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CAPÍTULO 2 – METODOLOGIA

2.1. Classificação da pesquisa

Paradigmas ontológicos, epistemológicos e metodológicos

Para a utilização da abordagem dos CAEs, Fligstein e McAdam (2012) entendem não haver a necessidade de uma forte delimitação filosófica e metodológica, como apontado anteriormente, que ela se configura em “a flexible set of concepts and relationships

that apply across a large number of settings” (p. 184). Assim, os seus conceitos são

facilmente utilizáveis por distintas vertentes filosóficas, tendo nessa generalização uma virtude. Ainda assim, nos propusemos a classificar a pesquisa como inclinada à um ou outro paradigma ontológico, epistemológico e metodológico, de forma a permitir possíveis e desejáveis discussões nesse sentido.

De acordo com a classificação que aqueles autores fazem, a partir dos pressupostos filosóficos da ciência e da utilização de técnicas de pesquisa social, o presente estudo insere-se em uma perspectiva “realista” da filosofia da ciência, utilizando técnicas qualitativas. Isso significa dizer que os conceitos tem como objetivo orientar a elaboração de sentido aos processos analisados, e que assumimos uma preocupação maior com o contexto, a fim de explicar fenômenos históricos concretos (FLIGSTEIN; McADAM, 2012).

Dessa perspectiva, poder-se-ia entender, conforme sugerido por Mariz et al. (2005), que a utilização exclusiva de técnicas qualitativas definiria que nossos pressupostos ontológicos, isto é, em relação à forma e à natureza da realidade que analisamos, se baseia também exclusivamente em uma realidade subjetiva e múltipla. Isto é em parte verdade, devido ao foco de nossa análise; porém, não ignoramos a existência de uma realidade objetiva. Ainda que tenhamos trabalhado apenas com dados qualitativos, entendemos que os resultados do presente estudo poderiam beneficiar-se também, por exemplo, de dados quantitativos, como defendido por Byrman (1995) apud Mariz et al. (2005). Compartilhamos,

39 assim, da visão de Fligstein e McAdam (2012) e Guba e Lincoln (1994) de que ambos os métodos podem servir à distintos paradigmas de pesquisa.

Quando às questões epistemológicas, por sua vez, que dizem respeito à natureza da relação entre sujeito e objeto pesquisado (MARIZ et al., 2005), nossos pressupostos nos colocariam numa posição intermediária no “continuum” proposto por Morgan e Smircich (1980) (figura 2). Ao utilizar como base a teoria de campos, assumimos que existem causas estruturais por detrás dos processos analisados que podem ser apreendidas através de ferramentas teóricas (FLIGSTEIN; McADAM, 2012). Nesse sentido, temos a realidade como “um campo contextual de informação” (MARIZ et al., 2005; MORGAN; SMIRCICH, 1980), que tentamos apreender pelo mapeamento do contexto, tanto do MFCF, no capítulo anterior, quanto o da produção madeireira em Lábrea, no capítulo seguinte.

Ao mesmo tempo, o foco da análise na ação, adotando especificamente como lentes teóricas a abordagem dos CAEs, nos aproxima de uma visão da realidade como “um campo de discurso simbólico” (MARIZ et al., 2005; MORGAN; SMIRCICH, 1980). Durante a realização da pesquisa, tentamos estabelecer um constante processo reflexivo (BOURDIEU; WACQUANT, 1992) e utilizar as técnicas de forma recursiva. Com esse intuito, mantivemos, por exemplo, anotações de campo, com impressões, descrições e observações a serem levadas em consideração, utilizado na triangulação dos dados (MIGUEL, 2010; YIN, 2001).

FIGURA 2- Rede de suposições básicas que caracterizam o debate subjetivo-objetivo dentro da ciência social

40 Se por um lado, nos encontramos numa posição intermediária quanto aos paradigmas ontológicos e epistemológicos, com limites um tanto difusos, por outro, metodologicamente adotamos uma estratégia de pesquisa bem delimitada: o estudo de caso (YIN, 2000). O estudo de caso é definido por Yin (2001; p. 32) como “uma investigação empírica que investiga um fenômeno contemporâneo dentro de seu contexto da vida real”, indicado “especialmente quando os limites entre o fenômeno e o contexto não estão claramente definidos”. Enquanto estratégia de pesquisa, Merrim (1998) apud Mariz et al. (2005) apontam a sua utilização no direcionamento dos resultados, recomendando-o “para se obter um entendimento aprofundado da situação e do significado para aqueles envolvidos”.

