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Classificação dos episódios de recaída

3. Preditores psicossociais de tabagismo

3.3. Preditores de recaída

3.3.2. Classificação dos episódios de recaída

Com o objectivo de compreender os indícios ambientais e as crenças pessoais capazes de minar a manutenção da abstinência, vários investigadores avaliaram e classificaram os atributos que caracterizam os episódios de recaída (Baer & Lichtenstein, 1988; Cummings, Gordon & Marlatt, 1980; Marlatt & Gordon, 1985; Shiffman, 1982, 1986). Recorrendo a estudos retrospectivos, verificou-se que a maioria das recaídas ocorrem durante períodos de stresse ou estados emocionais negativos, embora estas crises também possam ser precipitadas por ambientes sociais de festa. A este propósito é importante notar que as situações de risco apresentam oscilações individuais ao longo do tempo, o que faz com que algumas exposições surjam de forma inesperada e sem sinais prévios (Witkiewitz & Marlatt, 2004).

Através de um trabalho de Cummings, Gordon e Marlatt (1980) que implicou a análise de 311 episódios de recaída, em pessoas com diferentes problemáticas (alcoolismo, tabagismo, heroinodependência, jogo patológico e ingestão excessiva de

alimentos), identificaram-se três tipos de situações de recaída: estados emocionais negativos, dando lugar a 35% das recaídas (disforia, frustração, ira, ansiedade, depressão ou aborrecimento), pressão social, justificando 20% das recaídas (persuasão verbal, exposição directa ou indirecta ao estímulo) e conflitos inter-pessoais, com 16% das recaídas (relações conjugais, laborais, familiares ou amigos). Numa investigação posterior, Marlatt e Gordon (1985) voltaram a classificar as situações de risco, com base em estímulos intra-pessoais (ex. desejo, sensações físicas, estados emocionais positivos e negativos, pensamentos) e/ou situações interpessoais (ex. pressão social directa e indirecta, conflitos interpessoais, contextos de convívio e prazer). Nesta linha, Shiffman (1986) desenvolveu outra classificação importante, ao estudar 263 ex-fumadores. Assim, através da análise de clusters definiram-se quatro grupos de situações de recaída: (1) preocupação, (2) factores sociais, (3) relaxação e (4) trabalho:

Preocupação.

As reacções emocionais e cognitivas de preocupação, caracterizam este grupo de factores de recaída (n = 94, 36% da amostra). Na grande maioria das recaídas, o ex-fumador está em casa ou no carro. O mais habitual é a pessoa estar sozinha, mas, em alguns casos, os familiares estão próximos. Trabalhar também é uma actividade frequente, bem como estar sem fazer nada, esperar por alguém ou as situações de transição entre uma actividade e outra. Ansiedade, tensão, frustração e depressão ocorreram em 88% destas crises. Geralmente, estas recaídas não envolvem refeições ou bebidas alcoólicas. •

Factores sociais.

Este grupo de factores (n = 69, 26% da amostra), caracteriza-se essencialmente por envolver contextos sociais. Cerca de metade destas crises ocorrem em restaurantes, bares ou na casa de alguém. A maioria dos casos acontecem na presença de amigos e em situações de socialização. Comer e beber são actividades frequentes e metade das recaídas associam-se ao consumo de álcool. Embora a afectividade positiva seja mais comum, também ocorrem situações de ansiedade social. Em mais de dois terços destas recaídas, existe um fumador por perto e o estímulo de ver alguém fumar precede a crise. •

Relaxação.

As situações de relaxação constituem outro grupo de precipitantes

(n = 51, 19% da amostra), surgindo habitualmente após uma refeição. Em metade destas recaídas, a pessoa está em casa e, em menos de 25% dos episódios, estão outras pessoas a fumar. Dois terços das crises envolvem comer,

beber e, em 27%, contextos de descontracção. Quando era habitual os ex- fumadores fumarem em momentos de relaxação, a probabilidade de recair nestas ocasiões é maior.

Trabalho.

