos que promove a aproximação do design e artesanato. Essa instituição tem a missão de contribuir para o reconhecimento, a valorização e o desenvolvimento da produção artesanal e do design brasileiros, seu objetivo é preservar a memória cultural, a memória de ofício artesanal, valorizar o artesão e preservar as técnicas artesanais, transmitir e multiplicar saberes de tradição e propiciar melhor renda às comunidades (A CASA, 2018). Esse objetivo é atingido com projetos desenvolvidos com grupos e associações de artesãos no Brasil, que promovem palestras, encontros, cursos, oficinas, apresentações, exposições e produção de publicações. Seu foco não se limita ao objeto em si, mas também pelo processo e contexto em que é criado, feito e consumido (A CASA, 2018)..

(33) 32. Além dessas instituições, outras governamentais, como ministérios, governos estaduais e prefeituras, começaram a desenvolver projetos nessa área de aproximação entre designers e artesãos. Segundo Canclini (2015, p. 278), “os artesãos precisam das instituições para reproduzir-se, mas as instituições também precisam dos artesãos para legitimar sua existência por meio do ‘serviço’ que prestam”.. Na área acadêmica, vários projetos de extensão vêm fomentando a discussão e atuando nesse encontro de designers-estudantes e artesãos. Merecem atenção o Laboratório O Imaginário3, que funciona como um trabalho de extensão do curso de design da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), e a ONG Rede Design Possível4, que começou como um projeto de extensão da Universidade Presbiteriana Mackenzie em São Paulo (BORGES, 2011).. A ligação entre saberes tradicionais, passados de geração em geração, e práticas globais tem sido objeto de discussão entre distintos teóricos sob o conceito de hibridização cultural, que pode ser definido como processos socioculturais que existem de maneiras isoladas e que geram novas estruturas, objetos e práticas quando se combinam (CANCLINI, 2015).. As posições perante essa situação variam desde as mais conservadoras, de alguns antropólogos e folcloristas, que acreditam que as culturas tradicionais devem ser preservadas sem interferência externa para não descaracterizá-las e perder sua pureza original, até aqueles que defendem que o contato com outras realidades colabora para manter a cultura tradicional na medida em que a reinventa e a mantém viva (CANCLINI, 2015).. Querer restringir o acesso dos artesãos às novas tecnologias, que são qualquer ferramenta ou processo de produção, não significa acabar com o artesanato autêntico, pois a autenticidade está na forma singular que cada artesão vê o mundo ao seu redor. 3 4. Para saber mais sobre o projeto: www.oimaginario.com.br Para saber mais sobre o projeto: www.designpossivel.org/sitedp.

(34) 33. e consegue representá-lo ou expressar suas emoções e seus sentimentos. Contudo, a incorporação de uma nova tecnologia deve vir precedida de uma reflexão sobre os ganhos que essa mudança poderá trazer (NETO, 2007a). Para Aloísio Magalhães, “o artesanato é um monumento da trajetória, e não uma coisa estática. A política paternalista de dizer que o artesanato deve permanecer como tal é uma política errada” (MAGALHÃES, 1997, p. 180). É de certo modo totalitário impor a um grupo que sua produção permaneça naquele ponto. Ao forjar a repetição monótona, é cortado o fio da trajetória, da invenção, e, dessa forma, fica parado no tempo.. Magalhães afirma que é preciso atuar juntamente com outros organismos na direção para compreender o fenômeno da trajetória do artesanato e dar condições para que prossiga. “O artesão brasileiro é basicamente um designer em potencial, muito mais do que propriamente um artesão no sentido clássico” (MAGALHÃES, 1997, p. 181). A sobrevivência econômica do artesanato está sujeita a manter-se permanentemente atrativa no mercado. Esta situação implica um paradoxo, pois, se o artesanato se modifica para atender às exigências dos consumidores, corre o risco de trair ou renunciar a uma identidade cultural (NETO, 2007b, p. 4). Ao aliar design e artesanato, Bonsiepe (2011) apresenta seis posturas diante desta questão: 1) Enfoque conservador, que busca proteger o artesão contra qualquer influência do design; 2) Enfoque estetizante, que considera os artesãos representantes da cultura popular, e seu repertório estético-formal é utilizado pelo designer para produzir objetos étnicos; 3) Enfoque produtivista, que considera os artesãos como mão de obra qualificada e barata para produzir objetos assinados por designers renomados; 4) Enfoque culturalista ou essencialista (ou melhor territorialista, numa atualização do conceito), que considera os projetos locais dos artesãos como base para um design latino-americano; 5) Enfoque paternalista, que considera. os. artesãos. como. dependentes. de. programas. assistencialistas. governamentais e exerce função mediadora com altas margens de lucro para os vendedores; 6) Enfoque promotor da inovação, que enfatiza a autonomia dos artesãos e, neste caso, a participação ativa dos produtores é requerida..

