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3.3 A sucessão nos negócios agrícolas

3.3.5 Cláusulas restritivas da doação

Na integralização dos bens da holding, e posteriormente sua doação aos herdeiros, a fim de proteger o patrimônio familiar, especialmente da interferência de terceiros que não tenham vínculo consanguíneo, a doação pode ser gravada com cláusulas restritivas de direito, conforme desejo dos doadores. Essas cláusulas são de: usufruto, incomunicabilidade, inalienabilidade e reversibilidade.

Segundo Rodrigues (2003, p. 296), no usufruto, como em todos os direitos reais sobre coisas alheias, há simultaneamente dois titulares de direitos diversos, recaintes sobre a mesma coisa. O nu proprietário, que ostenta a condição de dono, e o usufrutuário a quem compete o uso e gozo da coisa.

O Código Civil, traz expressamente os direitos do usufrutuário, no art. 1.394, “O usufrutuário tem direito à posse, uso, administração e percepção dos frutos”.

Quando o usufruto é aplicado em quotas ou ações, tem-se um nu titular, ou seja, alguém que é titular dos títulos societários, mas apenas de seu direito patrimonial; em oposição, haverá um usufrutuário, a quem corresponderá o direito de exercer as faculdades sociais das quotas. O Usufrutuário conserva a posse das quotas ou ações, usando-as na coletividade social, inclusive para o exercício de voto e para recebimento dos frutos (MAMEDE, 2014, p. 118-119).

Em se tratando de sociedade anônima, ao fazer a doação das ações com reserva de usufruto, o doador deve registrar a manutenção do direito de voto, sob pena de ser exigido acordo prévio entre o proprietário e o usufrutuário, conforme determina o art. 114 da Lei n° 6.404/76.

Portanto, se a holding for uma sociedade anônima, os direitos do usufrutuário recaem sobre os direitos patrimoniais (recebimento de lucro). Para que o doador

permaneça também com direito a voto, deve constar na escritura de doação das ações, caso contrário, esse direito será do nu-proprietário, exceto se houver acordo prévio entre as partes dispondo o contrário.

O Código Civil, em seu art. 1.410, descreve as formas de extinção do usufruto:

Art. 1.410. O usufruto extingue-se, cancelando-se o registro no Cartório de Registro de Imóveis:

I - pela renúncia ou morte do usufrutuário; II - pelo termo de sua duração;

III - pela extinção da pessoa jurídica, em favor de quem o usufruto foi constituído, ou, se ela perdurar, pelo decurso de trinta anos da data em que se começou a exercer;

IV - pela cessação do motivo de que se origina;

V - pela destruição da coisa, guardadas as disposições dos arts. 1.407, 1.408, 2ª parte, e 1.409;

VI - pela consolidação;

VII - por culpa do usufrutuário, quando aliena, deteriora, ou deixa arruinar os bens, não lhes acudindo com os reparos de conservação, ou quando, no usufruto de títulos de crédito, não dá às importâncias recebidas a aplicação prevista no parágrafo único do art. 1.395;

VIII - Pelo não uso, ou não fruição, da coisa em que o usufruto recai (arts. 1.390 e 1.399).

Outra cláusula restritiva da doação é a incomunicabilidade. A doação gravada com essa restrição tem como desígnio não permitir a comunicabilidade dos direitos dos bens doados a terceiros, especialmente ao cônjuge de seu herdeiro. Essa restrição está expressa no Código Civil, em seu art. 1.668, inciso I:

Art. 1.668. São excluídos da comunhão:

I - os bens doados ou herdados com a cláusula de incomunicabilidade e os sub-rogados em seu lugar;

Por outro lado, o cônjuge do herdeiro terá direito aos frutos advindos dos bens gravados com cláusula de incomunicabilidade, conforme prevê o art. 1.669 do Código Civil.

Art. 1.669. A incomunicabilidade dos bens enumerados no artigo antecedente não se estende aos frutos, quando se percebam ou vençam durante o casamento.

Outra cláusula, a de inalienabilidade, relaciona-se ao fato de que o bem doado não pode ser alienado pelo donatário, enquanto permanecer a restrição imposta pelo doador:

Art. 1.911. A cláusula de inalienabilidade, imposta aos bens por ato de liberalidade, implica impenhorabilidade e incomunicabilidade.

