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PARTE I POSSIBILIDADES DE ARTICULAÇÃO ENTRE

1.2. Circunstâncias a condicionarem objetividade

Abstraindo motivações que levaram a implantar a denominada Faculdade São Francisco de Barreiras (FASB) e completados dois anos de seu funcionamento, constatou- se que a notória quantidade considerável de estudantes e uma problemática atração de docentes titulados, em complemento aos poucos localmente disponíveis, constituíam os mais decisivos e limitantes componentes que configuravam um inegável paradoxo sustentatório da IES: reduzido poder aquisitivo de efetivos e potenciais estudantes, em contraponto a presumidos estímulos para ampliar o corpo docente em termos não apenas remuneratórios, mas inclusive de peculiares condições urbano-ambientais, estas pouco aprazíveis para a maioria dos que mudam periodicamente de lugar. A esse paradoxo, sobrevinham exigências legais para o inevitável reconhecimento dos cursos de graduação já em funcionamento. Conjuntamente, a intensificação da efetividade daquele paradoxo e a aproximação deste reconhecimento acentuavam uma conjuntura de insustentabilidade coletiva a envolver os próprios sujeitos mais imediatos da IES – educandos, educadores, profissionais técnico-administrativos e dirigentes.

No tocante aos educandos, destaca-se a sua heterogeneidade, de modo peculiar no que diz respeito às motivações para estudar, por força de desafios para reverter a tendência de expansão dos espaços privados em favor da criação do espaço público. Em primeiro plano, reproduzem-se condutas pouco ou nada cooperativas para compensar relativa morosidade e generalizada disparidade na aprendizagem, cuja ilustração mais significativa pode ser descrita da seguinte maneira: um teor de aprendizagem comunicado pela docência costuma ser entendido, em termos subjetivos, com tamanha imprecisão a ponto de ser inatingível, em tempo hábil, comunicar a íntegra dos conteúdos programados. Em segundo plano, constata-se uma passividade da adaptação à dinâmica entre aprendizagem e ensino, herdada da educação anteriormente frequentada, ao passo que tentativas metodológicas

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para promover caráter ativo dessa adaptação enfrentam condutas não propriamente estudantis.

Dentre as condutas assim ilustradas, cabe assinalar as seguintes: (1) é recorrente que, até a primeira prova, cada um e todos os docentes são os melhores do mundo, mas, logo após, a dificuldade de explicitar algo apreendido mediante avaliação de aprendizagem é apontada, de forma quase que totalmente unilateral, como um problema da docência; (2) ao aproximar-se o encerramento do período letivo, a ameaça de reprovação costuma desandar em conflitos entre discentes e docente, cujo enfrentamento institucional implica em uma ingente custosidade em sentido amplo; (3) dada a herança cultural, especificamente em relação a educar-se, observa-se pouca ou mesmo nenhuma necessidade de aprender e de referenciar-se objetivamente em fontes bibliográficas, preferindo valer-se de certa autossuficiência de bom senso e de meras opiniões; (4) os coletivos de classe não chegam a ser favoráveis à eficiência e à eficácia do ensino, devido a condutas de certos estudantes que logram desviar a atenção dos demais ou insistem em monopolizar a atenção docente, desafios cuja recorrência induz a expressá-los em termos estereotipados e que passaram a ser comunicados da seguinte maneira por ocasião do evento intitulado “Acolhida para Ingressantes” na IES:

“o(a) estudante [...] parece resignar-se a mera “dação/escuta” de aula e a assumir conduta de descaso em sua relação com o coletivo educacional, a começar pelo coletivo da classe, qual seja: não acompanha a fala docente para reunir os aspectos abordados em um todo com início, meio e fim; não faz anotações que facilitem memorizar o que acaba de ouvir ou ler; senta-se ao fundo da sala, mesmo que nesta sobrem lugares mais à frente; repetidamente se distrai com os colegas; sai antes do devido término das atividades; não interage com os colegas; culpa apenas o professor por notas baixas; quando estuda é apenas para provas; enfim, torna-se um ônus, para não dizer um

prejuízo vivo, para si mesmo, para seus colegas, para os próprios pais, para o

curso, para a instituição de ensino e para a sociedade”8. [Grifo no original].

Em relação aos docentes, ocorre algo que provém do próprio sistema educativo, e que é assim traduzido: “tudo aquilo que não faz parte do objeto é considerado como não pertencente à realidade. Assim, a realidade está dada e, portanto, é possível explicá-la e não construí-la” (Morales apud Gomes et al., 2007, p. 186). Em outros termos, trata-se de um operar à estrita base de conteúdo representado e que sequer presume uma correspondente

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processualidade real e específica. Paralelamente, o cotidiano da relação entre docente e discentes apresenta-se com recorrentes exigências dos educandos no sentido de também as concernentes pessoas serem consideradas, inclusive nos referidos termos de monopolização do atendimento a tanto generosamente dedicado. A propósito desta generosidade, torna-se imperioso elucidar que o marco regulatório de remuneração do trabalho docente institui impasses para o tratamento diferenciado do atendimento em foco.