(35) 34. Essas posturas podem ser encontradas em conjunto em diferentes projetos pelo Brasil. O Programa Sebrae de Artesanato assume a posição de promoção da inovação por meio do design, que, muitas vezes, segue o enfoque produtivista apresentado por Bonsiepe (2011). O designer, como promotor da cultura material, atua como um legitimador perante o mercado, sua marca em alguns casos é fundamental para inserir os produtos dos artesãos em novos mercados.. A partir da premissa que o artesanato é fruto da ação humana num determinado território, é possível incluir Lia Krucken (2009) na discussão. A autora aborda a relação do design com o território para valorizar os recursos e produtos locais que surgem a partir da vocação da região. Ela apresenta oito ações essenciais para promover o desenvolvimento sustentável local a grande prazo:. 1) Reconhecer as qualidades do produto e do território; 2) Ativar as competências situadas no território; 3) Comunicar o produto e o território; 4) Proteger a identidade local e o patrimônio material e imaterial; 5) Apoiar a produção local; 6) Promover sistemas de produção e de consumo sustentáveis; 7) Desenvolver novos produtos e serviços que respeitem a vocação e valorizem o território; 8) Consolidar redes no território.. Essas ações podem ser vistas como processos para orientar o desenvolvimento econômico, social e ambiental do artesanato, respeitando questões locais, como culturas e tradições..

(36) 35. 4. CIRCULAÇÃO: O DESLOCAMENTO ENTRE TERRITÓRIOS E A TRAJETÓRIA SOCIAL DO ARTESANATO. Nesta pesquisa, consideramos que a análise da cultura como produção não pode se concentrar apenas no ato de produzir objetos ou bens culturais, mas de todos os passos de um processo produtivo: produção, circulação e consumo. A atuação é protagonizada, com igual relevância, por todas as pessoas que concorrem para o desenvolvimento do processo: criadores, produtores, intermediários, compradores, críticos, consultores e instituições.. De acordo com Nestor Canclini (1983) e Mirko Lauer (1983), é importante analisar a circulação social dos artefatos (intermediários, feiras, mercados e lojas) e os significados que os receptores diferentes lhes atribuem. Assim como as pessoas, Appadurai (2008) afirma que as mercadorias, definidas como qualquer objeto que possui valor de troca, têm vida social. O autor sugere seguir as coisas por si na sua concretude, pois usos, formas e trajetórias inscrevem seus significados pelas e nas dinâmicas sociais. “São as coisas em movimento que elucidam seu contexto humano e social” (APPADURAI, 2008, p. 17).. Para Lauer (1983), a circulação diz respeito à existência social do artefato, além de ser um aspecto que gravita, cada vez mais, em torno da produção e do consumo. Trata-se de um ponto de encontro em que se torna claro a relação entre as determinações de base social e as configurações do suporte material.. Na acepção do geógrafo Milton Santos (1985), a circulação é a movimentação de pessoas, mercadorias, informações, capital e ideias, ou seja, compreende os fluxos materiais e imateriais, tangíveis e intangíveis. É um misto de técnica, economia e política. O autor eleva a circulação como elemento central no processo produtivo. “Não basta, pois, produzir. É indispensável pôr a produção em movimento. Em realidade, não é mais a produção que preside à circulação, mas é esta que conforma a produção” (SANTOS, 2006, p. 186)..

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