• Nenhum resultado encontrado

PARTE II TRABALHO E ENSINO SUPERIOR NO BRASIL:

2.1. Impasse no embate de ideologias sobre os próprios sentidos de público e

Segundo Dias (2003), passaram a prevalecer, no plano internacional, embates sobre as formas de prestação de “serviço público em todas as áreas, em particular nas de educação, saúde e meio ambiente, mas também na área de comunicação, cultura, turismo e outras” (p. 827).

No contexto nacional, a importação dessa prevalência tem contribuído para justificar aqueles dois componentes na prestação do serviço público da educação, de forma especial da educação superior. Entretanto, diferenças nesta prestação, com eventuais situações virtuosas ou mesmo de flagrantes vícios, têm restado, até certo ponto, secundarizadas.

Para que se admitam as ideologias correspondentes àqueles dois componentes, em recorrente embate, há uma questão de fundo que se circunscreve a presumida distinção entre público e privado na prestação do serviço social da educação, especificamente da educação superior. Em um desses componentes entende-se que educação em geral seja bem público, enfatizando-se explicitamente a substância de um bem e a qualidade deste bem ser público. Na outra, assegura-se que público signifique universal, ou seja, garantia de que

54

haja acesso de todos ao correspondente bem, não importando a forma como seja promovido tal acesso.

A rigor, a prevalência daqueles dois componentes emergiu à deriva da atuação de prepostos da Organização Internacional do Comércio (OMC), instituída em 1995. Segundo Dias (2003, p. 827), essa atuação “serviu para consolidar a posição dos países industrializados e para reforçar uma visão caracterizando todos os serviços, inclusive os públicos, como prioritariamente comerciais” (grifo nosso).

Assim, uma vez conhecido o peso – ideológico, inclusive – dessa posição dos países industrializados, passou a ser problemático, ao primeiro dos acima focados componentes, persistir na defesa da educação enquanto bem público, sem excluir a superior. Na perspectiva dessa defesa, a noção de direito houve de corresponder, ao entendimento de universal. Este, conforme Dotta (2008, p. 182-184), definido como fundamental e, por isso, de procedência supraconstitucional e inclusive supranacional. Além disso, à noção de prioritariamente comercial acabou por corresponder a de bem privado, ou mais incisivamente, a de mercadoria em oferta segundo a lógica de mercado.

Entretanto, admite-se subentendimento, junto àquele primeiro componente, de que é ao Estado que cumpre prestar diretamente o serviço educacional para que este se apresente com qualidade devidamente pública, além de que, para tanto, é imprescindível que a sustentação tenha que provir da dinâmica econômica, esta a prevalecer à deriva de dinamizada realocação de tributos ou mesmo da geração destes.

No outro componente, tal sustentação presume lucros, à base de retornos civis, de antemão aplicados no setor educacional. Porém, visa-se obter lucros de livre destinação, depois de recolhidos os pertinentes impostos.

Retornando-se à posição de que público deva corresponder a universal, cabe reforçar a indagação de que o serviço de educação superior seja ou não seja mercadoria, notoriamente porque esta educação ainda se encontra distanciada de coincidir com um direito, além de continuar, a tanto, economicamente menos custosa do que a disponibilizada pelo Estado. De outra parte, explicita-se que o sentido propriamente público de um serviço, a exemplo da proteção ao ambiente, implica consumo também coletivo, nunca apenas individual.

55

Paralelamente a essa imprecisão de conceitos entre público e universal, cumpre considerar outros campos de atuação humana, além daquele da educação, tais como o da pesquisa e desenvolvimento e os media, mas especialmente o da informática cuja difusão se reforça, a exemplo do sistema Windows contra o Linux, ainda que este último seja melhor e livre. É uma espécie de contraditoriedade a que se expõem as indústrias do desenvolvimento de novas tecnologias, que:

veio acompanhado de um reforço dos direitos de propriedade intelectual e, em particular, das patentes. E isso não é acidente. Países industrializados, em particular os anglo-saxônicos e mais especialmente os Estados Unidos, tiveram êxito em suas investidas dentro da OMC para fortalecer regras neste campo que visam a facilitar a comercialização de todos os serviços e a consolidar seu domínio total em tal campo. (Dias, 2003, p. 828).

Segundo Cunha (2007, p. 810-813), no âmbito nacional a esfera privada houve de projetar-se como principal dianteira das tendências político-institucionais que passaram a prevalecer, especialmente a partir do “milagre econômico” ou da vigência do regime militar. A rigor, só com a democratização há de iniciar-se a tendência que levará à defesa da educação superior como bem público.

Está implícito em Cunha (2007, p. 810-811) que destinação indiscriminada de subsídios à educação de iniciativa privada, inicialmente nos níveis “primário e ginásio+colégio” (educação básica pós-LDB/96), foi o principal componente das condições em que irá emergir a vigente concepção de mercadoria sobre a educação superior promovida por instituições privadas. Por força da origem e destino dos subsídios em apreço, são pouco precisas as categorizações a respeito de público e de privado, inclusive por haver entidades corporativas que os permeiam.

À época, jovens provenientes de camadas médias em notória prosperidade ao longo do “milagre econômico” se tornaram

[...] clientela ávida de escola privada, não só como símbolo de status prestigioso, mas, também, como alternativa para o ensino público que se deteriorava a cada ano, justamente por força das políticas elaboradas e implementadas pelos empresários do ensino e seus prepostos, que ocupavam os postos diretivos dos sistemas de educação, nos níveis federal, estadual e municipal. (Cunha, 2007, p. 812).

56

Dada a circunstância apontada na citação logo acima, torna-se cabível admitir que a então prevalente político-institucionalidade foi pródiga em favorecer o financiamento de empreendimentos educacionais privados, peculiarmente à base de isenções fiscais:

A Constituição de 1946 trazia um dispositivo que assegurava a isenção tributária para instituições de educação, vedando à União, aos estados e municípios o lançamento de impostos sobre seus bens e serviços, desde que suas rendas fossem integralmente aplicadas no país e para fins educacionais. Na reforma constitucional de 1965, os privilégios fiscais foram ampliados, estendendo-se a isenção de impostos para suas rendas. A Constituição de 1967 e a Emenda de 1969 mantiveram esse dispositivo. Assim, as escolas privadas passaram a gozar de uma verdadeira imunidade fiscal, o que ampliou suas possibilidades de acumulação de capital (id. ibid.).

Como logo a seguir será referenciado, até o início dos anos da década de 1980, um longo e quase excludente modelo político-institucional havia influenciado os destinos da educação no País. Em tal modelo, a prestação direta de serviços educacionais propendia a ser francamente aberta à sociedade civil, enquanto a questão econômica de promover a destinação de meios materiais para expandir a disponibilidade desses serviços era orientada a partir da representação política central e mediante regulação relativamente estável.

2.2. Mudança da principal dianteira de tendências à base de representação política