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7. RENATO IMBROISI, SUA EQUIPE E AS ARTESÃS DO JAGUARIBE (CE)

7.5 A circulação do artesanato sertanejo

Questionado sobre a circulação do artesanato antes do projeto, Imbroisi diz que as peças das comunidades já eram vendidas em várias regiões do Brasil. Têm “os caras que compram numa certa quantidade, que passam ali e compram, isso é distribuído para vários outros lugares” (RENATO IMBROISI em entrevista ao autor, 2019).

Os atravessadores podem ser um problema, uma vez que pechincham muito o preço e as artesãs acabam cedendo, assim há desvalorização do trabalho. “Elas vendem, porque o que elas vão fazer com aquilo? Então, na verdade às vezes elas não ganham nem o que elas gastaram de matéria-prima” (ELIANE GUGLIELME em entrevista ao autor, 2019). Esse é um dos motivos que impede muitos artesãos de se desenvolverem economicamente e saírem da miséria.

Segundo o designer, é difícil as mulheres de Sítio Volta e Sítio Caiçara “tomar uma certa atitude. Você não vê, assim você conta nos dedos das 15, 20, 30 dali quem é a pessoa que vai ser mais agressiva comercialmente” (RENATO IMBROISI em entrevista ao autor, 2019).

Quando a equipe do museu chegou nas comunidades de Itaiçaba e Palhano, ambas já estavam mais estruturadas e atendiam o mercado nacional. “Elas são mais agressivas comercialmente, têm contatos, visibilidade, vendiam pra Tok & Stok” afirma Renato Imbroisi. Segundo Guglielme, uma delas até vendia para a marca Água de Coco no Rio de Janeiro. Além disso, muitos comerciantes já compram diretamente delas e fazem a distribuição no Brasil.

Em agosto de 2018, o artesanato do projeto foi transportado para São Paulo, e a exposição montada, a logística foi responsabilidade do museu. A exposição começou

no dia 6 de setembro e terminou no dia 4 de novembro. Na época o artesanato foi divulgado na revista Casa Vogue e no portal online da Casa Cor.

O designer reconhece a importância do museu e da exposição para dar visibilidade às comunidades e aumentar os contatos dos grupos com o mercado, não só na cidade de São Paulo. “Porque o que acontece... A grande maioria também tem essa dificuldade de acessar esse mercado, e como que elas acessam? Como elas continuam acessando?” (RENATO IMBROISI em entrevista ao autor, 2019).

Para Imbroisi, a exposição é importante não só para dar visibilidade às comunidades no mercado, mas também para as artesãs verem seus produtos em outro contexto, expostos de outra maneira. Isso é bom para a autoestima das artesãs, para saber onde o produto chegou e em que valor isso chegou. Em alguns casos, o preço das peças chega a ser três, quatro vezes maior na loja, e muitos artesãos ficam chateados com isso. Porém, “hoje, depois dessas ações, acha bacana, acha interessante. Porque assim, se tá sendo supervalorizado, é porque eu tenho valor no que eu faço (RENATO IMBROISI em entrevista ao autor, 2019).

O preço que o artesanato recebe ao chegar nos centros urbanos é outro ponto de discussão, muito embora não seja foco desta pesquisa, é importante esclarecer:

O museu coloca uma porcentagem para pagar juros de cartão de crédito, porque o museu é gratuito. A vendedora (...) que a gente tinha. E impostos, porque é tudo com nota, tem impostos sobre as vendas. (...) A gente coloca tudo isso. E (...) tem o transporte também. (...) Só para cobrir as despesas, senão a gente não consegue fazer. E elas sabem disso. Isso tudo foi muito bem explicado, para não achar que tamo ganhando, sabe? A gente explica direitinho (ELIANE GUGLIELME em entrevista ao autor, 2019).

