• Nenhum resultado encontrado

CLASSIFICAÇÃO DAS BASES MATERIAIS: ESTUDOS, PROJETO E FINALIZAÇÃO Tendo delineado o arranjo de documentos de processo e de obras acabadas que

sustenta materialmente nossa pesquisa, procuraremos a seguir elucidar a natureza das relações que o regem, valendo-nos de algumas características, em nível introdutório, destes documentos e obras.

Como vimos, o grupo Estudos é composto, no âmbito dos documentos de processo, pelos orçamentos de produção, pelo Contrato de coprodução e pelos Argumentos. O material relativo à pré-produção fornece pistas sobre a concepção do filme num momento anterior à pré-roteirização e detém pouca informação sobre a narrativa em desenvolvimento.

Detalhes da futura trama podem ser encontrados nos Argumentos, que se referem a conversas de Hirszman e Guarnieri, nas quais os dois tentam definir os contornos do filme Eles não usam black-tie.30 Esses documentos nos oferecem possibilidades em estudo, já que, no diálogo entre os roteiristas, os potenciais componentes da história a ser contada pelo filme (como personagens, tempo, espaço etc.) se encontram em elaboração. Como descreveram os próprios roteiristas, trata-se de um “papo sobre o filme”, no qual não há contornos plenamente definidos, mas ideias e possibilidades em discussão.

Para que seja possível extrair dos Argumentos o máximo de dados possível sobre o processo de criação da obra, deve-se ter em mente a especificidade destes documentos. Isto significa invocar metodologias e aportes teóricos que deem conta, por exemplo, do dinamismo que registram, posto que nos Argumentos “diferentes formas ocupam o mesmo espaço e o mesmo tempo”, (SALLES, 1998, p. 150) bem como da seletividade que revelam, já que apenas determinados elementos narrativos são foco da atenção dos roteiristas nesta

30 Compete esclarecer que a nomenclatura “Argumentos”, que optamos por adotar ao longo deste trabalho, foi

etapa do percurso criativo. Esta é uma das razões pelas quais sentimos necessidade de, por meio da concepção do grupo Estudos, separar a leitura interpretativa dos Argumentos de outros registros do processo criativo.

No que tange ao texto teatral de Eles não usam black-tie, é no grupo Estudos que consideramos mais pertinente incluí-lo, tendo em vista que este documento representa a base do processo de transcriação, para o qual Hirszman convoca o próprio autor da peça, Guarnieri, que não só participa da elaboração dos Argumentos e roteiros, mas termina por atuar no filme.

A respeito do documentário ABC da greve, optamos por também incluí-lo no grupo Estudos, visto que a realização deste filme constituiu, conforme apontamos, uma experiência muito importante para Hirszman na concepção e concretização de Eles não usam black-tie.

Articulando o fato de o documentário não ter sido finalizado às declarações do diretor que enfatizam a importância da realização deste para a concepção do filme de ficção, e às muitas relações que podem ser estabelecidas entre ABC da greve e Eles não usam black-tie, como veremos, somos levados a crer que, no que tange aos propósitos desta pesquisa, o documentário pode ser considerado um meio e não um fim. Em outras palavras, é possível tomá-lo, aqui, como parte de um processo que não culmina na sua própria finalização, mas que serve à realização de outra obra: Eles não usam-black-tie.

O grupo Projeto, por sua vez, é composto basicamente pela sinopse e pelos roteiros de Eles não usam black-tie. Não sabemos ao certo o momento da escritura da sinopse encontrada no AEL, mas temos indicativos de que esta possivelmente foi escrita imediatamente antes da elaboração do roteiro, e por esta razão, integra o grupo Projeto.

Um roteiro de cinema contempla “a descrição analítica do filme, com indicação exata das cenas, dos diálogos”. (COSTA, 1987, p. 156) Conforme dissemos, dentre os roteiros de Eles não usam black-tie encontrados no AEL e na Cinemateca Brasileira, distinguimos três versões, escritas por Hirszman e Guarnieri, sendo que o Roteiro II e o Roteiro III possuem cópias, em sua maioria, rasuradas.

De acordo com Costa, um roteiro pode ser redigido de várias formas, mas “deve sempre conter indicações funcionais para a passagem de uma fase projetual a uma operacional”. (1987, p. 167, grifo nosso) É precisamente esta característica dos roteiros que justifica a necessidade de isolar a leitura interpretativa deste tipo de documento do restante do nosso dossiê de pesquisa, por meio da criação do grupo Projeto.

Do grupo Finalização participam os documentos relativos à etapa de execução das indicações técnicas contidas no roteiro. Neste âmbito, contamos com grande quantidade de

material, dentre a qual podemos destacar os Aditamentos ao Contrato de coprodução, o Storyboard, as Sequências e locações para filmagem, os Calendários de filmagem, as Ordens do dia I e II, as Fichas de continuidade, as Sequências para sincronização, o Mapa de mixagem, entre outros.

A principal característica deste material é que ele está diretamente ligado a ações. Apesar de conterem grande variedade de registros, estes documentos têm como especificidade o fato de estarem relacionados à execução de uma tarefa particular necessária para que o roteiro se torne filme. Daí decorre que, ao contrário do roteiro, que nos oferece uma visão geral da obra - permitindo que acompanhemos a narrativa e conheçamos sua dimensão estética, estes documentos registram ações pontuais e técnicas.

Para a leitura destes documentos, portanto, utilizaremos como baliza o filme, em sua forma acabada, e o Roteiro III. Na comparação entre o roteiro, os documentos que registram o processo de produção/filmagem/montagem e o filme pronto, é que será possível estabelecer relações e assim estes documentos poderão oferecer informações relevantes sobre o processo de criação de Eles não usam black-tie. Nesta direção, Grésillon sublinha que “A comparação entre um determinado estado da gênese e o estado dito definitivo fornece pontos de identificação apreciáveis para estabelecer a ordem interna dos documentos”. (2007, p. 155) Das peculiaridades destes documentos e do modo como precisam ser tomados para produzirem resultados decorre sua integração ao grupo Finalização.

Uma vez esclarecida a classificação dos documentos de processo, em conjunto com o texto teatral, ABC da greve e o filme, nos grupos Estudos, Projeto e Finalização (Figura 1), bem como discutida a relevância destes para nossa pesquisa e indicados os caminhos para a estruturação do nosso trabalho, passaremos do âmbito da coleta, tratamento e organização para o campo da leitura, análise e interpretação deste material.