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CAPÍTULO II – Narrativa textual: dizer e contar através de palavras

2.1 A construção dos personagens

2.1.2 Claude Frollo

Tanto no romance de Hugo quanto no balé, Frollo nos é apresentado como um homem frio e sombrio. No entanto, enquanto no balé pouco se sabe a respeito de sua origem e de sua trajetória; no romance a vida de Claude Frollo nos é exposta em detalhes.

Filho de senhores da alta burguesia, Claude Frollo fora destinado desde sua tenra infância ao celibato. Quando criança fora mandado por seus pais para um colégio interno, onde aprendeu alguns dos requisitos necessários à vida clerical. Todavia, o enclausuramento da escola faz de Frollo uma criança triste e antissocial.

Durante esse período Claude dedica-se avidamente aos estudos. Aos 18 anos, ele havia concluído as faculdades de Teologia, Direito, Medicina e de artes liberais. “Parecia que, para aquele jovem homem, a vida possuía um único objetivo: saber.”47

Entretanto, após uma peste devastadora na cidade de Paris a qual mata seus pais, Frollo que até então não havia amado nada além dos livros, vê-se obrigado a tomar aos seus cuidados seu irmão caçula, Jehan. Essa criança órfã e indefesa desperta a afeição e o amor de Claude Frollo, que passa a dedicar-lhe a vida.

Desde então, sentido que havia um fardo a carregar, ele toma sua vida a sério. Pensar em seu pequeno irmão torna-se não

47 HUGO, 2009. p. 242

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apenas uma recreação, como também o objetivo de seus estudos. Ele decide consagrar-se por inteiro a um futuro em que ele responderia diante de Deus, não tendo esposa nem outra criança que não fosse a alegria e a fortuna de seu irmão.48

Como postulado anteriormente, é justamente pelo amor incondicional que dedica a seu irmão que Claude decide adotar Quasimodo. No entanto, ao longo dos anos, todos esses sentimentos de ternura e amor por Jehan transformam-se em desgosto e amargura, ao perceber que o jovem rapaz não seguira o caminho trilhado por ele. Decepcionado com o comportamento e com as atitudes desregradas de Jehan, Frollo dedica-se cada vez mais à ciência, tornando-se rígido enquanto padre e triste enquanto homem.

Como “houvera percorrido desde a sua juventude o ciclo praticamente completo dos conhecimentos humanos positivos, exteriores e lícitos”49

, Claude Frollo envereda para outros caminhos, a fim de procurar novos alimentos para matar sua fome de conhecimento. “Algumas pessoas sérias afirmavam que após ter esgotado o fasdo saber humano, ele [Frollo] ousara penetrar no nefas.”50 O interesse de Frollo pelas ciências ocultas aliado a sua figura imponente e sombria, rendem-lhe a fama de feiticeiro. Os rumores de seu envolvimento com a magia e a bruxaria eram ratificados, para grande parte da população, pela companhia de Quasimodo.

O povo também não se enganava; em quem quer que houvesse um pouco de sagacidade, Quasimodo passava pelo demônio, Claude Frollo pelo feiticeiro. Era evidente que o sineiro devia servir o arquidiácono durante um dado tempo ao fim do qual ele levaria sua alma à guisa de pagamento.51

Embora Frollo tenha adotado e criado o jovem sineiro, não há sinais na narrativa hugoana de que o padre cultivasse um sentimento afetuoso por Quasimodo. Ao contrário, a relação entre ambos é definida como entre mestre e cão fiel. Segundo Hugo, Claude tinha em Quasimodo “o escravo mais submisso, o criado mais dócil, o cão mais vigilante.”52

No entanto, apesar do tratamento severo do padre para com ele, Quasimodo devotava um amor profundo por Frollo. Além do fato de o padre lhe ter criado, Frollo era a única conexão que o corcunda tinha com o mundo exterior, a única pessoa com quem ele conseguia se comunicar. Logo, esse misto de medo e gratidão

48 HUGO, 2009,. p. 244 49 Idem, p. 259 50 Idem, p. 259 51 Idem, p. 262 e 263

Texto fonte: Le peuple ne s'y méprenait pas non plus ; chez quiconque avait un peu de sagacité, Quasimodo passait pour le démon, Claude Frollo pour le sorcier. Il était évident que le sonneur devait servir l'archidiacre pendant un temps donné au bout duquel il emporterait son âme en guise de paiement.

43 corrobora para que Quasimodo obedeça e submeta-se às mais variadas ordens emanadas de Frollo.

Essa relação de mestre e servo é um dos pontos chaves abordados por Roland Petit na narrativa coreográfica. Assim como no romance, Frollo é um homem austero e sinistro que tem por companheiro fiel o jovem Quasimodo. Esse vínculo de subordinação é repassado para dança por meio do posicionamento no palco de ambos personagens. Quando aparecem em cena ao mesmo tempo, Quasimodo sempre está ajoelhado, ocupando o plano baixo do palco. Frollo, por sua vez, posiciona-se sempre em pé ao lado de Quasimodo, executando movimentos que valorizam o plano superior.

Além da relação com Quasimodo, Roland Petit retém outras características importantes associadas a Claude Frollo no romance hugoano. Em 1482, ano da trama de ambas as narrativas, Claude é descrito como um homem imponente e sombrio, o qual provocava temor a todos. Sua figura austera contribuía para aumentar ainda mais a sua fama de feiticeiro e, consequentemente, o sentimento de pavor que despertava nos demais.

Todavia, a faceta mais amedrontadora da personalidade de Frollo revela-se apenas face ao desejo que a bela Esmeralda lhe aguça. A intensidade desta paixão somada à rejeição de Esmeralda conduzem Frollo a cometer uma série de atos violentos, o que o caracteriza como um monstro moral. Essa deformidade moral é acentuada por

44 Roland Petit que, na narrativa coreográfica, recria um Frollo atormentado pela paixão desenfreada que sente pela jovem cigana.

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