Em São Paulo, a comercialização do artesanato ocorre principalmente na loja do museu A CASA (Figura 35) desde a abertura da exposição, e isso reafirma o objetivo de gerar renda para as artesãs. “Não adianta você fazer um projeto onde elas fazem o artesanato, a gente compra para exposição, vende aqui (...) a gente tem que levar elas pra abrir para outros comércios, para outras cidades, para outro mercado maior” (ELIANE GUGLIELME em entrevista ao autor, 2019).

Figura 35. Loja do museu A CASA

Fonte: Compilação do autor10, 2019.

Neste projeto, Renato Imbroisi não teve participação no sentido de promover contatos da comunidade com o mercado de forma direta. “Isso que eu acho que o museu tá fazendo por si só hoje em dia, e junto com o Raimundo, que é o local” (RENATO IMBROISI em entrevista ao autor, 2019).

O designer comentou que algumas artesãs de Itaiçaba e Palhano criaram perfis no Facebook, lugar na internet onde publicam fotos dos produtos para comercializar. A própria Guglielme divulga o artesanato das comunidades em feiras, eventos corporativos realizados no próprio museu, e entra em contato com lojistas para continuar vendendo. Nessas ações, fechou um pedido com a Casa Bonita, marca paulista de decoração com vendas voltada exclusivamente para lojistas.

Entrei em contato com elas e vendi 20 mesas, 10 pequenas, 10 grandes. A gente tava numa feira e tal. Então assim eu continuo fazendo. Sou eu que faço. A gente põe na internet, põe no Facebook, põe não sei o quê, mas eu

continuo atrás de gente pra comprar (ELIANE GUGLIELME em entrevista ao autor, 2019).

Um dos problemas relatado pela Guglielme é o fato de que muitos lojistas não entendem que o artesanato não é tão mais barato se comprado em maior quantidade, como numa produção industrial. Isso impede a comercialização e parcerias em alguns casos, porémé preciso educar o mercado e mudar a mentalidade dos lojistas.

Em abril de 2019, a mesa produzida em Palhano, com tampo de palha de carnaúba, foi levada à Itália (Figura 36) para compor a exposição Brazil: Essentiality Diverse na Semana de Design de Milão. Durante a entrevista com o Imbroisi, apresentou-se uma foto da mesa na exposição e o designer mostrou-se surpreso, pois não sabia disso. Ele acha importante buscar esse mercado especializado para as comunidades, tanto dentro como fora do Brasil. Porém faz uma ressalva: “Têm comunidades que sua produção não tem a quantidade e não tem organização suficiente pra isso ir pra fora” (RENATO IMBROISI em entrevista ao autor, 2019).

Figura 36. Mesa Palhano na exposição Brazil: Essentiality Diverse

Fonte: A CASA. Disponível em: <https://www.instagram.com/p/BwAgpY2gd_7/>. Acesso em: 16 jul. 2019.

Questionada sobre isso, Guglielme afirma que a mesa foi levada pela Casa Bonita para Milão, e o museu não teve participação nisso. Para ela, levar as peças para fora do Brasil é muito bom: “Se comprarem vai ser via Casa Bonita, mas a Casa Bonita vai comprar delas, então não tem problema, é uma cadeia” (ELIANE GUGLIELME em entrevista ao autor, 2019).

Porém Guglielme ressalta que essa ligação pode ser um problema e cita um caso para exemplificar. A Roberta Borsoi, filha da arquiteta Janete Costa, encomendou os banquinhos em forma de bode e jegue para serem expostos no Espaço Interferência Janete Costa na Fenearte de 2019. Durante a exposição, foi constatado um erro na identificação da peça, estava como autor do artesanato o nome do Raimundo na etiqueta amarrada ao banquinho. Os erros de comunicação nos trâmites podem ser problemáticos, assim como a apropriação da imagem do artesão ou o completo apagamento feito de forma consciente ou não para impulsionar as vendas.