Estas crises de recaída ocorrem quando o ex-fumador está no seu ambiente de trabalho (n = 49, 19% da amostra). Geralmente, as pessoas encontram-se sozinhas ou acompanhadas por colegas e não estão nem a comer, nem a beber. Sentimentos de ansiedade, frustração e stresse são referidos com frequência.

Numa investigação desenvolvida por Baer e Lichtenstein (1988), estudaram-se 176 episódios de recaída, com base em questionários que avaliavam tipologias de fumadores, percepção de stresse, auto-eficácia, episódios de recaída, variáveis sócio- demográficas e história do hábito tabágico. Através de uma análise descritiva, os autores concluíram que a maioria das recaídas ocorreu em casa (35%), geralmente com familiares ou amigos presentes, embora a pessoa se encontrasse sozinha nesse momento (32%). Com frequência, existia outra pessoa a fumar (56%) e apesar das actividades envolvidas serem bastante diversificadas, comer e beber foi um desencadeante habitual. Em cerca de 25% das recaídas, tinha sido consumido álcool e o stresse foi o atributo mais comum (39%). Os cigarros consumidos foram pedidos (40%), mas também comprados (34%), retirados de um maço disponível e, inesperadamente, raramente foram oferecidos (4%). Quando a recaída não envolveu comer e beber, o stresse e as emoções negativas explicaram 68% dos casos. Em cerca de 45% das recaídas, os atributos mais frequentes envolveram estar sozinho, a trabalhar, preocupado ou sob efeito de afectividade negativa. Um segundo conjunto de situações propícias à recaída, envolveu contextos sociais e afectividade positiva (32%). O estudo conclui que as crises de recaída podem ser classificadas em dois grandes grupos: (1) situações não sociais, negativas e marcadas pelo stresse e (2) situações sociais, positivas, nas quais a comida e o álcool são consumidos. Assim, os atributos que melhor predizem a recaída incluem o stresse, a afectividade negativa, o álcool e a socialização, particularmente com fumadores.

A importância dos estados de humor negativos também foi salientada por Pomerleau, Adkins e Pertschuk (1978), como um factor importante de recidiva. Através de um programa de cessação tabágica, composto por oito sessões que contou com 100 participantes, a abstinência foi atingida por uma percentagem ligeiramente

mais baixa nos fumadores por afecto negativo (62%), do que nos restantes fumadores (69%). Num seguimento realizado aos doze meses, apenas 26% dos ex-fumadores por afectividade negativa se mantinha abstinente, enquanto essa percentagem era de 50% entre os outros ex-fumadores. Os autores concluíram que a afectividade negativa exerceu a sua influência, essencialmente no processo de recaída e não tanto durante a fase em que se atingiu a abstinência. Um dado curioso deste estudo, refere a ausência de diferenças entre fumadores e não fumadores, relativamente à frequência com que a afectividade negativa é experimentada. Inclusivamente, quando avaliados pelo Symptom Checklist (SCL), os participantes do programa de cessação que fumavam habitualmente em condições disfóricas, não manifestaram mais afectividade negativa ou sintomas neuróticos do que os seus pares não fumadores.

Apesar da diversidade de riscos que as situações de recaída colocam, Shiffman (1986) acabaria por realçar que o aspecto mais importante na determinação da recaída, não seriam tanto as situações, mas os recursos que o indivíduo possui para lidar com as tentações. Neste sentido, quanto mais a pessoa for capaz de combinar estratégias de confronto (cognitivas e comportamentais), menor será a probabilidade de recair. Deve também realçar-se que a recaída resulta, geralmente, da exposição cumulativa a vários riscos que, a partir de determinado momento, atingem um ponto crítico. Por exemplo, na celebração de um matrimónio, é habitual comer-se com abundância, consumir álcool, conviver com vários fumadores e, frequentemente, oferecem-se cigarrilhas ou charutos. Nestas situações, o cenário de uma recaída está constituído e será precisa muita determinação para escapar a este conjunto de indícios e estímulos para fumar.