Parágrafo único. No caso de desapropriação de bens clausulados, ou de sua alienação, por conveniência econômica do donatário ou do herdeiro, mediante autorização judicial, o produto da venda converter-se-á em outros bens, sobre os quais incidirão as restrições apostas aos primeiros.

A cláusula da inalienabilidade automaticamente implica à impenhorabilidade do bem, conforme disposto no art. 1.911 do Código Civil, pois restaria sem efeito, caso o bem pudesse ser penhorado e, consequentemente, expropriado de seu beneficiário. A impenhorabilidade protege somente as quotas, não se estendendo aos lucros e dividendos recebidos dela advindos, que poderão ser objeto de penhora e expropriação, conforme regra disposta no art. 650 do Código de Processo Civil:

Art. 650. Se um dos interessados for nascituro, o quinhão que lhe caberá será reservado em poder do inventariante até o seu nascimento.

Finalmente, a cláusula de reversibilidade se presta a garantir que o bem doado ao herdeiro retorne ao doador caso o donatário venha a falecer previamente à sucessão. Essa cláusula está prevista no art. 547 do Código Civil:

Art. 547. O doador pode estipular que os bens doados voltem ao seu patrimônio, se sobreviver ao donatário.

Parágrafo único. Não prevalece cláusula de reversão em favor de terceiro.

Diante do exposto, conclui-se que o planejamento sucessório, por mais complexo, trabalhoso e delicado que possa ser no caso concreto de cada família, especialmente no ramo agrícola, que é extremamente tradicional, é de suma importância para evitar conflitos, processos judiciais envolvendo os herdeiros, e mesmo a dilapidação do patrimônio familiar, muitas vezes construído com o trabalho de gerações. Deve-se fazer o melhor uso das ferramentas jurídicas disponíveis, para tornar essa transição, quando ocorrer, da forma mais suave possível, e com o menor custo jurídico, tributário, e mesmo, emocional, de todos os familiares.

CONCLUSÃO

O agricultor, de fato, vive uma situação ambígua. A sua propriedade rural é ao mesmo tempo a sua casa, sua empresa e seu emprego. Tradicionalmente o produtor rural tem uma verdadeira indústria a céu aberto, mas não tem empresa constituída. Trabalha de sol a sol na atividade, mas não é empregado. É segurado especial para a Previdência Social, como se nunca tivesse contribuído, mas, ao mesmo tempo, é a base da economia brasileira. Por fim, seu patrimônio construído com o trabalho árduo de uma vida, ou até de gerações, é, por vezes, dilapidado por frustrações de safra, e sucessões judiciais e extrajudiciais, com altas cargas tributárias.

Diante disto é fundamental que o agricultor tenha um planejamento e análises constantes de suas atividades, a fim de reduzir ao mínimo possível o valor de impostos incidentes, assegurar uma aposentadoria digna no futuro, e garantir que o seu legado continue pelas próximas gerações da família.

Nesse interim a assessoria jurídica para tal é de suma importância. Esse tema ainda é pouco difundido e existem poucas empresas que prestam assessoria nesse sentido, deixando o produtor rural à mercê de uma legislação complexa e inacessível, em sua grande maioria, gerando insegurança jurídica nas relações praticadas e suas implicações.

É certo que muito ainda se tem a evoluir nesse sentido, desde legislações estruturais sobre este tema, até a possibilidade de recuperação judicial do produtor rural pessoa física, por exemplo.

Vindo da atividade rural desde criança e trabalhando há mais de 5 anos com orientação, assessoria agronômica e de gestão à micro e pequenas empresas, incluindo produtores rurais, sei que a questão é mais profunda do que aparenta.

Para se chegar a um nível seguro de planejamento execução propriamente dita, uma prática fundamental é essencial: a gestão financeira do negócio. É através dela que teremos todos os parâmetros necessários para se optar pela modalidade mais vantajosa ao caso concreto de cada produtor rural. O desafio é enorme, mas a satisfação e os resultados obtidos, também.

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