Por outro lado, a exportação do artesanato pode contribuir para os artesãos valorizarem seus produtos e aumentarem a autoestima, comenta Imbroisi. Porém,

o mercado aqui cresceu, as coisas acabaram tendo muito mais aqui. O Brasil na produção artesanal é tida como uma produção cara, então isso também dificulta você exportar artesanato brasileiro. (...) Então o mercado interno começou a absorver muito mais, valorizar muito mais o produto nacional, as feiras, essa Fenearte que tem, que é uma grande referência hoje em dia (RENATO IMBROISI em entrevista ao autor, 2019).

O designer acha importante e é a favor de levar os produtos para fora do Brasil, porém é preciso fazer uma análise antes, por exemplo, se a comunidade vai conseguir atender à demanda. Talvez a melhor solução é manter os produtos no mercado brasileiro, já que existe um movimento de valorização da produção nacional. Expor as peças durante a Semana de Design de Milão pode ser uma estratégia para o mercado nacional valorizar os produtos, já que ainda existe esse estigma de as pessoas darem atenção para o que é exposto na Europa.

A atuação do Renato Imbroisi nas comunidades terminou em julho do mesmo ano, em 2018. Depois da abertura da exposição, ele não acompanhou mais o projeto, assim

não soube responder como está a comercialização desses artefatos em São Paulo, nem se o museu estava vendendo ainda. O designer citou as lojas Cestaria Régio, que fica no bairro Pinheiros, e a Artiz, localizada no Shopping JK, como possíveis lugares que comercializam as peças da nova coleção.

Segundo a Guglielme, o museu está trabalhando com a Rede Asta para comercializar o artesanato. “Eles entraram em contato com a gente, porque eles queriam ter os produtos delas lá. Eles têm uma vitrine, além da internet, e eles têm e-commerce” (ELIANE GUGLIELME em entrevista ao autor, 2019). A Rede Asta é um negócio social que atua desenvolvendo artesãs em empreendedoras através de conhecimento especializado, acesso a compradores e rede entre artesãs. Buscou-se informações no site da rede e nas mídias sociais, porém não foi encontrada nenhuma informação de divulgação e venda dos produtos das artesãs.

Quando foram divulgados os produtos e as fotos da exposição no perfil do museu no Instagram e Facebook, a instituição recebeu bastante contatos de pessoas interessadas em comprar os produtos, tanto de lojistas quanto de consumidores finais, segundo Eliane Guglielme. O designer Renato Imbroisi, por sua vez, usa pouco as redes sociais e nunca divulgou o projeto.

A logística do artesanato é planejada pelo próprio museu. Assim como na maior parte das comunidades de artesãos, a distribuição é complicada, uma vez que muitos grupos estão em regiões de difícil acesso, na área rural. Guglielme afirma que a região tem Correios, porém sai muito caro despachar os produtos dessa forma. Com a ajuda do Raimundo, a instituição contratou uma van em Itaiçaba que pega as peças nas comunidades e, no caso de trazer para São Paulo, leva para a Azul Cargo em Fortaleza. Assim, os produtos vêm de avião. Essa foi a solução mais barata.

Questionados sobre as mudanças na vida das artesãs depois do projeto, tanto o Imbroisi quanto Guglielme afirmam que muitas coisas mudaram. Mudou em termos de conhecimento: em Sítio Volta e Sítio Caiçara, as artesãs aprenderam a fazer bolsas, colares, além de contas matemáticas para calcular horas de trabalho e custos de

matéria-prima. Já em Palhano, aprenderam a fazer pufes, luminárias e mesas grandes.

Depois, “mudou em termos de renda: elas ganhavam uma média de 100 reais por mês com artesanato”. Além disso, “elas nunca tinham vendido para fora, nunca tinham vendido nada” (ELIANE GUGLIELME em entrevista ao autor, 2019). Essa é a primeira experiência de venda dos grupos de Sítio Volta e Sítio Caiçara para lugares distantes, sem a presença dos atravessadores.