Quanto aos profissionais técnico-administrativos, desvela-se acentuada exposição a demandas de cunho clientelista em contraponto a riscos de assumir decisões cujas consequências oscilam por entre lidar com situações imprevistas, a rigor não atribuíveis no âmbito das rotinas administrativas, e exercer fidedignamente responsabilidades, de antemão formalizadas, para o exercício desta ou daquela função.

No tocante às mediações político-institucionais, a se concentrarem nos dirigentes – prepostos da mantenedora e detentores de autoridade funcional por entre o titular da direção acadêmica e os titulares das diversas coordenações de curso, chegando até os docentes em cujo âmbito há de prevalecer determinada extensão de autoridade – urge ter em conta que é determinante para todo docente o operar, em sala de aula, do conteúdo representado (narrativas de saberes) que sequer presume uma correspondente processualidade real e específica (objetividade), e isto, já a partir das diretrizes curriculares que também perfazem subsídios a também comporem o sistema federal de ensino.

Em contraponto a tal urgência, a expectativa dos educandos é de que essa lógica seja invertida no sentido de prevalecer a processualidade real sobre o correspondente conteúdo representado, peculiarmente se esse conteúdo for abordado com o preciso apoio de categorias. Trata-se de situação em que conflitos são potencializados, em resposta à distonia entre poder e força, estes conforme conceitos de Arendt (2001, p. 212):

É o poder que mantém a existência da esfera pública, o espaço potencial da aparência entre homens que agem e falam. [...]. O poder é sempre, como diríamos hoje, um potencial de poder, não uma entidade imutável, mensurável e confiável como a força. Entretanto, a força é a qualidade natural de um indivíduo isolado, o poder passa a existir entre os homens quando eles agem juntos e desaparece no instante em que se dispersam.

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Em acordo com ambos estes conceitos de Arendt (2001, p. 135) e ao persistir a conjuntura em apreço, esta se convertia em carência da “estrutura da organização política”, em que os espaços privados ofuscam as oportunidades de criação da esfera pública.

Nessa persistente conjuntura, ensino superior há de se apresentar disparmente prioritário no nível da pessoa, contrapondo-se ao que ocorre no âmbito social, em que tal prioridade se intensifica com o grau de urbanização a pressupor correspondente aparência da esfera pública. Adicionalmente a essa pressuposição, o próprio sistema federal de ensino rende-se ao processo de globalização, de forma que se lhe impõe uma circunstância de prevalência de conteúdo representado, importado e difundido a partir das mais decisivas metrópoles do país, o que vem a acentuar a secundarização da processualidade real e, com isto, reforça-se a conflituosidade entre discentes e docente quanto mais for assumida a importância de interiorizar ensino superior, pós-graduação e pesquisa.

Em busca dessa interiorização, cabe concordar com Goergen (2000, p. 33):

[...] o universalismo imperialista, tão afeito à racionalidade moderna e assimilado pela universidade, deve ser redimensionado pela valorização do local e do regional. Neste sentido, impõe-se que, além de refletir sobre seu status no interior das macro-transformações que a sociedade vem sofrendo, a universidade repense também sua vocação específica relativamente ao seu ponto de inserção social. (Grifos nossos).

Em suma, a recorrência dessa conjuntura é potencializadora de conflitos entre discentes e docente, os quais, além de precisarem ser enfrentados mediante medidas institucionais ad hoc, têm incidido no fulcro da relativização do desempenho da IES, inclusive na atribuição de conceitos medianos às dimensões e aos indicadores de qualidade por parte de avaliadores designados pelo INEP/MEC. Trata-se de cenário que antes compromete do que favorece a imagem da IES e, por isso, agrava o mencionado paradoxo sustentatório da Instituição, inclusive porque implica em aumento de custosidade em sentido amplo.

Por sua vez, esta custosidade acaba também reforçada porque aqueles conflitos são gerados pelo imperativo da prevalência de conteúdo representado, este a se opor à óbvia necessidade de os discentes se depararem com processualidade real que é por eles irrealistamente enxergada, até em sala de aula, em termos de prática e enquanto requisito para assumir posto de trabalho. Porém, tal necessidade discente não se coaduna, inclusive,

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com determinações da Constituição de 1988 (Art. 205) a respeito de qualificação para o trabalho, preparo para o exercício da cidadania e desenvolvimento da pessoa. Em síntese, aquele cenário é ampliado e corrobora a tendência de insustentabilidade coletiva.