A versatilidade da estratégia representa ao mesmo tempo a sua fortaleza e a sua fraqueza: contribui para a grande disseminação de seu uso em estudos organizacionais, como relatado por diversos autores (MIGUEL, 2010; YIN, 2001); mas pode levar ao desvio de seus princípios originais, correndo o risco de torná-la meramente um rótulo metodológico, como apontado por outros (MARIZ et al., 2005; KETOKIVI; CHOI, 2014). Por essa razão, delineamos e conduzimos os estudos de caso a partir das etapas propostas por Miguel (2010), de forma a garantir o rigor metodológico necessário. O quadro 3 constitui-se em uma tentativa17 de capturar estaticamente, para fins de entendimento, as etapas do processo, quais sejam: (1) definição de uma estrutura conceitual-teórica; (2) planejamento dos casos; (3) condução de um teste piloto; (4) coleta dos dados; (5) análise dos dados; (6) relatório.

QUADRO 3 – Etapas do delineamento e condução dos estudos de caso.

ETAPAS ATIVIDADES

Definição da estrutura

conceitual-teórica - Mapear a literatura - Delinear as proposições Planejamento dos casos

- Selecionar a(s) unidade(s) de análise e contatos - Escolher meios para coleta e análise dos dados - Desenvolver um protocolo de pesquisa Condução de um teste piloto - Testar procedimentos de aplicação - Verificar qualidade dos dados

- Fazer os ajustes necessários Coleta dos dados - Registrar os dados - Limitar os efeitos do pesquisador Análise dos dados - Reduzir os dados - Produzir uma narrativa

Elaboração de relatório - Desenhar implicações teóricas - Prover estrutura para replicação Fonte: adaptado de Miguel (2010)

17 Ressaltamos aqui o entendimento de que o processo de pesquisa não é linear, sendo marcado por idas e vindas,

41 Tendo como fim último o da compreensão do fenômeno (abordagem explicativa), os estudos de caso foram desenvolvidos aqui com caráter exploratório isto é, de forma a gerar ideias e questões para a “interpretação de particularidades, comportamentos dos indivíduos e descrição e compreensão de fatos e fenômenos” (VOSS, 2009). Dessa forma, elaboramos uma pergunta de pesquisa abrangente, tornando as variáveis desconhecidas: que elementos teriam influenciado os resultados do processo de obtenção de PMFS pelas associações? No presente estudo, especificamente, focamos principalmente em cobrir lacunas das pesquisas teóricas, mas acreditamos também que, ao operacionalizar a teoria, subsidiamos a discussão sobre lacunas empíricas.

Planejamento dos estudos de caso

Desenvolvemos dois estudos de caso (estudo de casos múltiplos), um para cada processo analisado, com recorte longitudinal e holístico, isto é, a partir de uma única unidade de análise (MIGUEL, 2010; YIN, 2001): as associações participantes do GT Madeira. Desenvolvemos um protocolo contendo os procedimentos e as regras gerais da pesquisa (anexo A), cujas orientações se ajustaram ao longo da mesma, como consequência natural do seu desenvolvimento (MIGUEL, 2010; VOSS, 2009).

Os critérios de seleção dos casos foram dois: (i) associações que se encontravam numa mesma posição funcional na cadeia produtiva da madeira (produtores de matéria-prima); (ii) e que apresentaram resultados contrastantes – uma com um PMFS aprovado e a outra não (figura 3). O primeiro foi designado “caso ribeirinho”, da associação representativa de uma Reserva Extrativista (RESEX), e o segundo, “caso dos assentados”, da associação representativa de um Projeto de Assentamento (PA).

42 FIGURA 3 – GT Madeira, participantes e estudos de caso selecionados.

Fonte: elaboração própria

Primeiramente realizamos uma análise do contexto, resgatando a história da produção madeireira no município de Lábrea até o momento em que ocorreu a ação, destacando, da mesma forma que no capítulo anterior, os fatos e atores que a influenciaram. Em seguida, descrevemos os processos de obtenção dos PMFS pelas duas associações, e os comparamos a partir do domínio e mobilização de recursos para superar os desafios encontrados (ver item 2.3).